“Quando mudamos para Ipanema a vida desabrochou para mim”, diz Helô Pinheiro

Helô inspirou muita gente e foi eternizada por Tom e Vinícius na música 'Garota de Ipanema' (Crédito: Silvia Zamboni)
Por Denise Mirás
Nada mais verão do que uma garota “pegando jacaré”, jogando vôlei e frescobol na praia de Ipanema dos anos 1950. Essa era Heloísa Eneida Paes Pinto aos 14 anos. Tom Jobim e Vinícius de Moraes contemplavam a garota, celebrizada em uma das músicas mais regravadas do mundo. Helô casou-se em 1966, aos 23 anos, com Fernando Abel Mendes Pinheiro. Mudou-se para São Paulo, cursou Jornalismo e Direito, tornou-se apresentadora e cuidou dos filhos Kiki, Jô, Ticiane e Fernando Jr. É avó de Bruna, Heloísa, Rafaela e Manuella. Tinha 1,71 metro e 56 quilos. Hoje, diz estar encolhendo, pois baixou um centímetro para seus 57 “e meio” quilos, ou 58… E continua iluminada, rumo aos 82 anos que completará em 7 de julho.
Você morava perto da praia?
Nasci no Grajaú, bairro da Zona Norte do Rio. Um médico disse à minha mãe que eu precisava viver perto do mar por causa da bronquite. E nos mudamos para o Leblon, onde ficamos uns dez anos – ou mais. Com 13 ou 14, fomos morar em Ipanema. A gente “pegava jacaré”. Adorava ir lá para fora e descer no ondão! Também gostava de jogar vôlei e frescobol na praia. Frescobol foi meu pai Juarez que me ensinou, de pequena. Eu me achava um homem jogando, com aquela vontade toda, como se fosse macho mesmo. Não rolava de jogar bonitinho.
Teve uma boa base física.
Minha vontade sempre foi de me divertir, fazer esporte pela saúde. Não tinha essa de pensar no corpo. Fazia esporte, balé clássico, dança moderna. Não parava quieta. Até hoje não paro…! Mas praia era nas férias, feriados, fins de semana. Tinha como uma fuga de estudo e trabalho, porque pegava ônibus todo dia para o colégio na Tijuca e, mais tarde, ainda como professora, mas já concursada, seguia de ônibus e trem para dar aula em Padre Miguel, Realengo, Penha…
Com quantos anos você começou a trabalhar?
Com 13 já dava aulas particulares para ajudar em casa. Minha mãe não tinha condições financeiras. Quando estava com cinco anos, meus pais se separaram e passei a ser cuidada pela minha avó, diretora de orfanato. Foi uma infância muito triste. Com muitas dificuldades. Quando mudamos para o Leblon, era quarto e sala: eu e meu irmão no beliche, minha mãe e minha avó na cama e meu tio no sofá da sala. Vivemos anos nesse ambiente apertado e com a angústia do falta isso e aquilo. Quando minha mãe, já funcionária pública, conseguiu comprar um apartamento com meu tio, em Ipanema, a vida desabrochou para mim.

“Foi amor platônico do Tom Jobim. Ele foi meu padrinho de casamento. Chegou a dizer: “Gostaria de me casar com você…” Eu disse: “Ah, não posso… Sou virgem, estou noiva”
Daquela época para agora, o que destaca de mudanças sociais?
As pessoas focavam mais em aproveitar a vida, sem se preocupar com estética, em aparecer. Hoje o talento fica para segundo plano. As pessoas dão mais valor à beleza, ao corpo. Nos anos 1950 eu ainda era criança. Para mim, os anos 1960 foram os mais maravilhosos, a década que teve mais sabor. Foi quando a música ganhou força, coma bossa nova, a transposição para a Jovem Guarda… Houve uma mudança muito grande nesse aspecto. Nós aproveitamos mais. Era uma vida mais saudável, verdadeira. A gente, já mocinha, ia jogar bola na rua. Hoje é muito imagem, tudo engessado, um tal de botox para cá e para lá. Tudo bem que se faça um botoxzinho, mas não se pode focar só nisso de beleza, de corpo.
Você não se contaminou com isso.
Verdade. Meu sonho sempre foi me casar, ter muitos filhos. Minha sogra teve oito. O pai do meu marido batia o sino e eu via toda aquela gente correndo para a mesa… Achava aquilo lindo. Eu só tinha um
irmão, o Alberto Juarez. Minha mãe se chamava Eneida — por isso sou Heloísa Eneida. Era assim, né?
Pegavam o nome do pai, da mãe…
Casou-se com o Fernando, mas queria ter namorado mais. Por quê?
Com 14 anos tive meu primeiro namorado, o Igor, bem mais velho do que eu. A gente pegava na mão, dava beijinho no rosto. Eu brincava na rua. Quando via ele chegando, enfiava a boneca naquele lugar de gás do prédio e fechava a portinha… Aí veio o Adnei, que fez versos lindos para mim, “a morena de olhos verdes”. Até coloquei no meu livro, de 1999. Eu tinha vergonha porque os boêmios queriam que fosse igual a Leila Diniz, mas tive uma outra vivência. Fui muito segura pelos meus pais. Ser atriz? Nunca. Minha mãe achava que cachê era michê. Tudo que veio com o Garota de Ipanema veio porque tinha de ser — e eles aceitaram porque não teve outro jeito. Mas eu casei virgem. Era da época. Estava com 23 anos.
Depois de quanto tempo de namoro?
Quatro anos. Mas tem uma história antes. Dizem que o Ronaldo Bôscoli, cunhado do Vinícius de Moraes, era apaixonado por mim. Um dia, eu estava comendo pipoca no carrinho da praia e ele chegou falando que era jornalista e queria fazer uma matéria comigo. Eu respondi que não podia fazer nada sem autorização da minha mãe — mas o Helinho, que andava com ele, já tinha feito umas fotos minhas. Então ele foi lá em casa e assim acabei saindo em revista pela primeira vez: na Fatos e Fotos. Porque também já fazia uns desfiles de moda, né? Depois, o Yllen Kerr, fotógrafo, me contou que o Tom e o Vinícius estavam fazendo uma música para mim. Não acreditei. E só depois de três anos um repórter da Manchete perguntou para o Vinícius quem era a musa inspiradora. Ouviu que tinha namorado e era filha de general… Mas para ir lá tentar. Foi ele que conseguiu fazer a reportagem-revelação de quem era a Garota de Ipanema.
E a história do amor declarado do Tom Jobim?
Ele até me deu autógrafo com um “Helô, meu amor platônico”— e foi platônico mesmo, até aceitou ser meu padrinho de casamento. Nós dois éramos muito tímidos. Ele chegou a falar: “Eu gostaria de me casar com você…” E eu disse: “Ah, eu não posso… Eu sou virgem. Estou noiva”. O que tem a ver uma coisa com outra? Não sei o que pensei, mas deve ter sido “Como vai ser?”, “É casar mesmo?”. Acho que ele queria ficar, não casar. Eu era muito bobinha. Depois que fiz faculdade de Jornalismo e Direito fiquei mais por dentro da vida.

