Ricardo Cappelli

Entrevista

Ricardo Cappelli, Secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública

“Não tenho dúvidas de que os golpistas buscavam um cadáver”, diz Ricardo Cappelli

Sergio Lima

“Não tenho dúvidas de que os golpistas buscavam um cadáver”, diz Ricardo Cappelli

Victor Fuzeira, Editora Três
Edição 19/05/2023 - nº 2780

Ricardo Cappelli foi o primeiro civil a sentar-se na cadeira de titular do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, ainda que de forma interina, após a saída do general Gonçalves Dias – exonerado dias depois da divulgação das imagens que mostraram sua omissão na ação dos invasores ao Palácio do Planalto em 8 de janeiro.

Na condição de “bombeiro de Lula”, apelido que ganhou por ter conquistado a confiança do presidente ao longo da intervenção federal em Brasília, o secretário-executivo do Ministério da Justiça foi o responsável por iniciar a renovação do órgão, que, agora, ficará sob comando do general Marcos Amaro.

Enquanto interino no GSI, Cappelli intensificou as sindicâncias contra militares suspeitos de conspiração e acelerou a troca de funcionários para expurgar o bolsonarismo da cúpula do órgão. À ISTOÉ, ele defende que o governo tenha na CPMI dos Atos Antidemocráticos um aliado para trazer à tona os “verdadeiros conspiradores” da tentativa de golpe de Estado.

Além disso, não acredita que a oposição seja capaz de inverter a narrativa sobre o que de fato ocorreu no segundo domingo do ano. “Querem transformar vítimas em culpados, mas isso é impossível. Não é possível falsificar a história e subverter os fatos”, enfatiza.

O governo tem algo a temer com a instalação da CPMI que investigará os atos antidemocráticos de 8 de janeiro?
A Terra é redonda e vai continuar sendo redonda. Não adianta você ficar repetindo dezenas de vezes que a Terra é plana, porque ela jamais será plana. A população brasileira viu o que aconteceu e a esmagadora maioria da população condenou o que aconteceu. Tratou-se de um ato covarde, criminoso de pessoas que se recusaram a aceitar o resultado democrático e legítimo das urnas. Querem transformar vítimas em culpados, mas isso é impossível. Não é possível falsificar a história e subverter os fatos.

Qual deve ser o foco investigativo dos parlamentares que irão integrar a comissão?
A CPMI vai apenas confirmar o que todos vimos. Espero que ela nos ajude a chegar aos conspiradores, àqueles que estavam por trás do que aconteceu e que ainda estão calados – uns desapareceram pelo Brasil e outros foram se esconder nos Estados Unidos.

O senhor está preparado para depor na CPMI caso seja convocado?
Faz parte do meu dever prestar contas ao Parlamento e estou à disposição para colaborar. Eu sei o que eu vi e o que eu vivi no dia 8. Sei o que vivi ao longo dos 23 dias de intervenção e o que se tentou construir no Brasil.

Um destes conspiradores mencionados pelo senhor seria o general Augusto Heleno?
É de conhecimento público a postura lamentável dos generais Augusto Heleno e Braga Netto após o resultado das eleições presidenciais. Na ocasião, eles ficaram durante os dois meses que sucederam o resultado das urnas fazendo insinuações, incitando a população, contaminando o ambiente social com indicações golpistas.

Heleno será responsabilizado pelo ocorrido no dia 8 de janeiro?
Não é fácil encontrar materialidade, porque conspiração não passa recibo. Mas eu tenho muita confiança nas investigações conduzidas pela Polícia Federal e tenho certeza que conseguiremos identificar todos os agressores, todos os terroristas e golpistas que estiveram aqui no dia 8 de janeiro. Também iremos conseguir identificar os financiadores e os articuladores, além do núcleo político – aqueles que não estavam na Esplanada, mas que, com certeza, deixaram suas digitais neste crime contra o País.

O senhor promoveu durante o curto período em que assumiu o comando do GSI uma série de mudanças. Como o senhor avalia as dezenas de exonerações promovidas?
É um processo absolutamente natural. Quando você tem trocas de governo, é natural que haja uma troca dos principais quadros e do corpo de servidores. Isso faz parte de um processo de renovação natural a partir do resultado das urnas. Nós aceleramos um pouco nas semanas em que estivemos aqui e fizemos trocas importantes nos principais dirigentes do GSI.

O senhor opinou sobre a escolha do general Marcos Antônio Amaro dos Santos para chefia do órgão?
Não fui consultado pelo presidente sobre o general. Eu vim para cumprir uma missão pontual que o presidente me deu, com o mote de renovar e oxigenar o GSI. Essa missão eu cumpri e aproveitei o fato de estar aqui para fazer um levantamento das atribuições e missões do GSI. É importante que se discuta a natureza da pasta e suas atribuições, como, por exemplo, a questão da segurança do presidente, que está fragmentada. É a primeira vez na história do Brasil que a segurança do presidente e do vice é fragmentada: é feita em camadas, onde a célula com maior proximidade do presidente é de responsabilidade da Polícia Federal, enquanto a segurança do entorno, das viagens, ainda é feita pelo GSI e pelos militares.

