Política

“Há espaço para um candidato de direita moderada contra Lula”, diz Felipe Nunes, do Quaest

Crédito: Jardiel Carvalho

Se quiser vencer, candidato de direita precisará de organização e pauta articulada”, afirma Nunes (Crédito: Jardiel Carvalho)

Por Eduardo Marini

Milhões de brasileiros conhecem o rosto do mineiro Felipe Nunes. Ph.D. em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia, professor da UFMG, fez maratonas diárias em canais de tevê para detalhar resultados de pesquisas do seu instituto, o Quaest, nas eleições municipais. Entre 4 e 9 de dezembro, coordenou um levantamento nacional com 8.598 entrevistados sobre política e eleições. O presidente Lula venceria todos os candidatos de direita: Jair Bolsonaro por 51% a 35%, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por 52% a 26%, o goiano Ronaldo Caiado por 54% a 20% e o empresário Pablo Marçal por 52% a 27%. “Existe demanda para um candidato de direita moderada ser competitivo, mas eles precisam se organizar e produzir uma pauta nacional articulada”, afirma Nunes nessa entrevista a ISTOÉ em que revela também pontos de Biografia do Abismo (Harper Collins, 242 págs., R$ 59,90 e R$ 37,90 a versão digital) livro em parceria com o jornalista e consultor Thomas Traumann que explica como a polarização política compromete famílias e o futuro do País e sugere caminhos para a solução do problema.

O resultado da pesquisa deve ter agradado o presidente Lula. Se o segundo turno fosse agora, ele apareceria à frente de todos os candidatos de direita. Venceria Bolsonaro por 51% a 35%. Até bem pouco tempo o cenário era de proximidade. O que ocorre?
A pesquisa foi feita após o estouro da trama do golpe e os anúncio do pacote fiscal e da isenção de imposto de renda até R$ 5 mil para 2026, mas antes da prisão do general Braga Netto e da internação de Lula. Trouxe três grandes recados. Primeiro: governos seguem favoritos na maioria das eleições. Segundo: Bolsonaro vive seu momento mais frágil. Isso está diretamente associado à tentativa de golpe. Nas eleições municipais, seus principais candidatos conseguiram chegar ao segundo turno, mas não venceram. Terceiro: a direita precisa se organizar se quiser ser competitiva em 2026.

Em que ponto?
A direita tem nomes promissores, com baixa rejeição, mas, à exceção do hoje desgastado Bolsonaro, desconhecidos por grande parte dos eleitores e ainda sem pauta nacional articulada e debatida. Na pesquisa, 59% disseram desconhecer o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, 61% não conhecem o mineiro Romeu Zema, 49% desconhecem o paranaense Ratinho Junior e Tarcísio de Freitas, mesmo no comando do rico e populoso Estado de São Paulo, é ignorado por 45% dos eleitores. Um dado curioso: Pablo Marçal teve 32% de índice de desconhecimento, menor do que os outros da direita, superior apenas aos 21% de Michele Bolsonaro. Resultado de sua postura agressiva nas redes sociais, levada para a campanha à prefeitura paulista, única da qual participou até agora.

Vocês falam no livro que a polarização da política brasileira um fenômeno que batizaram de calcificação. Explique.
As preferências do eleitorado brasileiro mudaram bem menos do que era de se esperar em um sistema multipartidário – e deverão continuar assim por mais um tempo. O que se viu na história recente e ainda se vê é estabilidade: antipetismo e petismo disputando seguidas eleições. O antipetismo teve vários representantes: Collor, Fernando Henrique, José Serra, Aécio Neves, Bolsonaro… E o petismo, Lula, Dilma, Haddad, Lula de novo… A pesquisa prova que essa estabilidade continuou após as eleições de 2022.

Como ocorre essa calcificação do Fla-Flu político?
Mesmo com desemprego baixo, corte de gastos, projetos sociais reativados, incentivos financeiros individuais inéditos na educação e inflação perto do teto mas baixa e controlada, entre outros fatores positivos, o grupo que não aprovava o governo em 2022 continua a rejeitá-lo: cidadãos com alta renda, parte considerável dos eleitores do Sul e Sudeste, empresários, evangélicos, líderes do agronegócio, mercado financeiro, Faria Lima. Esse é o público que não gosta. E quem elogia apesar das denúncias, da suposta timidez no corte de gastos, do lado negativo, enfim? O mesmo que sempre aprovou Lula e o elegeu em 2022: Nordeste, renda baixa, negros, católicos, profissionais bem formados, elite intelectual. Essa pesquisa mostra exatamente o traço da calcificação que projetamos em 2022. É como se as pessoas de situação e oposição estivessem presas em suas identidades políticas. Calcificadas. Daí o termo. Somando essas bandas, ambas tão diversas, o resultado é a cara do Brasil total.

Do que mais vocês tratam no livro?
Ele mostra que nós, brasileiros, estamos cada vez mais vivendo em bolhas de informação que contribuem para o crescimento de valores autoritários, radicais, preconceituosos e violentos. As saídas para se construir uma sociedade mais coletiva estão nas famílias e nas relações de trabalho. Eu e o jornalista e consultor Thomas Traumann mostramos porque que elas estão nesses dois ambientes. Precisamos pensar a sociedade à luz desse problema para reconquistarmos confiança institucional e interpessoal. Só assim será possível construir projetos coletivos de nação menos individualistas.

