Como uma banca de rua virou fenômeno da cultura independente
Por Ludmila Azevedo
Faz tempo que as bancas de jornais e revistas não são as mesmas. Algumas, inclusive, parecem ter deixado de lado o principal ao vender exclusivamente guloseimas, bandeiras de times de futebol e bebidas. Mas os ciclos sempre trazem de volta, mesmo que de outra maneira, experiências sensoriais por trás de lugares. Foi observando a placa de “vende-se” de banca no bairro onde moram, na zona oeste de São Paulo, que João Varella e Cecília Arbolave decidiram criar em 2014 a Banca Tatuí.
Uma aura nostálgica tomou conta da mente de Varella. “Eu cresci numa cidade chamada Guaíba, no Rio Grande do Sul, que é uma típica cidade sem muitas opções culturais. O que tinha e tem até hoje é uma biblioteca municipal, muito boa, e na frente dela uma banca de revista, a banca de revista de Guaíba. Naquela época era o que hoje seria a internet, meu portal para o planeta, a minha conexão com o que acontecia no mundo. Era ali que eu comprava revistas de música, quadrinhos, revistas sobre cinema e ciências”.
“Fortalecer essa cultura de arte gráfica independente nessa marca de dez anos nos deixa muito felizes.”
João Varella, um dos criadores da Banca Tatuí
Evidentemente, tanto ele quanto Cecília estavam especialmente conectados com o desejo de criar um espaço que valorizasse a leitura de um jeito singular. Assim, eles decidiram que seria um espaço nobre para a produção independente.
“A Banca Tatuí surgiu para representar os independentes. Logo no primeiro ano da banca, a gente recebeu cartões de visita de marcas e empresas que fazem muita gente hesitar. Talvez até pelo meu histórico no jornalismo, não me impressiono mais com isso porque a gente sempre teve muita clareza no nosso foco, porque existia e existe um circuito muito forte de editoras, que funcionam como coletivos, editoras de uma pessoa só, artistas isolados, ateliês, muitos publicadores que ficam transitando por feiras literárias”, diz.
A banca vende títulos da editora de João e Cecília, a Lote 42, criada em 2012 e com um catálogo que transita por vários gêneros, como ficção, não-ficção, quadrinhos e poesia. Atualmente, a Banca Tatuí trabalha com 203 editoras independentes que têm com características marcantes tiragens pequenas, esgotamento rápido e um fluxo muito dinâmico.
”A banca é uma feira de publicações permanente, para atender aquele desejo, que é comum, prosaico, de ‘hoje é sexta-feira, três da tarde, e eu queria dar de presente um cartaz para um amigo meu, uma gravura, um zine, um livro diferente do usual’. Ele sabe que não vai encontrar nas livrarias tradicionais. Prestar esse serviço e fortalecer essa cultura de arte gráfica independente nessa marca de dez anos nos deixa muito felizes”, conta Varella.
É interessante notar que mesmo nos momentos mais sombrios que tangenciaram a trajetória da iniciativa, como a pandemia da Covid-19, e ainda numa época de ausência total de compromisso do governo com a cultura, a Banca Tatuí conseguiu se manter firme.
“Foi um momento difícil porque ficamos temporariamente sem aquela cultura do livro presencial, dos eventos e das feiras. Todos eles são parte importante dessa cultura porque envolvem o momento da troca, do aperto de mão. O livro perdeu, momentaneamente, esse ambiente de troca da cultura entre os leitores e autores, entre os professores, entre todos os elos dessa cadeia. A gente freou completamente as publicações da Lote 42, a banca ficou fechada, a banca foi furtada, arrombada. Foi um momento em que a gente olhou para o abismo, sabe? Mas conseguimos. Vencemos porque todos os postos de trabalho foram mantidos, enquanto a gente estava ali, na luta, inventando o que fazer e tudo mais”, lembra.
São as incontáveis atividades fora da banca e, cada vez mais, convites para eventos literários que renovam o fôlego e garantem longevidade do projeto. João Varella não é o tipo que enxerga o copo meio vazio quando perguntado sobre o fato de sermos poucos leitores no Brasil. Ele cita a pesquisa Hábitos Culturais, realizada no segundo semestre de 2024 pelo Observatório Fundação Itaú e Datafolha, que mostra o aumento da leitura dos livros impressos. Não estão entre os cinco primeiros, mas no que depender das ações de editores que pensam como João e Cecília, não custa sonhar.