Sim, uma resposta ao quem mandou matar Marielle pode surgir

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Marielle Franco (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

Um dos mais escabrosos e covardes casos de crimes políticos está, finalmente, perto de um desfecho, após arrastados cinco anos de engavetamento forçado em meio a um desgoverno que, claramente, não mostrava qualquer interesse em levar adiante as investigações e que fez de tudo para abafar o assunto. Trocado o comando no Planalto, a orientação virou. De um extremo a outro, transportando para o campo das prioridades essa que é realmente uma mácula desavergonhada, construída por esquemas que envolvem de milicianos a poderosos, no mais típico episódio de interesses contrariados dos pretensos controladores do País. A nova etapa e possível resposta à indagação que tomou conta do Brasil e do mundo – sobre “quem mandou matar Marielle?” – diz muito da premissa de não existirem crimes perfeitos, apenas artimanhas para tentar encobrir aquilo que alguns não desejam expor aos olhos do público. Simpatizantes de milícias (sim, eles existem aos montes) contam com essas forças paralelas, verdadeiros agentes de uma bandidagem institucionalizada, para governar e, claro, faturar muito.

Alguns confraternizam abertamente com tais milicianos, viram amigos, homenageiam seus atos e acreditam tirar proveito da relação delituosa. Decorrente dessa simbiose imoral, que ganhou maior projeção na chamada “Cidade Maravilhosa” do Rio, foi que esses marginais de farda conquistaram territórios inimagináveis na estrutura social brasileira. Repita-se: com o beneplácito, complacência e até compadrio daqueles que, por dever, deveriam combater a expansão dessas quadrilhas. Agora, no caso Marielle, que ainda choca qualquer um minimamente consciente dos Direitos Humanos e que sabe do valor de se coibir exemplarmente os malfeitores, é possível acreditar numa resposta sobre quem mandou matar, sufocando a impunidade latente. Há uma cadeia de inter-relações políticas e de interesses contrariados que marcam esse assassinato brutal. As conclusões e elucidação do nome ou nomes dos responsáveis podem abrandar a má fama que internacionalmente ainda expõe o País no campo dos direitos humanos e que, em muitos sentidos, ainda reforçam a ideia tão ventilada como equivocada de vivermos em uma terra sem lei ou ordem. Decerto, há um longo caminho a percorrer no plano do respeito às diferenças de gênero, cor e raça. Mulheres e negros em geral são, lamentavelmente, tratados por aqui na base de uma desigualdade deplorável. A tal ponto de pseudos agentes do poder e da casta privilegiada da política – tais quais coronéis de currais eleitorais – agirem em bando para aniquilar aqueles que lhe incomodam de uma maneira ou de outra. A mecânica e planejamento do assassinato de Marielle, que levaram ao menos oito meses de estudos nos atos preparatórios, mostram a sofisticação alcançada por esses bandos. Imaginavam não deixar provas ou rastros. Por anos a fio contaram com uma rede de proteção superior. O pacto de silêncio foi finalmente rompido e sem isso, provavelmente, o crime mofaria nos escaninhos de delegados. Há detalhes intrigantes. A arma usada teria sido desviada do Bope, a força-tarefa especial da Polícia Militar. Como e por intermédio de quem uma submetralhadora HK MP5 vai parar nas mãos dessa gente são questões que podem trazer esclarecimentos definitivos para o eterno contrabando de arsenal oficial a bandidos de carteirinha. Repetindo o roteiro de episódios que envolvem gente graúda, a execução de Marielle foi seguida de mortes paralelas de supostos participantes, para silenciar testemunhos. Personagens desconhecidos agora começam a aparecer, como um bombeiro bon-vivant que integrou as mobilizações de campanas, embora estivesse fora do radar dos investigadores. O conjunto de motivações para o delito ainda não foram totalmente desvendadas. Marielle defendia o fim da grilagem nas favelas, uma das fontes ilegais mais lucrativas da milícia. Atrapalhava, portanto, os planos de expansão desses negócios. Ela mexeu com o alto comando da tropa e com nomes poderosos. O ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, morto em 2020 na Bahia, era conhecido como o assassino de aluguel da milícia de Rio das Pedras, que estava ameaçada por Marielle, e tinha vínculos com Fabrício Queiroz e também com a família Bolsonaro.

Há ainda indícios de ligação do executor da deputada, Ronnie Lessa, com o clã do ex-presidente. A filha de Lessa teria namorado o filho de Bolsonaro. Flávio Bolsonaro, por sua vez, empregou a mãe e a esposa do miliciano Adriano da Nóbrega, que também foi condecorado pelo senador com a medalha Tiradentes por serviços prestados. É longa e firme a relação bolsonarista com esses milicianos – alguns tratados pela família como “heróis” – diretamente vinculados ao bárbaro assassinato e talvez esse elo explique os anos de protelação e abafamento do caso.

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três