Menopausa: maturidade feminina ganha visibilidade e vira estilo de vida
Ajustes comportamentais, incluindo alimentação saudável e exercícios, mudança na rotina de exames, cuidados com mais especialistas e diálogo. Esses são alguns pilares para que o climatério seja uma transição mais tranquila para as mulheres
Por Ludmila Azevedo
Na década de 1990, Rita Lee, a visionária rainha do rock brasileiro, cantava “chega de derramamento de sangue. Cinquentona adolescente. Quem disse que útero é mangue. Progesterona urgente. Menopower pra quem foge às regras”. Corta para os tempos atuais em que sua expressão menopower estampa não apenas camisetas vendidas por uma marca descolada como um novo estilo de vida para as mulheres de mais de 45 anos.
● Livro-sensação de 2024, De Quatro, da cineasta e performer norte-americana Miranda July (Eu, Você e Todos Nós) aborda o tema com muita sagacidade e de forma surpreendente.
● Outro nome conhecido do audiovisual, que colocou os pés na literatura, é a atriz Gillian Anderson (Arquivo-X e Sex Education). Em Desejo: Mulheres do mundo todo revelam suas fantasias de amor e sexo, ela apresenta 1.800 cartas anônimas que recebeu, entre as quais constam confissões de mulheres maduras.
● Julia Louis-Dreyfus foi única mulher do núcleo cômico de Seinfeld e, além dos papéis no cinema e na televisão, comanda o podcast Wiser Than Me (em português, Mais Sábia que Eu) onde conversa artistas veteranas que, entre os temas, citam a menopausa.
“A gente precisa pensar numa alimentação mais equilibrada e baixa em carboi-drato”
Heloisa Camarinha, nutricionista
Entre a ficção e a realidade, a perimenopausa e a menopausa vêm despertando debates em comunidades cada vez mais engajadas.
A jornalista e empresária Silvia Ruiz possui mais de 172 mil seguidores em sua página no Instagram e, em 2018, começou a compartilhar conteúdos que combinavam o tom de conversa entre amigas com muita pesquisa. Pouco se debatia, por exemplo, o etarismo quando ela lia em inglês publicações da escritora Ashton Applewhite.
Com o climatério não foi diferente. Ao sentir os primeiros sintomas, como o chamado “brain fog” (névoa mental), ao mesmo tempo em que redobrou o cuidado com a saúde fez circular informações de qualidade sobre o tema em sua página. “Eu não tinha a intenção de virar uma influenciadora, mas falar sobre as questões que atravessam a vida e a saúde das mulheres e receber o retorno positivo abriram uma espécie de portal para mim”, explica.
“No climatério, algumas mulheres serão assintomáticas, mas as que têm sintomas podem sofrer. Às vezes por falta de orientação e muitos tabus impostos pela sociedade.”
Barbara Murayama, ginecologista
Alimentação saudável, exercícios, cuidados médicos e até aliados como a meditação estão entre os conteúdos divulgados por Silvia. “Sei da responsabilidade de falar sobre os temas. Tomo o cuidado de não citar medicamentos, especialmente, porque todas as mulheres precisam fazer exames e se consultar com médicos de confiança”, ressalta.
Com o mesmo rigor, ela mergulhou numa experiência que mostra que há muita vida para ser vivida na maturidade. “De tanto estudar e a partir de conversas com minha ginecologista, conheci a Cristina Bittencourt e decidimos investir”, diz. Nascia no segundo semestre de 2024 a Re-Age, uma agetech voltada para mulheres 45+. “Eu não me imaginava empreendendo aos 54 anos de idade, mas estou bastante otimista com os nossos produtos”, comemora. Os suplementos da marca foram desenvolvidos por médicos, após dois anos de pesquisas.
Uma das queixas comuns das mulheres nesta fase é a sensação de que o peso aumentou e, independentemente da balança, a alimentação é um ajuste que fará toda a diferença, inclusive para melhorar a qualidade do sono. “Na menopausa, a gente tem uma queda hormonal brusca e isso vai fazer com que a nossa composição corporal se altere. Ao invés de a mulher acumular gordura nas coxas, no quadril, passa a acumular gordura na região abdominal, alterando nosso metabolismo, principalmente da glicose. Então, a gente precisa pensar numa alimentação mais equilibrada, mais baixa em carboidrato, que não tenha nenhum tipo de alimentos industrializados, de pacotinho, tem que ser baseada em gorduras boas, proteínas magras, ser rica em vegetais, frutas e grãos integrais”, diz a nutricionista Heloisa Camarinha.
