Comportamento

Conheça a onda dos condomínios de luxo para idosos

Crédito: Marco Ankosqui

Stilene, com a filha Edmea: vida feliz num residencial em São Paulo (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Maria Ligia Pagenotto

Alguns anos depois de ficar viúva, e com dificuldade de locomoção por conta de uma artrose, Stilene Chemmes Ganem, então com 84 anos, disse à filha Edmea que gostaria de morar em um residencial. Até então, Stilene, hoje com 93 anos, morava sozinha. “Eu não queria dar trabalho a ninguém, mas sabia que precisava de apoio”. Edmea deu início à busca por um local que pudesse acomodar a mãe, independente, lúcida e com muita vontade de viver. “Me frustrei várias vezes nessa procura, pois me recusava a levar minha mãe para uma casa de repouso ou asilo”. As chamadas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) no Brasil ainda têm, em sua maioria, a configuração de um espaço que oferece pouca estrutura e quartos compartilhados com várias pessoas, com graus de dependência variados.

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“O segmento de moradia para idosos ainda sofre com estigmas, mas há um campo muito promissor no Brasil para esse tipo de negócio.”
Felipe Vecchi, diretor clínico do Cora

Esses locais, com frequência, também oferecem pouca ou nenhuma atividade para os idosos “Minha mãe adoeceria num local assim”, diz Edmea, que encontrou finalmente o lugar que considera o mais apropriado para o perfil de Stilene. “Aqui ela tem privacidade e muito estímulo, e, o principal, sente-se bem acolhida”. Stilene vive há sete anos no Cora, um residencial administrado pela BSL Saúde, uma empresa de cuidados assistenciais, há mais de 20 anos no mercado. Os residentes independentes das sete unidades (seis em SP e uma no Rio de Janeiro) geridas pelo grupo representam 19% do total.

O modelo de moradia assistida é um mercado tímido no Brasil, embora esteja em crescimento.
● A busca por qualidade de vida na velhice e a nova configuração das famílias brasileiras têm contribuído para aquecer o setor.
● Com infraestrutura completa e serviços personalizados, esses empreendimentos oferecem muito mais do que um simples lugar para morar.

Os condomínios se inserem na chamada economia prateada, como é conhecida a economia da longevidade, um segmento que engloba todas as atividades voltadas para atender às necessidades e demandas da população acima dos 60 anos.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o setor é responsável por movimentar no País R$ 1,6 trilhão por ano e deve crescer ainda mais, uma vez que as projeções, daqui a 30 anos, sugerem que 1 em cada 4 brasileiros será idoso.

Na Barra da Tijuca, o Cora Península (acima), tem instalações para atender a vários perfis; abaixo, um dos seus quartos e a sala de fisioterapia e exercícios do Cora Campo Belo, em São Paulo (Crédito:Divulgação)
Divulgação
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Padrão alto luxo

Em Curitiba (PR), o Elissa Village chama atenção por se assemelhar a um hotel – ou talvez a um resort. “Nos baseamos em modelos europeus, americanos e canadenses”, diz Edson Matos, CEO. Segundo ele, o Elissa é o primeiro residencial especializado em longevidade do Brasil, com estrutura sofisticada e tecnológica. Inaugurado em 2020, o espaço foi construído com foco no público-alvo – nada é adaptado. “Os corredores são largos, o pé direito é alto e os mobiliários atendem a necessidades específicas”, explica Matos.

Com padrão alto luxo e conforto hoteleiro, o Elissa conta com 74 suítes individuais, para moradia, estadia prolongada ou estadia curta, com vários níveis de dependência. Cerca de 60% são pessoas autônomas e escolheram o residencial para morar.

Atualmente o Elissa tem uma taxa de ocupação estimada em 90%, segundo Matos. “Em todas as modalidades permitimos a presença das famílias no dia a dia, em qualquer horário.”

“As casas para longevos precisam ser planejadas para potencializar a saúde do idoso.”
Norton Mello, do Aging 2.0, pioneiro em construções voltadas para o bem-estar

A proposta de um residencial de alto padrão tem que contemplar uma arquitetura que fuja de qualquer lembrança hospitalar. As paredes das áreas em comum têm em geral mais cores e adornos. São ofertadas aulas de idiomas, música, dança, pintura, teatro, ginástica, fisioterapia, entre outras. “Queremos que a pessoa se sinta num resort”, pontua Matos.

Em algumas de suas unidades, o Cora também segue esse estilo. Felipe Vecchi, diretor clínico do Cora, vê com otimismo o crescimento do nicho no Brasil, mas não deixa de olhar o setor com cautela. O fato de as famílias estarem menores, e as pessoas não viverem mais tão conectadas fisicamente, é um dado que impulsiona o desenvolvimento.

