Efeito Trump: o mundo já se prepara para turbulências
Diante das promessas de campanha ainda mais extremistas para sua reeleição, espera-se um segundo governo do republicano com as rédeas soltas, pronto para o enfrentamento global na política e na economia
Por Denise Mirás
Com um país dividido ideologicamente, Donald Trump assume a Presidência dos EUA para outros quatro anos de mandato e agora com menos freios ainda. Com posse marcada para 20 de janeiro, já se adiantou na nomeação de um gabinete no mínimo controverso –, com secretários que, no caso americano, correspondem a ministros. Para a prometida “nova era do ouro”, escolheu a dedo aqueles que certamente cumprirão suas ordens isolacionistas de uma “America First”, eliminadas quaisquer divergências e propostas progressistas no cenário.
● A repercussão do novo governo americano já assusta a União Europeia, por exemplo, pela promessa de retirada do apoio americano à Ucrânia, financeiro e bélico.
● A conta da guerra com a Rússia irá para os europeus, em tempos bem difíceis para França e Alemanha, que encabeçam o bloco e vêm passando por crises políticas e econômicas.
● O presidente francês Emmanuel Macron corre risco de ter outro primeiro-ministro derrubado em um governo sem rumo e o alemão Olaf Scholz, que ocupa esse cargo em seu país, enfrenta impopularidade e neonazistas com um precipício aos pés.
Ao mesmo tempo, Trump atiça o fogo no Oriente Médio – que se debate em conflitos que vão de Gaza ao Líbano e à Síria, como ecos sobre Irã e Rússia, apoiando o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, parceiro na disseminação do ódio pelo mundo. A incógnita, mais uma vez, é a reação da expansionista China, oficialmente declarada pelos EUA como inimiga número 1, e que terá barradas suas ações comerciais por Trump, além de taxas draconianas e guerra tecnológica acentuada, principalmente em torno dos chips.
Sob o domínio do business
O futuro gabinete dos EUA adianta a face do segundo governo Trump, ainda mais solto pela maioria que terá na Câmara dos Deputados, no Senado e ainda na Suprema Corte, com juízes nomeados por ele mesmo.
A lista de secretários pode ser vista como pagamento das montanhas de dólares despejadas em sua campanha.
● Trump até criou um cargo para Elon Musk, seu maior financiador no caminho à Presidência: o trilionário, que ocupa a posição número 1 do ranking da revista Forbes (com R$ 2,5 trilhões na conversão dos US$ 400 bilhões), será chefe de um tal Departamento de Eficiência Governamental.
● Outro bilionário generoso é Scott Bessent, o futuro secretário do Tesouro, CEO de fundo de investimentos e conhecido como “rei das criptomoedas”.
● Para a Educação, vaí Linda McMahon, empresária de luta livre (e integrante de processo por abuso sexual), que é mulher de Vince McMahon – da mesma lista dos poderosos investidores para a eleição de Trump.
● Em meio aos nomes propensos a desarticular quaisquer propostas progressistas fora do escopo da extrema-direita, aparece Robert F. Kennedy Jr. como secretário de Saúde, justamente pela histórica postura negacionista e antivacina, além de grande propagador de fake news. Ele promete propósitos comerciais para a pasta, que deveria tratar de “serviços humanos”.
● Na questão migratória, Tom Homan – chamado de “czar” na assustadora ICE (em português, Agência de Imigração e Alfândega) – terá sob sua responsabilidade “todas as deportações de estrangeiros ilegais de volta ao seu país de origem”. ● Pam Bondi, ultraconservadora, será a procuradora-geral dos EUA – porque o primeiro indicado, Matt Gaetz, se viu investigado por má conduta sexual e uso de drogas.
● Para secretário de Estado, o escolhido foi Marco Rubio, que tem pelo menos uma década alardeando “a ameaça da China”.
● E para a Defesa o nome é Pete Hegseth, que segundo o próprio Trump “é durão e inteligente”, além de totalmente comprometido com o America First. “Com Pete no comando, os inimigos estarão em alerta”, disse Trump.
Em 2025, o planeta ainda se verá sem soluções a conflitos na Faixa de Gaza e na Síria , mas poderá ver o cessar-fogo na Ucrânia
Mesmo ainda precisando da chancela do Senado (agora com maioria republicana), esses nomes de fato assustam o planeta. Para o professor Vladimir Feijó, doutor em Direito Internacional e analista de política internacional, Trump não deverá enfrentar questionamentos e nem se sentirá constrangido com o gabinete “100% trumpista”, com nomeações que fogem do âmbito político e se deram à margem do Partido Republicano.
“Além de trumpistas, seus secretários são ligados ao business”, observa o professor. “Trump vai testar águas, sem muita preocupação com qualquer tipo de controle. Mas também se governar só na ponta da caneta pode levar os EUA a uma certa instabilidade. O que, claro, também impacta outros países”, afirma.
“A União Europeia será obrigada a se replanejar, realocar recursos e discursos políticos, principalmente pela questão da guerra na Ucrânia, que poderá ser fatiada, assim como a Síria. E países já vêm se movimentando. A Holanda restabeleceu fronteiras, a Polônia estabeleceu ensino de tiro já na escola fundamental.”
