RS: depois do dilúvio, a gastronomia
Por Ana Mosquera, de Canela e Porto Alegre (RS)
RESUMO
● Ao respeitar tradições como a do churrasco, com toques de novidade e sofisticação, restaurantes executam uma culinária gaúcha contemporânea
● Com o fogo no centro dos preparos, pratos com carnes e vegetais ganham versões atualizadas
● Até drinques adquirem DNA local
Há uma nova cena culinária no Rio Grande do Sul. O tutano que acompanha o pot pie (torta) de costelão é chamado de “foie gras dos Pampas”, pela textura tão amanteigada quanto a iguaria francesa. A sobremesa que lembra um petit gâteau é recheada com doce de bergamota, nome local para a mexerica ou tangerina. Drinques autorais levam o típico chimarrão, porém na forma de espuma. “É uma gastronomia gaúcha contemporânea”, afirma Pedro César Bergamaschi, sócio e diretor de produto do Grupo Mandabrasa, em cujos restaurantes tais preparações podem ser encontradas: “Unimos a relação ancestral de uma comida feita no fogo a um olhar aberto para o mundo, que é natural da nossa geração”.
Assim como no churrasco comum ao estado, os menus dos estabelecimentos focam na brasa — para preparar carnes ou até vegetais, como o alface de uma salada ou a moranga de um purê: “O assado é sagrado para os gaúchos, é motivo de encontro, de união. Ele acontece em dia de futebol, casamento, aniversário e também em casa, todo domingo”.
Pupilo da chef Carla Pernambuco, foi dela que Bergamaschi recebeu consultoria para montar os cardápios das unidades do 20Barra9, em Porto Alegre, e do 1835 Carne e Brasa, em Canela — os nomes se referem ao início da Revolução Farroupilha, 20 de setembro de 1835.
Natural da capital sul-rio-grandense, a chef do restaurante paulistano Carlota uniu as referências colhidas desde a infância às adquiridas pelo mundo, dando o “toque pop e cosmopolita ao churrasco gaúcho original”, em suas palavras. “De volta à terra natal, a cena é outra, e é essa memória afetiva acesa que me leva a fazer parte de projetos no estado e a resgatar sabores, imagens, vivências”, diz a chef.
Junto às carnes assadas na parrilla, a escolha pelos ingredientes regionais contribui para a valorização histórica do território. O aligot (purê francês de batata e queijo) é de aipim, a bergamota toma o lugar de outros cítricos em sobremesas e coquetéis e o próprio sal ganha sua versão com erva mate.
“O uso de produtos locais promove a sustentabilidade, valoriza a cultura regional, incentiva a economia e nos torna únicos e verdadeiros”, diz Bergamaschi.
A qualidade, a origem e a rastreabilidade dos alimentos e bebidas são essenciais:
● a carne é proveniente de lote especial do Frigorífico Silva, do Bioma Pampa,
● há embutidos artesanais do Zacaria (em funcionamento desde 1971, em Gramado),
● além de queijos, vinhos e espumantes regionais — com direito a rótulos exclusivos para as casas.
Localizado em Canela, a cerca de 130 quilômetros de Porto Alegre, o 1835 Carne e Brasa é o restaurante do grupo que fica dentro do Kempinski Laje de Pedra. Construído em 1970 – com projeto inicial de Oscar Niemeyer – e fechado em 2020, o hotel será reaberto em 2026 pelo grupo suíço-alemão de mesmo nome.
Em sua primeira fase, lá se reuniram grandes nomes do cinema, da política, com a assinatura do tratado do Mercosul, e da música, tendo sido palco da composição de “Anos Dourados”, de Tom Jobim e Chico Buarque. “O Kempinski Laje de Pedra vai redefinir a hotelaria de luxo no Rio Grande do Sul”, aponta Rodrigo Carvalho, sócio e diretor de Novos Negócios e Hospitalidade do Mandabrasa.
A intenção de reunir pessoas e colecionar momentos permanece. “Em um mundo cada vez mais digital, nosso propósito é ser uma roda de fogo do mundo contemporâneo”, diz Bergamaschi. O novo empreendimento do grupo é o De Rua, na capital do estado, que mescla novidades, como os sanduíches no bao (pão da culinária asiática), ao tradicional hambúrguer, que marca o início dessa história.