Trágico recorde
Por Antonio Carlos Prado
Houve um tempo em que duas pessoas falando sobre aquecimento global eram concebidas como malucas que adoravam conversar a respeito de catástrofes. Houve um tempo em que alguém tecendo comentários em relação a tema similar era visto como loucamente apaixonado por ficção científica — e, dessa forma, saía da realidade. Houve tempo em que tal assunto, que alertava para riscos de o mundo aquecer a níveis não suportáveis, a partir da chamada Primeira Revolução Industrial (1760-1850), era coisa de quem não tinha o que fazer. E assim o tempo passou, e os fatos foram demonstrando que, se seguíssemos pensando somente em lucros descomunais e na industrialização, a Terra sofreria graves abalos. Tudo que é ruim voa para chegar e não vai mais embora, e dessa forma chegamos rápido demais, com geração após geração errando por ação ou omissão, ao ano de 2015 — ou seja, chegamos à realização da Conferência do Clima em Paris. Foi um marco histórico, mas essencialmente teórico. Estabeleceu-se que o pobre planeta, do qual ninguém cuidava, não poderia ter temperaturas que superassem as já existentes em 1,5 graus Celsius, tomando-se como parâmetro o seguinte valor: dali para frente toda engrenagem produtiva, assim como todo processo de consumo, comportamento e hábitos não poderiam causar aquecimento global para além das temperaturas registradas entre 1850 e 1900. Palavras, palavras, vãs palavras as que se pronunciam na maioria das conferências: nada foi respeitado e no ano que recentemente se encerrou chegamos a uma triste marca: 2024 foi o mais quente já registrado (sentido e sofrido) na história da humanidade. Recorde de aquecimento! Praticamente, irreversível recorde! E que não se ouse falar em destino ou imprescindibilidade para o desenvolvimento tecnológico. Fale-se, isso sim, em crescimento feroz e obtenção predatória de lucro. É trágico, mas guarde-se 2024 como o primeiro ano no qual a humanidade viu a ultrapassagem dos 1,5 graus Celsius de aquecimento em relação ao nível da Primeira Revolução Industrial e, igualmente, ao nível do incipiente uso de máquinas — os 1,5 graus estabelecidos na Conferência do Clima de Paris. Essa medição é a fronteira, apontada por especialistas, que, se atravessada, pode levar a humanidade ao caos. Pois bem, sem gosto por catástrofes, sem paixões por ficção científica e sem maluquices (não voltemos ao passado nem ao início desse editorial), o caos agora só avançará, será impossível mitigá-lo. No ano passado chegou-se ao recorde de 1,6 graus Celsius de aumento do aquecimento. Essa foi a temperatura média global segundo cálculos do Observatório Copernicus, na União Europeia, um dos mais conceituados em todo o mundo. O ano de 2024 esteve aproximadamente 0,12 grau além da marca de 2023. Samantha Burgess, diretora Estratégica para o Clima do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas de Curto Prazo, sentencia: “Cada ano na última década se localiza dentre os dez mais quentes já registrados. A média dos dois últimos anos está acima do acordado na Conferência do Clima em Paris”. Entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, na capital paraense de Belém, acontecerá a COP-30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), e a aposta geral de chefes de Estado ou seus representantes, de grupos e organizações independentes da sociedade civil é que esse encontro poderá ser produtivo devido à gravidade da situação ambiental em meio à qual ele ocorrerá. Para se ter uma ideia, o Brasil, de acordo com o Berkeley Earth, um dos principais centros climáticos do planeta, está aquecido 1,8 graus Celsius acima da média da época pré-industrial. A COP-30, como se vê, surge de fato como a grande – e, talvez, derradeira – perspectiva de tentativa de reversão do quadro atual. Triste, triste quadro: no ano passado, 3,3 bilhões de pessoas (cerca de 40% da população mundial) vivenciaram o auge do aquecimento global. Triste, triste quadro: 1,2 bilhões de pessoas (35% dos seres humanos) não possui acesso à água tratada.