Já que o nome sugere pausa, é hora de parar e olhar para si mesma com mais cuidado. Atenção para saúde óssea e cardiovascular. Esse é o papel da suplementação “anti-inflamatória e antioxidante para que a gente não aumente a probabilidade de eventos cardiovasculares”, conta Neste pacote entram vitamina D, vitamina K2, MK7, magnésio, ômega 3 e os antioxidantes como resveratrol, como licopeno “para que se melhore um pouco a saúde antioxidante da mulher”. Heloisa endossa que todos os sintomas precisam de cuidados individualizados.
Visibilidade
Um ponto-chave é que o assunto menopausa nunca foi amplamente debatido pela sociedade como deveria. Isso faz com que a maioria das pacientes tome um susto no consultório, como aponta a ginecologista Barbara Murayama. “Os sintomas em si atrapalham demais a vida das mulheres. Claro que tem uma porcentagem de mulheres que vai passar por essa fase que a gente chama de climatério, que é todo esse período ali que começa em torno dos 40 anos e pode se estender até uns 60 anos, e a menopausa em si é a data da última menstruação. A gente popularmente acaba chamando tudo isso meio que de menopausa, mas só pra gente colocar os termos técnicos adequados. No climatério, algumas mulheres serão assintomáticas, mas as que são sintomáticas podem sofrer. Às vezes por falta de orientação e muitos tabus impostos pela sociedade, não fazem ideia de onde está vindo aquilo — alterações de sono, insônia no meio da madrugada, os calores (fogachos), queda de libido, ganho de peso, alterações da saúde mental, irritabilidade, ansiedade, depressão, tudo isso pode ser sinal de menopausa, sinal do climatério dessa fase de transição”, explica.
Esse turbilhão, de acordo com a ginecologista, poderia ser minimizado com diálogo. “Muitas não têm diálogo aberto dentro de casa, com parceiros e parceiras, não recebem informação da família, têm vergonha de conversar. Está melhorando mas ainda é um caminho que a gente precisa percorrer. A nossa sociedade precisa valorizar o envelhecimento, a maturidade, a sabedoria que vem com tudo isso”, frisa.
Terapia hormonal, um dos tópicos que mais suscitam dúvidas merecem cuidado especial. “Algumas mulheres vão conseguir passar por essa fase sem precisar de terapia hormonal, que é a principal estratégia medicamentosa para tratar os sintomas. Ela deve ser indicada para mulheres sintomáticas que desejem realizá-la e que não tenham contraindicações absolutas para isso. São elas: pacientes que têm ou tiveram câncer de mama, por exemplo. Existem fatores de risco e a gente tem que avaliar caso a caso”, resume.
Bárbara Murayama considera essencial abordar as pacientes na faixa dos 40 anos sobre climatério. Aliado ao cuidado da ginecologia, recomenda estratégias de autocuidado, alimentação adequada, exercícios físicos. “Um trabalho multiprofissional nessa fase ajuda muito. A gente precisa ter um olhar de 360 graus para cuidar da paciente. Não precisa ser um processo de transição solitário. Quanto mais sororidade a gente tiver, menos difícil será”, conclui.
Um novo estilo de vida
• Mantenha-se ativa
A atividade física melhora o fluxo sanguíneo para o cérebro e apoia a função cognitiva.
• Adote uma dieta saudável para o cérebro
Concentre-se em alimentos ricos em antioxidantes, gorduras saudáveis, proteínas magras e fibras. Fique longe de alimentos “brancos”: açúcar refinado, carboidratos refinados e alimentos processados.
• Tenha um sono de qualidade
O sono é o momento em que o cérebro se repara, portanto, priorize o descanso e resolva quaisquer problemas de sono.
• Gerencie o estresse
O estresse crônico pode prejudicar o cérebro, portanto, práticas como mindfulness, yoga ou meditação podem ser incrivelmente úteis.
• Mantenha-se mentalmente engajada
Desafie seu cérebro com novas habilidades, hobbies ou quebra-cabeças para mantê-lo afiado.
• Crie conexões sociais
Um forte sistema de apoio beneficia a saúde mental e cerebral.