Mas o discurso nacionalista de Trump, que empodera a extrema-direita, também poderá influir ideologicamente em eleições extraordinárias que França e Alemanha poderão chamar, em 2025.
Mercosul e União Europeia se entenderam, apesar de protestos de agricultores europeus, que ameaçam o presidente francês Emmanuel Macron com a eleição da opositora Marine le Pen
Para Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, Trump conhece por dentro o Estado americano e já avisou que não irá tolerar que suas decisões mais radicais sejam desidratadas e neutralizadas ao longo da cadeia de comando (sob o chamado deep state).
Tanto nas questões internas e externas, como dá a entender, cobrando assim lealdade absoluta de parceiros. “O mundo está à espera de Trump”, diz o professor, mas já se antecipando sobre o quê fazer, basicamente com relação a três grandes temas.
● “O primeiro é a guerra Rússia e Ucrânia. Talvez a retirada de soldados russos da Síria seja um indicador de entendimento com Vladímir Putin. Mas Trump também não pode ceder muito ao colega russo porque mexeria com sua pretensa ‘hegemonia americana no mundo’. Agora, para países europeus que enfrentam crises políticas, o fim da guerra seria até um alívio. Diminuiriam os custos bélicos e ainda os gastos em energia com o corte do gás russo, que levaram a desdobramentos econômicos graves e, em muitos casos, a um crescimento praticamente no zero.”
● “O segundo grande tema é o conflito em Gaza, com um acordo que não durou nada. E que pode piorar, porque Israel não visa a uma resolução, o que reverbera na Síria e mesmo no Irã”, assinala o professor.
● O terceiro é a disputa com a China. “Trump nomeou figuras como Jamieson Greer e Peter Navarro para as relações comerciais, claramente visando a uma política de enfrentamento”, diz. Greer já havia trabalhado com taxações no primeiro governo Trump e o segundo, que será conselheiro sênior, é um condenado a quatro meses de prisão pelo envolvimento na invasão do Capitólio que pretendia impedir a posse do democrata Joe Biden em 2022. “Trump vai se contrapor à China para ao menos retardar seu crescimento, tentando estrangular o poder tecnológico desses asiáticos. E também trabalhará para minar os BRICS e dar mais peso ao G7 [com os países mais ricos do mundo] e menos ao G20.”
Radicalismo de Trump leva países a se preparar para reação a ações arbitrárias
Recado liberal
Flavia Loss, coordenadora de Pós-Graduação em Relações Internacionais da FESPSP e professora do Instituto Mauá de Tecnologia, também lembra que “países vêm amarrando suas estratégias antes de 2024 terminar, para ter algum norte quando o republicano assumir a Presidência dos EUA em janeiro”. Para ela, o acordo finalmente estabelecido entre Mercosul e União Europeia “consolida uma posição dos dois blocos em defesa do liberalismo e da ordem internacional e passa uma mensagem importante à comunidade internacional e ao próprio Trump”.
No caso do Brasil e da América Latina em geral, está em curso o estreitamento de relações com a China, que Trump considera como inimiga, mais ainda pelos marcos importantes acordados na reunião final do G20 em novembro, no Rio de Janeiro:
● aliança global para erradicar a fome até 2030,
● meio ambiente com transição energética,
● taxação de superricos,
● e mudanças na governança global.
Todos temas contrários à extrema-direita empoderada com Trump.
Flavia Loss lembra também de um importante marco na política latina-americana, com a eleição de Claudia Sheinbaum, ela mesma uma ambientalista, à Presidência do México – país com a fronteira mais conflituosa na questão de imigrantes para os EUA.
E destaca a situação governamental precária da Bolívia, com disputa aberta entre o atual presidente Luis Arce e o ex-presidente Ivo Morales no mesmo partido (Movimento ao Socialismo), que alimenta outro foco de tensão internacional, na disputa pelas reservas de lítio do país por China, Rússia e EUA.
Há ainda a vitória de Nicolás Maduro na mais contestada eleição presidencial da Venezuela, desafiando solicitações de transparência e verificação de atas eleitorais pela comunidade internacional. “O Brasil será mais cobrado pelos EUA em 2025, em relação a Maduro. Esse é outro vespeiro em que ninguém quer mexer. Mas que está lá.”
China segue sólida
Trump é isolacionista em um mundo interdependente; e os chineses se aproveitam disso
Donald Trump deverá manter sua política radical de “olho por olho, dente por dente”, como observa Luciana Mello, professora de Relações Internacionais no IBMR-RJ. “Mas sua avaliação de autossuficiência dos EUA se vê desafiada, diante de um cenário mais fragmentado e multipolar no mundo, do que em seu primeiro governo”, diz.
E a China, tomada como inimiga pelos EUA, também se mantém sólida em termos de expansão territorial, com projetos a longo prazo. Além disso, os chineses são resilientes a condições adversas, o que se encaixa bem no caótico momento internacional, diz Luciana. “Todo mundo é um pouco refém da China.”