Cássio Gabus Mendes: vaudeville à brasileira
Depois de 30 anos longe dos palcos, Cássio Gabus Mendes estreia a comédia Uma Ideia Genial, dirigida por Alexandre Reinecke. O ator, que possui longa trajetória na televisão, foi conquistado pelo estilo inteligente e popular do texto
Por Ludmila Azevedo
Na tevê, Cássio Gabus Mendes apresentou uma galeria de personagens que habitam na memória do público. Com maestria viveu galãs, tipos estranhos e sérios esbanjando versatilidade. Basta lembrar, a partir dos anos 1980, de Franco, o caçula de uma família italiana em São Paulo, em Pão-Pão, Beijo-Beijo, de Ricardo, o seminarista no agreste baiano de Tieta, do romântico Bruno, marceneiro que se encanta ao completar estudos em Brega & Chique. Foram inúmeras novelas com enorme audiência e muitas vezes feitas em sequência, além de minisséries como Anos Rebeldes, ambientada nos anos da ditadura militar, na qual interpretou o idealista João Alfredo. No cinema, os papeis de Gabus Mendes não se distanciam nenhum pouco de sua persona múltipla. Ele esteve em longas-metragens mais políticos, como Batismo de Sangue e em produções para se divertir com um balde de pipoca nas mãos, como a adaptação da peça Trair e Coçar é Só Começar. Agora, com frio na barriga, ele retorna ao teatro depois de um longo intervalo. Ao lado de Ary França, Suzy Rêgo e Zezeh Barbosa protagoniza Uma Ideia Genial, dirigida por Alexandre Reinecke, que estreia nesta sexta-feira, 24, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo.
Vencedora de dois prêmios Molière e sucesso de público, a trama tem Arnaud (Cássio Gabus Mendes) e Marion (Suzy Rêgo) que estão prestes a dar um grande passo em seu relacionamento: visitar um apartamento onde irão morar. Mas ele começa a suspeitar do interesse dela pelo pelo corretor imobiliário (Ary França). Determinado a testar sua teoria, Arnaud encontra um sósia do agente, que é um ator amador, e o convence a se passar por ele. Sua ideia, no entanto, gera uma grande confusão. Para piorar, surgem um irmão gêmeo inesperado e uma vizinha (Zezeh Barbosa) que se interessa pelo corretor. Cássio Gabus Mendes buscava novos projetos e se encantou com a comédia vaudeville, que ganhou sotaque brasileiro sem perder a essência, como ele contou em entrevista exclusiva para Istoé.
Que motivos fizeram com que você se afastasse por tanto tempo dos palcos?
Foram anos de televisão. Moro em São Paulo, a minha casa, a minha base é São Paulo, e trabalhei muito no Rio de Janeiro, na TV Globo. Foi um compromisso de muitos anos, de exclusividade e eu tinha que cumprir isso. Mas nunca pensei em abrir mão da minha vida pessoal, da minha família. Emendei muita coisa, como novelas e séries, porque tenho uma carreira enorme na televisão. Em função disso, os trabalhos que apareciam no teatro coincidiam quando eu já estava programado para fazer uma novela, um outro trabalho no Rio ou viajando. Então, isso já mexia na minha estrutura que eu nunca quis abrir mão, que é meu tempo com, seja ele qual for, na minha casa, com a minha família. Nos anos 1980 eu fiz novela e teatro com o Luís Gustavo e o Juca de Oliveira. Nós viajávamos com o espetáculo do Juca, e, ao mesmo tempo, fazíamos uma novela que foi grande sucesso — Tititi. No final de semana viajávamos e voltávamos no domingo à noite, seja de onde fosse. Na segunda-feira pela manhã a gente já estava dentro do estúdio, logo cedinho ficava até a noite. Enfim, era bem complicado, mas era uma outra época, era um outro momento, que foi muito legal, muito bacana. Mas de alguma forma, isso me tirava daquela estrutura da família. Era um fim de semana interrompido e uma semana inteira trabalhando. Isso foi umas das coisas que sempre pesou, porque eu pensei: não vou abrir mão mais de poder voltar para minha casa. Claro que a vida da gente é assim, graças a Deus, com grandes oportunidades. Tive e tenho a chance de fazer trabalhos muito legais. Agora, o fato é que eu sempre preservei esse convívio com a minha família e por isso demorei a voltar aos palcos.
O que num primeiro momento te conquistou em Uma Ideia Genial?
Eu já vinha procurando alguns textos, fiz algumas leituras, poucas. Mas estava procurando alguma coisa até para o segundo semestre deste ano desde do ano passado. Em um determinado momento recebi uns dois convites, estava lendo algumas outras peças. No fim de 2024, encontrei meu amigo Alexandre Reinecke (diretor). Fazia tempo que não nos víamos e ele falou: ‘olha, o Sandro Chaim (produtor) comprou uma peça que eu vou dirigir. É uma comédia francesa, um estilo em que são muito especialistas, que é o vaudeville. A gente vai começar a fazer a leitura em dezembro, a ensaiar, etc’. Isso foi em novembro mais ou menos. Então, ele reforçou: ‘antes de qualquer coisa que você escolha, leia essa peça, só isso, leia primeiro’. Eu li e achei muito legal. Gostei muito dos personagens, da estrutura do texto e tinha uma tradução bem resolvida. A gente sabe como funciona o vaudeville. É aquela correria, aquelas personagens das farsas, né? Mas a carpintaria é sempre muito boa. Então eu li, gostei muito. Aí conversamos e acertei com o Sandro, vi o esquema todo de produção que existia por trás e chegamos a um acordo. Fiquei muito feliz, entusiasmado com o espetáculo, com o personagem que estava direcionado pra mim. Foi uma coisa que veio de repente, que eu estava procurando, mas não tinha encontrado ainda. Às vezes esses acasos acontecem. Eu me encantei pelo texto e aconteceu.