• Check-ups regulares
Mantenha-se em dia com as consultas médicas para monitorar sua saúde geral e tratar quaisquer preocupações com antecedência.
Entrevista
Lisa Mosconi, neurocientista e autora do livro O Cérebro e a Menopausa
“A menopausa é apenas mais um capítulo no livro da vida”
Lisa Mosconi, neurocientista
Você é uma cientista pioneira na demonstração do impacto que a menopausa causa no cérebro das mulheres. O que o motivou a pesquisar sobre esse tema?
Tenho uma conexão pessoal com esse tema: a doença de Alzheimer está presente na minha família e afeta desproporcionalmente as mulheres. Atualmente, quase dois terços de todos os casos de Alzheimer ocorrem em mulheres na pós-menopausa. Durante décadas, esses dados foram descartados, atribuindo-os ao fato de as mulheres viverem mais do que os. Mas minha pesquisa inicial, juntamente com a de outros, ajudou a demonstrar que o Alzheimer não é uma doença da velhice, mas uma doença da meia-idade, com mudanças biológicas que preparam o terreno para o surgimento dos sintomas muito mais tarde. Essa constatação levou a uma mudança fundamental nas perguntas que estávamos fazendo: ‘Se a doença de Alzheimer começa na meia-idade, o que acontece justamente com as mulheres que poderia explicar o maior risco?’ Essa pergunta nos levou à menopausa, uma transição exclusivamente feminina que afeta profundamente o cérebro. A partir daí, nossa pesquisa destacou a menopausa como uma janela crítica para a saúde neurológica e um possível fator de risco para a doença de Alzheimer e outras condições neurológicas.
Quais são as alterações neurológicas mais significativas que afetam as mulheres durante a perimenopausa e a menopausa?
Os sintomas reveladores dessa transição hormonal são ondas de calor e suores noturnos. Além disso, as mulheres podem apresentar ansiedade, sintomas depressivos, distúrbios do sono, névoa cerebral, esquecimento, dificuldade de concentração e baixa libido. Todos esses são sintomas neurológicos que se originam das formas como a menopausa pode alterar o cérebro. Embora essas alterações sejam geralmente temporárias, elas destacam a estreita ligação entre o cérebro e os hormônios. Compreender essa conexão é o primeiro passo para apoiar as mulheres durante essa transição.
Aqui no Brasil o tema menopausa é pouco debatido. Precisamos “beber na fonte da juventude eterna”. E o fim da vida reprodutiva para muitas parece ser um problema sem solução. Como podemos reverter isso?
Adoro a expressão “beber na fonte da juventude eterna”. Ela capta muito bem a pressão cultural sobre as mulheres para resistir e evitar o envelhecimento a todo custo. Mas o envelhecimento não é um fracasso, é um privilégio. A menopausa é frequentemente mal compreendida e temida porque é vista como o “fim” de algo, em vez de um novo começo. Na verdade, a menopausa é apenas mais um capítulo no livro da vida. Com as informações e o apoio certos, pode ser um momento de fortalecimento e vitalidade.
Se homens vivenciassem a menopausa, a ciência por trás dela seria mais aprofundada?
Honestamente, sim. Historicamente, grande parte da pesquisa médica se concentra nos homens, muitas vezes negligenciando as experiências das mulheres. Se os homens vivenciassem a menopausa é provável que a pesquisa fosse priorizada mais cedo e a narrativa da sociedade seria diferente.
Que descobertas positivas você compartilha com as mulheres em seu livro?
Uma das descobertas encorajadoras é que o cérebro é altamente resiliente. Embora a menopausa traga mudanças, também cria oportunidades de adaptação e crescimento. Por exemplo, descobrimos que o cérebro pode se reorganizar para funcionar de forma eficaz mesmo com níveis mais baixos de estrogênio. Esse processo pode levar a falhas, mas também é importante ressaltar que há uma variação. Algumas mulheres não apresentam nenhum sintoma cerebral, muitas apresentam pelo menos um e outras vários. No entanto, as mulheres são incrivelmente adaptáveis, e seus cérebros refletem essa força. Outra mensagem positiva é que o atendimento médico adequado e as mudanças no estilo de vida — como exercícios regulares, dieta balanceada, bom sono e controle do estresse — têm impacto poderoso na saúde do cérebro e facilitam a transição da menopausa. São ferramentas ao alcance de todas as mulheres e oferecem esperança de manter a vitalidade cognitiva até o fim da vida.