“Fui convidada pelo Silvio Santos para ser jurada, pelo Chacrinha… Quando tornei-me apresentadora, achei que estava tomando lugar de jornalista e fui fazer o curso”
Como você conheceu seu marido?
Na praia. Jogando vôlei. Era atleta do Flamengo e frequentava o Arpoador. Amigos falaram de uma menina “linda” de Ipanema e por isso foi até lá me ver jogando. Batemos um papo e ele queria uma foto minha. Um dia, estava eu com minha amiga Charlotte na cidade olhando vitrine e o Fernando apareceu oferecendo carona… de ônibus. Ele era muito engraçado. Minha vida era tão triste, eu vivia tensa morando com meu tio e minha avó, que era uma pessoa difícil, muito dura. Quando descobri as piadas dele… me apaixonei. A gente se via das oito às dez, porque dez da noite a porta do prédio era fechada e eu não tinha chave. Um dia ele me convidou, com minha amiga Beth, para irmos na domingueira do Iate Clube. Apareceu com um carrão azul, rabo-de-peixe. Dias depois, o convite era para ir almoçar na casa dele. Eu tinha 16 para 17 anos; ele, mais velho cinco anos. Chegamos a uma casa de pedra enorme, de três andares. Eu, menina simples, de andar de ônibus, fiquei assim: “E agora? Vou ter de me arrumar direito….”. No meu noivado, eu ia receber os pais dele na minha casa. Imagina… Minha tia mandou móveis, minha mãe botou papel de parede na sala, bonitinho, pegamos um sofá emprestado com a dona Frida, a vizinha porta com porta. Porque o “apertamento”, de fundos, não tinha nada…
Sua ideia era ser dona de casa, mas não só, certo?
Queria continuar trabalhando. Queria ser professora para agradar minha avó e porque gostava muito de criança. Mas meu sonho era ser atriz, daquelas consagradas, como a Romy Schneider, a Grace Kelly, a Brigitte Bardot. Cheguei a fazer novela, como Cara a Cara, na Band, quando estava em São Paulo, para onde me mudei em 1978. Quando a Globo me chamou, fiz participação na Água Viva, depois Coração Alado, mas tinha de cuidar do meu filho. Pensei: se tiver de ser, será. Minha mãe me via como escritora, eu me via como atriz, cantora – apesar da minha avó dizer que eu era “desentoada”. E bailarina. Mas também vi que não daria por causa da asma – às vezes eu tinha de parar porque ficava meio ofegante.
Como se tornou apresentadora?
Comecei a achar que a tevê era a minha praia e fui convidada pelo Silvio Santos para ser jurada de miss, pelo Chacrinha… Quando me tornei apresentadora, achei que estava tomando lugar de jornalista e fui fazer o curso na FIAM. Passei do Ela, na Band, para o Show da Tarde, que era diário, no SBT. Lá na Vila Guilherme, onde tinha enchente – uma vez o Silvio chegou de barquinho! Até o Ferreira Neto, que me criticava, depois me convidou para fazer The Girl from Ipanema nos EUA, no canal 42 (Helô segue com o Alô Helô, em canais da Combrasil TV, que podem ser acessados pelo aplicativo).
E como você se mantém em forma?
Eu sempre gostei muito de me agitar – era vôlei, frescobol, beach tênis. Mas o que mais gosto de fazer hoje, porque é bom para a saúde não só corporal mas mental, é dança com coreografia. Ela faz você colocar seus neurônios gravarem os passos para reproduzir. O negócio é não parar. Acordo, vou para a academia, levo meu filho para o jiu-jítsu e faço dança, depois mais meia hora de alongamento. Deixo meu filho na escola, almoço e vejo o que tem de trabalho. E não, não fico no celular direito. Gosto de ouvir música e ler livros de pensamentos, como do Khalil Gibran, Sêneca, poesias. De alimentação, como de tudo, mas tenho uma dica: saio da mesa sempre deixando um lugarzinho. Quando você sai dizendo: ah, comi muito…”, aí você já engordou, ganhou peso. Aprendi com meu pai.