A peça é premiada e reconhecida. Qual o desafio de dar singularidade à interpretação deste texto para o público brasileiro?
É evidente que a gente tem que adaptar, principalmente o texto, as intenções, tem que trazer pra gente, pra nossa cultura. A tradução estava muito bem colocada. Mas, mesmo assim, tinha umas coisas que são muito dos franceses, umas repetições e a gente foi adaptando alguns pontos do texto traduzido, trazendo pra nós nas leituras. A peça se passa na França e ela continua se passando lá, mas é uma farsa. Então, a preocupação sempre foi você trazer determinados momentos, de intenções, de textos, de trocadilhos e piada. Tentando ser absolutamente fiel à estrutura original. A gente trabalhou junto, lendo, ouvindo, conversando com a direção, os atores opinando. Nós nos aproximamos de tudo que foi possível, sem mexer na estrutura e na carpintaria do processo do vaudeville, que é muito claro, gostoso e bem colocado, trazendo para o nosso entendimento e do público, a farsa nossa. Isso você vai pegando, mexendo no que é possível e tendo um cuidado enorme para qualquer mudança não atingir a estrutura de carpintaria que eles têm como excelência. Acho que conseguimos chegar num ponto muito interessante e estamos felizes com o resultado.
“O fato é que eu sempre preservei esse convívio com a minha família e por isso demorei a voltar aos palcos.”
Cássio Gabus Mendes, ator
Você é um ator que tem fluidez na comédia e no drama. Por que escolheu a comédia nesta volta aos palcos?
Acho que é um momento muito bom para isso. Ao mesmo tempo, me caiu no colo uma comédia nova, que, apesar de o estilo ser conhecido, foi num momento muito interessante. Não existe um momento para fazer drama ou comédia, principalmente no teatro, onde você tem público para tudo. Você tem momentos para fazer e deve fazer teatro. Eu me encantei também com o personagem. Eu achei muito gostoso, muito bom, apesar de um trabalho muito pesado que a gente tem. Só quem faz sabe, quando você pega um vaudeville desse, uma comédia dessa. Mas eu me encantei e foi simples assim.
Como se deu o entrosamento com diretor e elenco?
Eu me considero uma pessoa de muita sorte. Reencontrei o Reinecke uns meses atrás, que tinha trabalhado com o meu irmão (Tato Gabus) muitas vezes no teatro. Além do entrosamento, gosto muito dele, é um parceiro muito legal e por quem tenho um carinho muito grande. Independentemente disso, obviamente, é uma pessoa inteligente, de grande talento. As coisas foram acontecendo. A partir daí, o elenco, poxa, é primoroso. Eu tinha trabalhado com o Ary França, que é um dos grandes atores que nós temos, principalmente no teatro. Suzy Rego é uma atriz dedicada, competente, talentosa, que cabe perfeitamente na personagem que ela está fazendo de uma forma brilhante e a Zezeh Barbosa fazendo a personagem no estilo dela. É uma grande atriz, que tem capacidade para fazer o que quiser. Então, não podia ter melhor. Nós nos damos muito bem. Todos nós, né? A direção, assistente de direção. É uma equipe mais ou menos pequena, e de produção, de contrarregras, que participa do espetáculo ativamente. Então, não poderia ter sido melhor ter esse reencontro com alguns profissionais que eu já tinha trabalhado, outros que eu não tinha trabalhado. Está sendo um privilégio trabalhar com todos eles.
“Eu tenho convites, mas o meu foco é total agora no espetáculo”
Cássio Gabus Mendes, ator
Recentemente, sua contratante, a TV Globo, reestruturou contratos e dispensou atores e atrizes. Muitos enxergam essa mudança como possibilidade de abraçar projetos mais variados. É o seu caso?
Nós sabíamos, não sei se todos, mas quem estava com os compromissos de prestação de serviço na TV Globo, que iria acabar aquela forma de contrato. Então, os contratos não foram renovados. Mas isso estava colocado já há um tempo. Eu pelo menos sabia, alguns colegas de que eu sou mais próximo também. Não foi um problema, as portas ficaram abertas e amanhã a gente está lá fazendo um trabalho, outro. Mas a verdade é que tem também uma abertura muito grande neste momento no audiovisual, um investimento que está acontecendo, pelo menos até agora, e coisas que estão para acontecer, coisas que estão acontecendo com uma qualidade muito boa e poderosa. Isso é muito bom pra todos, o mercado de trabalho se abrindo e você fica mais solto, tem mais possibilidades. Eu estou agora em Uma Ideia Genial, estou mergulhado nesse processo. Nesse momento, se viesse alguma coisa para mim, a peça seria minha prioridade. Dando pra conciliar uma coisa ou outra em São Paulo, depende, mas a minha prioridade, sem dúvida nenhuma, é ficar à disposição e focado no teatro. E tem um lado muito bom com relação a essas mudanças todas, que você pode se entregar, se focar num outro trabalho, que não seja na televisão ou no cinema. Você tem a possibilidade de se entregar a isso plenamente sem ter que dividir. Mas isso é tudo muito dinâmico, não é? Vamos ver o que acontece, mas o meu foco total é agora no teatro, na nossa peça e tenho certeza que o resultado vai ser muito bacana.
E que outros projetos você tem para sua carreira?
Eu tenho convites que já aconteceram há alguns meses atrás, consultas de cinema. Mas o meu foco é total no espetáculo. Eu tenho certeza de que teremos uma vida longa aí com . isso sendo muito prazeroso e também dá muita ansiedade depois de tantos anos.