O desinfluencer

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Mentor Neto: "A gente gosta de ver os outros errarem" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Não é de hoje que a gente gosta de ver os outros falarem besteira.

Admita. Cada bobagem dita publicamente por outrem reforça nossa autoestima, aquele pequeno sentimento Instagram que cada um leva no peito.

Aquela desconfiança calada de que somos melhores.

A gente gosta de ver os outros errarem.

O humor, como forma de profissão, desconfio, nasceu desse prazer que temos ao testemunhar aqueles que têm a coragem de se expressar além de qualquer limite social.

Aquele frio na barriga que sentimos quando o sujeito fala, ou faz, algo que sabemos estar além do aceitável.

Os que o fazem conscientemente viram stand-ups, comediantes, escritores de humor e, quase sempre, controlam exatamente as barreiras do que podem ou não dizer.

Já os que são inconscientes desses limites, ah, esses nós amamos ainda mais.

Gostamos de ver o próximo desafiar o discurso oficial, ainda mais quando não se dão conta do que estão fazendo ou falando.

Em tempos de redes sociais, era de se esperar que estariam soltos por aí esses personagens que seduzem por constrangimento, conscientes ou inconscientemente.

Os que falam bobagem e recebem apupos exatamente por isso ganham popularidade com o tempo.

Essa gente que anda o relógio da evolução para trás são os desinfluencers.

Via de regra, conseguem arregimentar um exército de seguidores.

Não. Seguidores é um termo impreciso, porque sugere uma espécie de seita. Gente que, cegamente, faz o que o líder mandar.
Não é caso da totalidade de fãs desses esquisitos.

Apesar de boa parte do séquito dos desinfluencers realmente ter essa característica rebanhesca, outra parte apenas acompanha pelo mero prazer de se constranger com as bobagens que serão ditas, quando menos se espera.

Esses não são “seguidores”. São, digamos, “followers” — uso a palavra em inglês apenas por falta de outra melhor para diferenciar esses dois comportamentos.

Followers de uma rede social diferenciam-se bem de seguidores porque são aquela gente que gosta de ver o circo pegar fogo.
Difícil separar quem concorda com o que é dito pelo desinfluencer, daquele que quer apenas se constranger enquanto se diverte com a inadequação do dito cujo.

O perigo de celebridades com mais seguidores do que followers

Lamentavelmente, a internet não nos provê meios de saber qual é um e qual é outro, então, desconfio, acabamos supervalorizando os números, imaginando que realmente lideram um culto a seus preconceitos e equívocos.

Nos Estados Unidos, uma tal de Pearl Davis se destaca na contramão do empoderamento feminino.

Entre outras idéias, que difunde sem nenhum constrangimento, está a de que o divórcio deveria ser proibido ou que a mulher não deve trabalhar fora.

No Brasil, um famoso influencer com nome de bicicleta constantemente chega aos trend topics com suas falas que vão do mau gosto ao discurso de ódio, passando por um oceano de desinformação.

Essa semana, outra dessas subcelebridades nacionais afirmou que “homens não devem sair com mulheres que assistiram ao filme Barbie”, sabe-se lá o que quis dizer com isso.

Até porque, perguntado se assistiu ao filme, o pobre coitado negou.

Tudo isso pareceria pitoresco, apenas um sinal dos tempos inofensivo, se já não soubéssemos o que acontece quando o público de seguidores – e não followers – desses desinfluencers cresce ao ponto de se tornar capaz de mudar nossos destinos.

Não foi isso, afinal, que aconteceu com nosso ex-presidente?

Lembro bem da figura humorística, histriônica, que era antes de se eleger.

Antes de se eleger, era apenas mais um bobo da corte que despontou pela celebrização do que há de mais retrógrado.

Tinha, quem sabe, mais followers do que seguidores.

Até que a balança se inverteu. Mesmo fenômeno que ocorreu com seu ídolo, Donald Trump.

Por isso, muita atenção com a relação de seguidores e followers dessa gente.

Não só nas fake news que mora o perigo. Mora também nos fake ídolos.