Mas segundo ele ainda há por aqui uma estigmatização em relação a esse tipo de serviço.”O brasileiro julga a família que toma essa atitude. Nos Estados Unidos, por exemplo, a situação é diferente, pois a pessoa sai de casa na adolescência, em geral, para estudar”.

Dessa forma, o desapego familiar é maior. Muitos idosos procuram um local para morar de forma espontânea quando ainda não são dependentes. No Brasil, o caminho é outro e a família é quem decide se o idoso fica aos cuidados de alguém ou se se vai para uma ILPI.

Outro erro do modelo brasileiro, segundo Vecchi, é colocar no mesmo residencial pessoas com níveis de dependência e cognição diferentes. “É preciso que o espaço tenha alas para todas as necessidades.” No Rio, no condomínio Península, na Barra da Tijuca, o Cora oferece 103 suítes individuais que possibilitam acomodação também para casais, se for esse o desejo. Todas são equipadas como um quarto de hotel. Há também 13 flats para quem quer viver com cozinha, sala de estar e varanda. Os quartos podem ser personalizados com móveis e itens pessoais.

“Temos poucos empreendimentos assim no Brasil, mas estamos despertando para esse fenômeno”, afirma Norton Mello, mestre em Engenharia Biomédica, um dos pioneiros no planejamento e construção de modelos de moradia voltados para o fomento da saúde e bem-estar.

Elissa Village, na região de Curitiba, foi feito com base em modelos da Europa, Canadá e EUA. O local foi construído para o público-alvo

(Divulgação)
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Segundo ele, as casas para idosos, em sua maioria, reportam os internos à uma unidade prisional. “A ideia que vem à cabeça é a dos asilos, uma espécie de prisão para esperar a pessoa morrer e não um local para potencializar a longevidade ativa por mais tempo”, diz.

Sua proposta, como alguém que projeta esses espaços, é que a arquitetura e a engenharia colaborem para compensar os declínios que surgem com a idade. “O envelhecimento exige um conhecimento transversal, é preciso aliar os saberes da arquitetura com a medicina, com os cuidados, com a tecnologia”, acredita. Estimular o uso de videogame entre idosos nesses espaços é um aliado importante contra a demência, explica Mello.

Nos Estados Unidos, especialmente na Flórida, há diversos condomínios para pessoas acima dos 55 anos. Mello projetou alguns, daí sua experiência no setor.
Os valores não são acessíveis a todos, tanto lá como aqui (os preços começam no mínimo em R$ 8 mil/mês).
● Por isso algumas pessoas optam por manter o idoso em casa.
● No entanto, para o desenvolvimento da pessoa isso nem sempre é o mais indicado.

“Ela fica numa bolha, não convive com muita gente, não desenvolve habilidades”, diz Mello.

Ambiente residencial

Para dar conta dos custos, que variam de acordo com o grau de dependência e da acomodação, alguns idosos que têm imóvel próprio optam por vender a propriedade e utilizar o dinheiro para sua manutenção em uma moradia assistida. Rosely Kohan, acupunturista e massagista, tem 66 anos e, por uma questão de saúde, optou por viver em um residencial. A adaptação não foi muito fácil, mas ela vê compensações, porque no local tem atividades diariamente e apoio médico. Ela mora no Villa Fiori, no Alto de Pinheiros, espaço gerido por Edith Modesto, psicanalista, doutora em linguística e especialista em Gerontologia. Edith também vive na casa. “Tento reproduzir aqui o mesmo ambiente de uma residência, desde a comida até a relação que temos”, afirma.

Edith criou o lugar para cuidar do marido, com Alzheimer, e de uma filha, tetraplégica. Para se manter, Rosely vendeu um imóvel e conta com apoio dos irmãos. Prefere viver ali do que com a família ou só.

Mello afirma que existem modelos residenciais de todos os preços. “Sinto que a nova onda imobiliária será voltada a esse tipo de negócio, para o público sênior, com opções de serviços e cuidados que contemplem mais pessoas”.

Já pipocam construções com esse perfil em São Paulo e Curitiba, por exemplo. Elas se inserem no conceito de “aging in place”, que assegura a permanência dos idosos em suas casas e comunidades, segundo a Organização Mundial da Saúde. À frente da plataforma Aging 2.0, Mello aposta também em políticas públicas para o segmento. “O Brasil ainda está atrás de outros países, mas acredito que a médio prazo irão surgir muitas alternativas.”