Lula está à frente de todos da direita, mas 52% dos entrevistados acham que ele não deveria se candidatar. Contradição, medo de o presidente não ter saúde para concluir outro mandato ou desejo de terceira via?
Grande parcela do eleitor brasileiro gostaria de ter uma opção descolada dos polos. Mesmo parte considerável dos que escolheram Lula demonstra cansaço porque ele e os petistas estão aí há muito tempo. É como se disessem: ‘entre as opções que estão aí, prefiro a continuidade, mas seria melhor se houvesse uma opção menos ligada aos polos. Por 42% a 35%, Haddad também venceria Bolsonaro, hoje com rejeição de 57%.

O nível de desconhecimento e a quantidade de avaliações equivocadas impressionam.
Exato. Três a cada dez não sabem que Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema – 28% nos dois primeiros e 27% no terceiro – são de direita e 80% acham Caiado moderno.

Você acha que, se houver pressão da elite financeira, Tarcísio de Freitas poderá abandonar a campanha por uma reeleição aparentemente encaminhada e concorrer ao Planalto?
Política é combinação de demanda e necessidade. A pesquisa mostra que existe demanda para um candidato da direita moderada ser competitivo. Para ele estar preparado e ocorrer a demanda serão necessários outros fatores, entre eles análises de questões partidárias, de alianças, do risco que cada um está disposto a correr e por aí vai. Mas é evidente que há uma demanda latente para que Lula enfrente um candidato de direita moderada, com apoio de Bolsonaro mas capaz de dialogar para além do bolsonarismo. Se Tarcísio for o escolhido pela elite econômica para ser esse candidato, terá muito apoio e força para concorrer. Com um detalhe: ele não fará isso se não tiver apoio incondicional de Bolsonaro, independentemente das situações política, pessoal e jurídica do ex-presidente na ocasião. Arrisco-me a dizer que Tarcísio só aceitaria a missão se for apoiado explicitamente por Bolsonaro. Para viabilizar uma coisa dessa, a elite política precisaria bater antes na porta do ex-presidente do que na de Tarcísio.

“A polarização está calcificada. Quem apoia Lula? Os de sempre – e o mesmo ocorre com Bolsonaro. É como se as pessoas estivessem presas em suas identidades políticas” (Crédito:DANTE FERNANDEZ)

Por que?
Não existe projeto político nacional no País sem Lula e Bolsonaro. Poderemos ter até Haddad contra Tarcísio, por exemplo, desde que um seja o candidato de Lula e o outro, de Bolsonaro. O presidente larga em qualquer eleição nacional com 30%. Bolsonaro, com algo entre 25% a 30%, a depender das contingências. Hoje, 19% se consideram lulistas petistas e 14% de esquerda, mas não do PT. Do outro lado, 12% se dizem bolsonaristas e 20% de direita não ligada ao ex-presidente. Lula atrai os de esquerda e sai com 33%. Bolsonaro abraça a direita e chega a 32%. Resumo da ópera: sem o apoio de um dos dois, qualquer candidatura fica inviável.

O eleitorado abandonou a polarização e optou pela centro-direita de ânimo mais arrefecido?
Muitos defendem essa tese, mas não concordo com ela. Não houve arrefecimento. Foi uma ilusão provocada pela última eleição municipal. A polarização está aí; só foi escondida por uma etapa. Em 2020, o centro tradicional – PSD, MDB, PSDB e Cidadania – administravam 39% das prefeituras. Em 2024, foram para 37%. Redução irrisória. Os partidos do Centrão tinham 35% em 2020. Foram para 38% em 2024. Os dois blocos controlavam 74% das prefeituras e agora, 75%. Aumento insignificante de um por cento. A esquerda cuidava de 16% das prefeituras e agora vai governar 14%. Mas uma vez uma redução marginal. E a direita típica permaneceu com 11% das administrações. Muitos acham que houve inflexão. Negativo. Nas prefeituras sempre foi assim: esquerda e direita pequenos, centro e Centrão enormes. É o normal histórico desde sempre – e em 2024 não foi diferente.

“Bolsonaro vive o momento mais frágil de sua história política. Isso está ligado à tentativa de golpe. De acordo com a pesquisa, hoje perderia também para Haddad”. (Crédito:MATEUS BONOMI)

Nada mudou?
As eleições para o a presidência não possuem qualquer ligação com as municipais. Prefeito é cabo eleitoral de deputado e, em alguma parte, de governador, não de presidente da República. Em eleição municipal o que está em jogo, além do mandato em si, é o Congresso. Na presidencial, o que entra em campo são as identidades políticas dos eleitores. Li em ISTOÉ sobre os choques entre petistas e a cantora Jojo Todinho por ela ter apoiado o PL. Uma marca de chocolates que recentemente contratou como garoto-propaganda o empresário, influenciador digital e notório antibolsonarista Felipe Neto perdeu boa fatia de mercado no Sul do País por boicote de eleitores de direita. Em um dos principais shoppings de Florianópolis, reduto bolsonarista, o Papai Noel desta ano é branco, e não mais vermelho como o PT. Nos shows de Caetano Veloso e Maria Bethania em São Paulo, sobretudo, mas também em outras cidades, além dos aplausos e da choradeira pela beleza arrebatadora do espetáculo, o grito mais forte é: “Sem anistia!”. Petista e lulista doente, Sandra Terena pediu divórcio ao marido, o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, com a justificativa exclusiva da divergência ideológica irreparável. “Ele optou por defender Bolsonaro e a direita ao casamento”, explicou ela dias atrás. Eustáquio acredita ser este o primeiro divórcio por causa do ex-presidente mas certamente deve estar equivocado. Arrefecimento? A situação está apenas latente. Para que volte a florescer, será necessário um confronto nacional. Como ele só ocorrerá em dois anos, o urso está em hibernação. Mas pode escrever: infelizmente vai acordar faminto e sedento.