Comportamento

A inteligência artificial ameaça o mundo

Cerca de 300 milhões de trabalhadores já estão sujeitos a uma substituição imediata por “profissionais virtuais” criados pela nova tecnologia. O Brasil aparece em cenários de alto risco para várias categorias

Crédito: Kevin Winter

Atores e roteiristas unidos em protesto contra IA em Hollywood (Crédito: Kevin Winter)

Por Thales de Menezes

A declaração foi bem dura: “As utilizações militares e não militares da Inteligência Artificial podem trazer consequências graves para a paz e a segurança mundial. O uso malicioso de sistemas de IA para fins terroristas, criminais ou estatais pode causar níveis horríveis de morte e destruição, trauma generalizado e profundos estragos psicológicos em uma escala inimaginável”.

Quem faz o alerta é o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres. Ele se refere ao uso criminoso da tecnologia, mas a ameaça à população mundial se faz também de uma forma lenta e gradual, com a substituição de postos de trabalho por soluções advindas da Inteligência Artificial.

Aquele que foi desde o início da expansão tecnológica o maior temor em relação a esses avanços já pode ser medido em números concretos. Segundo levantamento do braço de pesquisas econômicas da ONU, é possível cravar que cerca de 300 milhões de empregos no mundo poderiam ser trocados hoje por processamentos de IA.

Pesquisa do banco americano Golden Sachs colocou Hong Kong e Estados Unidos como os países que já teriam os maiores contingentes de profissionais sujeitos a uma substituição imediata por artifícios de IA, mas a lista dos dez mais ameaçados pela tecnologia tem muitos latino-americanos, com o Brasil figurando no quinto lugar.

António Guterres, secretário-geral da ONU: “As utilizações militares e não militares da IA podem trazer consequências graves para a paz e a segurança mundial” (Crédito:ED JONES)

A explicação, segundo o levantamento, é que Hong Kong e EUA já teriam passado por etapas anteriores nessa substituição de tarefas humanas por programas de computador, como nos casos de bibliotecários, recepcionistas, agentes de viagem, analistas financeiros e até advogados.

A ascensão da IA está agora apressando esse processo na América Latina. Por outro lado, a Europa ainda se mostra com menos abertura para a troca, o que os pesquisadores atribuem a uma cultura de trabalho mais conservadora e arraigada no continente. Algo que já era esperado se reflete claramente nas pesquisas: o trabalho intelectual sofre muito mais riscos do que os serviços braçais.

O que surpreende é o forte impacto nas atividades de contato direto com clientes, até então realizadas face a face com o público, desde vendas à recepção de visitantes.

“É evidente na geração mais jovem a facilidade de se relacionar com atendentes virtuais, orientações em totens eletrônicos e conversas com máquinas responsivas, até algumas bem complexas que podem fornecer diagnósticos médicos ou orientação jurídica”, explica Harry Clifford, no Research Hub, da ONU. “Profissionais humanos tendem a ser preservados em número reduzido, principalmente para o atendimento a pessoas maduras e idosas, que têm mais dificuldade na interação com perfis de IA.”

A utilização da Inteligência Artificial sem qualquer controle está no centro de um movimento que atrai a atenção mundial. Passados dois meses do início de uma greve dos roteiristas de cinema e TV nos Estados Unidos, os atores também decidiram pela paralisação.

Na pauta de reivindicações das duas categorias estão questões ligadas à remuneração sobre projetos no streaming, que não têm previsão de pagamentos por reprises, como acontece na TV aberta. Mas o que une escritores e atores é o enfrentamento da Inteligência Artificial.

Eles pedem regulamentação. No caso dos roteiristas, pelo uso de IA na elaboração dos textos. Essa prática começou em vídeos curtos, de peças de publicidade, e agora já migra para episódios de séries e até filmes mais longos. Para os atores, falta o controle sobre sua própria imagem.

Eles exigem desde a autorização para que sua imagem não sofra alterações na tela, como em processos de envelhecimento ou rejuvenescimento, até impedir que uma única gravação de sua imagem seja modificada e usada como coadjuvante em trabalhos diferentes, outra prática que se alastra em Hollywood.

O ator recebe por um filme e aparece em vários. As estrelas das telas pegam em cartazes e marcham nas ruas, na primeira reação organizada de uma categoria profissional contra a intromissão da Inteligência Artificial.