Muitos avaliam que o ex-comandante do GSI, o general Gonçalves Dias, foi leniente ou conivente com os invasores. O senhor acredita nesta tese?
Eu discordo disso. O general Gonçalves Dias é um servidor público com décadas de serviços prestados ao País, um general honrado do Exército brasileiro. Se há alguém responsável por estes atos, se há algum general responsável pelo que aconteceu no dia 8 de janeiro, o general Gonçalves Dias certamente não está entre estes responsáveis. O ex-ministro tinha cinco dias úteis quando aconteceram os atos. Então, a estrutura que estava do GSI era a estrutura do governo anterior. Em cinco dias úteis seria impossível você fazer toda a renovação necessária.

Como o senhor avalia o conteúdo das imagens divulgadas?
As imagens demonstram aquilo que o País inteiro já sabe, que o Palácio do Planalto foi vítima de um ataque golpista e terrorista, que atentou não só contra a democracia, mas contra o patrimônio histórico, material e cultural do Brasil. São imagens que indignam quem assiste pelo desprezo pela democracia e pelo patrimônio do País.

Por qual motivo as gravações eram mantidas em sigilo?
Há dois argumentos centrais para não dar publicidade às imagens. O primeiro é que elas constituíam prova do inquérito em curso no STF e, como estava sob sigilo, a compreensão do GSI era de que essas imagens acompanhavam o sigilo do inquérito. A segunda questão alegada é sobre a segurança: na hora que se libera essas imagens de todas as câmeras do Planalto, você está liberando toda planta, arquitetura do Palácio, expondo o local onde trabalham o presidente e seus principais assessores. Trata-se de uma questão de segurança nacional. Mas, quando houve o vazamento de um pedaço das imagens, eu tomei a iniciativa de consultar o ministro Alexandre de Moraes e ele autorizou que a gente liberasse tudo e foi o que fiz.

Ao que se deve a facilidade dos manifestantes para invadir as sedes dos Três Poderes?
Ninguém entra em nenhum Palácio, sede do Poder Executivo, em lugar qualquer do mundo, da forma como entraram aqui. É claro que quando a segurança do Governo do Distrito Federal não funciona, e você tem uma massa terrorista indo em direção aos palácios, se cria uma dificuldade imensa para as forças que resguardam os prédios internamente. A segurança ostensiva é feita primeiro pelo GDF, que não a fez, e os golpistas chegaram nas sedes dos Três Poderes já em situação de descontrole, sem a segurança que deveríamos ter. Mesmo assim, não é aceitável o que aconteceu aqui e há uma sindicância aberta para apurar a atuação destes militares do GSI.

Qual o papel do ex-ministro Anderson Torres nesta trama golpista?
Anderson Torres é peça central de tudo o que aconteceu no dia 8. Ele assume a Secretaria de Segurança Pública do GDF um dia após a posse presidencial e altera o núcleo de direção da pasta, desestabilizando-a e deixando acéfalo o comando ao viajar de férias. O único relatório real consistente de inteligência com número, data, assinado é da subsecretaria de operações da Secretaria de Segurança Pública do GDF e esse relatório que alerta, inclusive, sobre possibilidade de invasão de prédios públicos é entregue no gabinete do senhor Anderson Torres às 17h do dia 6, portanto, dois dias antes do evento – Anderson já estava viajando. Qual a providência tomada sobre esse relatório? Nenhuma. Ele não gera nem sequer um plano operacional ou uma ordem de serviço pela Polícia Militar, criando essa situação de absoluto descontrole que nós vimos.

O atentado de 8 de janeiro começou bem antes, certo?
A responsabilidade dele não é só pelo dia 8 de janeiro. O dia 8 de janeiro começa no dia seguinte ao resultado das eleições, quando, pela primeira vez na história do Brasil, foram permitidos acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército – não era uma simples barraquinha, você tinha cozinha industrial, fileira de banheiros químicos, uma estrutura montada com financiamento e apoio forte logístico. Em Brasília, tudo o que aconteceu em novembro e dezembro passou pelo acampamento golpista: da tentativa de bomba no caminhão-tanque no aeroporto, ao dia da diplomação até chegar naquilo que seria o dia 8 de janeiro. Foi uma escalada.

O governador do DF, Ibaneis Rocha, minimizou a culpa de Torres pelas falhas na segurança e classificou as invasões como “imprevisíveis”. Isso encontra respaldo no que foi investigado pelo senhor?
É importante dizer que a segurança do DF e dos Poderes é feita e regulada constitucionalmente para ser executada pelo GDF, que recebe mais de R$ 20 bilhões por ano para cuidar da segurança do Distrito Federal e dos Poderes constituídos. Se houve responsabilidade pelo que aconteceu, a responsabilidade é centralmente daqueles que conspiraram contra a democracia e, sem dúvida alguma, fruto de uma falha grave do responsável legal, constitucional pela segurança que é o GDF.

Os apoiadores do ex-presidente que protagonizaram os atos terroristas na Esplanada dos Ministérios buscavam algo além do próprio golpe de Estado?
Não tenho dúvidas de que os golpistas buscavam um cadáver. Eles não conseguiram, mas buscavam um cadáver. Tentaram matar a soldada Marcela. Tiveram atitudes de quem buscava um cadáver para criar uma situação mais grave, que, felizmente, não aconteceu. Nós tivemos 44 policiais militares feridos e abri uma comissão para conceder a medalha Cruz de Sangue a todos os feridos. Às vezes esquecemos de falar dos policiais feridos em combate, defendendo a democracia.