Editorial

Lula já está fora do jogo?

Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil

Carlos José Marques: "Lula já não é mais o mesmo. Nem no traquejo das negociações" (Crédito: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Por Carlos José Marques

Há algo de estranho na cena política brasileira. As cirurgias na cabeça do presidente Lula tiveram o poder de despertar, ao menos com dois anos de antecedência, o debate sobre a sucessão, já sugerindo que o demiurgo de Garanhuns estaria fora da disputa, tal e qual seu maior adversário e antecessor, Jair Bolsonaro, esse impedido legalmente pela série de atrocidades administrativas cometidas. Diante do quadro, acirraram-se as apostas em torno de alternativas. Do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao filhote do capitão, Eduardo Bolsonaro, incluídos ainda no balaio de possibilidades o governador Ronaldo Caiado, bem avaliado em Goiás, o vice Geraldo Alckmin, o ministro Fernando Haddad e a sua colega de pasta econômica, Simone Tebet. Não faltam opções, todas elas, de algum modo, vinculadas aos caciques desse pleito que ocorre no final de 2026. A questão de monta, no entanto, é mais embaixo. Está em jogo e, por conseguinte, em foco o que será do Brasil daqui por diante. O País tem vivido os últimos tempos como se pendurado em um pêndulo de extremismos, no qual ora tende para um lado, ora para o outro, e que, na prática, não atendem às reais necessidades nacionais fora da rinha rasteira e despropositada de torcidas partidárias. A ausência de líderes com propostas desenvolvimentistas, sem o populismo banal que caracterizou esse último par de décadas, é uma realidade. De Lula para cá, desde 2002, quase nada de novo surgiu, afora o interregno marcado pelo ex-presidente Michel Temer em um mandato quase tampão, após o impeachment de Dilma Rousseff. O Brasil não experimenta a gestão de um estadista faz tempo. Os anos JK ficaram para as calendas e nada de semelhante surgiu desde então. Os planos de Lula para o seu futuro, de reeleição ou não, ainda são uma incógnita. Estará ele em condições de enfrentar mais uma corrida às urnas? A emergência médica acendeu o sinal vermelho de alerta. Suas condições físicas notoriamente não parecem das melhores. Existe quem compare seu quadro ao do chefe de Estado norte-americano, Joe Biden, retirado voluntariamente do pleito por sinais evidentes de senilidade. No caso de Lula seria decerto exagero pensar em algo meramente parecido. Não é de falta lucidez que padece o mandatário. Talvez, isso sim, da ausência de ânimo e da renovação de projetos para conquistar o eleitorado. A administração do petista está envelhecendo a olhos vistos, refém de um Congresso que lhe vira a cara a cada demanda e cede apenas quando regiamente pago por meio das tais emendas do orçamento secreto. Lula já não é mais o mesmo. Nem no traquejo das negociações. Recua, concede, atende sem resistências e coloca cada vez mais em perigo a chamada solvência fiscal do Estado. O presidente não tem sequer a certeza de que conseguirá passar o bastão a um sucessor de sua preferência. Talvez não possua fôlego, nem influência, para definir esse desfecho. Aos 79 anos, ele já é o presidente mais idoso da história nacional. As máquinas regionais dos aliados da base estão, por assim dizer, enferrujadas, com quase nenhuma relevância. O governo não tem boa aprovação que garanta uma continuidade fácil. No conjunto de ingredientes, até mesmo a vida pessoal de Lula conta e ele tem planos de viver dias mais aprazíveis ao lado de sua esposa, Janja, como já confessou em mais de uma ocasião. Com absoluta certeza, a ausência de seu nome nas urnas irá provocar uma completa reviravolta de cenário, rumo ao desconhecido. Seria para melhor? Muitos duvidam. Temem a instabilidade gerada pelos simpatizantes da ideia da anarquia. Ainda sobrevivem na memória de todos os dias caóticos pré e pós tentativa de golpe. De lá para cá, algumas ameaças de atentados sinalizaram que os ânimos não estão devidamente acomodados. Ao contrário. Acirram a cada sinal de tibieza de um poder central. O Supremo Tribunal, por enquanto, tem sido o fiel da balança. Mas, até quando? Inexistem vozes moderadas pela conciliação. Qualquer candidato apoiado por Lula ou por Bolsonaro contará com uma vantagem enorme. A renovação de pretendentes não está assegurada. Os brasileiros deverão assistir a mais do mesmo, na rabeira de seus tradicionais “salvadores da pátria” que, em tom messiânico, vendem o paraíso, jamais alcançado. A falta de vitalidade, quem sabe momentânea de Lula, animou a oposição de direita que sonha retomar as rédeas do Planalto. A questão é saber o que pretende fazer com elas. Embolado o meio de campo político, o Brasil vive a rebordosa da polarização. Falta maior transparência das agremiações quanto ao que desejam. A espera de erro dos flancos adversários, escondem a tática. Os desencontros e desentendimentos para formação de chapas viraram a tônica. Lula já saiu do hospital, mas o receio de que esteja fraco, também politicamente, não descolou dele. Ressabiados por boletins médicos que escamoteiam parte da verdade quando se trata de mandatários – ninguém esqueceu a via crucis de Tancredo Neves -, os brasileiros prosseguem cautelosos, descrentes. A debilidade das fakes news também estimula esse clima. A questão urgente de Estado é saber como celebrar uma retomada do desenvolvimento, furar a bolha do pessimismo e seguir adiante com as amarras da política ainda presas ao passado.