A banda (muito) podre da PM
Por Antonio Carlos Prado
Alguém no governo de São Paulo e em alguns outros estados – vá se descobrir quem – devem se orgulhar de um fato que faz o Brasil ser criticado em praticamente todos os países nos quais são respeitados os mais elementares princípios dos direitos humanos. Assim não fosse, e a escalada de mortes promovidas por alguns policiais militares (há de se separar a banda podre, o joio do trigo na corporação) teria sido há muito tempo interrompida. Ocorre, no entanto, justamente o contrário – desarrazoadamente ela só aumenta: mortes causadas por policiais militares de São Paulo tiveram alta de 65% no ano que acaba de se encerrar. Vamos aos números do Ministério Público, ao qual pertence o competente e essencial Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp). Segundo esse órgão, setecentas e sessenta pessoas foram mortas pela PM de São Paulo em 2024. Esse número equivale a 65% a mais se cotejado com 2023, quando se registraram quatrocentos e sessenta e seis casos. Segundo o Gaesp, as mortes causadas por policiais civis diminuíram 25 %. Voltando-se à PM, dentre a totalidade de ocorrências, seiscentas e quarenta se deram com policiais militares em serviço. É importante observar que 2024 é o segundo ano com a fúnebre curva ascendente — ela já subira em 2023, quando equiparada a 2022. Correram o mundo, recentemente, alguns episódios que apequenam a Nação: PMs agrediram uma senhora no rosto; e um PM, com a impassibilidade de quem descarta uma ponta de cigarro, arremessou um homem de uma ponte para um córrego. Câmaras de segurança também capturaram o momento em que um homem foi baleado pelas costas por um policial que não estava em serviço. Qual o crime dessa vítima? Ela furtara um pacote de sabão (há a chamada “gente do bem” que furta muito mais). Voltemos ao início desse editorial: esses fatos, para ocorrerem, é porque satisfazem pessoas de diversos governos. Quais serão? Há outro episódio de extrema gravidade engolfando a Polícia Militar. Vinícius Lopes Gritzbach, que se apresentava como empresário, foi preso porque era um dos principais integrantes do crime organizado, a lavar dinheiro do PCC. Gritzbach assinou acordo de delação. Em novembro do ano passado, ele foi assassinado no terminal de desembarque do Aeroporto Internacional de Guarulhos. É claro que, de imediato, pensou-se que os autores dos disparos fatais eram membros do PCC, já que ele concordara com a delação e estava fornecendo nomes de pessoas da organização à polícia e ao Ministério Público. Investigação da Polícia Civil trouxe a surpresa: Gritzbach foi morto por PMs que não desejam o rompimento de laços com a organização criminosa. O PCC está no interior da PM paulista? Dúvida zero. Essa promiscuidade entre alguns policiais e o PCC desintegra a autoridade do governador Tarcísio de Freitas. É claro que ele não tem ligação com esses fatos, nem direta nem indiretamente, e muito menos aquiesce com o crime organizado e milícias. Mas precisa, urgentemente, tomar providências, pois a presença de organização criminosa no meio policial já começa a ser concebida como algo que conta com o seu descaso. O descontrole com que policiais militares têm agido nas ruas e nas estradas faz, de todos nós, potenciais vítimas. É um clima de terror, típico de governos e autoridades que rasgaram o capítulo quinto da Constituição do País, que a todos garante os direitos fundamentais – dentre tal constelação, brilha o direito maior, que é o direito à vida. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, agiu certo, por meio de decreto, proibindo PM de sacar arma de fogo diante de infrator desarmado. Alguns governadores, por força do hábito de se acharem intocáveis, protestaram sob alegação de que a segurança pública é assunto deles, e não de âmbito federal. Republicanamente, têm razão. Pois então trabalhem, expurguem com coragem a banda podre dos quartéis e bloqueiem a insidiosa entrada de marginais fardados na corporação.