A volta dos mortos-vivos: a ‘renovação’ do PT
Diversos expoentes do PT que chegaram a ser presos por conta dos escândalos do mensalão e da Lava Jata, como Dirceu, Delúbio e João Paulo Cunha, e estavam afastados do partido, estão ressurgindo e influindo em congressos partidários
Por Vasconcelo Quadros
De volta ao debate interno em busca de forças para enfrentar o crescimento da direita, o PT partiu para uma renovação diferente, resgatando velhos militantes da geração 68, que caíram em desgraça por se desviarem da ética na política com a chegada ao poder, amargaram prisões e ostracismo, mas sacudiram a poeira e estão novamente no jogo político. Eles desfilaram com desenvoltura no Congresso do PT, em Brasília, na semana passada, onde a estrela mais cintilante foi o ex-ministro José Dirceu, que se movimentou com certa dificuldade diante do assédio de correligionários que o requisitavam para fotos e vídeos.
“Eles são muito bem-vindos. Só o PT consegue unificar as diferentes gerações. Ouço o Dirceu falar sobre política todas as manhãs. É um grande quadro do partido”, disse à ISTOÉ o deputado federal Elvino Bohn Gass, do PT gaúcho. Boa parte dos antigos dirigentes foi acusada de participar do escândalo do mensalão durante o primeiro mandato do presidente Lula e da Lava Jato, que envolveu os governos petistas, incluindo o de Dilma Rousseff.
Duas décadas depois, quase todos voltaram a militar no partido. Lá estavam também dois ex-tesoureiros petistas, Delubio Soares e João Vaccari Neto, que chegaram a ser presos durante a Lava Jato por ordem do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR).
O evento marcou também o retorno à vitrine do PT do ex-deputado e ex-presidente do partido, José Genoíno, que, ao contrário de Dirceu — que deve concorrer a deputado em 2026 —, afirma que não quer mais disputar cargos eletivos e vai atuar apenas como militante, mas com liberdade para fazer também a crítica interna.
Outro que estava desaparecido e que ressurgiu é o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, que tem defendido um movimento do partido para o centro como estratégia para ampliar a aliança que, a depender da saúde do presidente Lula, deve manter o PT como o cabeça de chapa na disputa presidencial de 2026, mas com um vice de integrantes da base aliada.
O congresso tinha como temas centrais a comunicação e estratégias de formação política de novos quadros, mas acabou se transformando numa fritura do ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação (Secom), diante de críticas ácidas disparadas pelo presidente durante a fala aos dirigentes do partido, por videoconferência, na sexta-feira, 6.
Lula apontou as dificuldades de adaptação dos ministérios à linguagem digital, exemplificando que, por falha na comunicação do governo, a população não sabe que em dois anos do Lula 3 ele fez mais pelo país do que nos oito anos dos dois primeiros mandatos juntos, entre 2003 e 2010.
Também exortou dirigentes e militantes a resgatarem o espírito do manifesto da fundação do PT, de 1980, em que um grupo de metalúrgicos, aliados a intelectuais e ex-militantes da luta armada, organizaram as bases de formação das gerações capacitadas para governar. A demissão de Pimenta é dada como certa no início da semana, mas quase tudo na política foi suspenso depois que Lula teve de se internar para realizar duas cirurgias na cabeça, consequências da queda que sofreu no banheiro do Palácio da Alvorada no dia 18 de outubro.
“Eles são muito bem-vindos. Só o PT consegue unificar as diferentes gerações. Dirceu é um grande quadro do partido.”
Bohn Gass, deputado (PT-RS)
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que as críticas do presidente estão corretas e levarão o partido a se reorganizar. “Teremos seis meses de debate para mudar e atualizar as posições, aprimorar e alcançar mais pessoas.”
Aberto o processo de disputa interna pela sucessão de Gleisi, em eleição prevista para junho do ano que vem, o PT deve escolher o dirigente que terá como tarefa principal a consolidação da recandidatura de Lula, negociando com a centro-direita sem abrir mão dos princípios programáticos voltados para as questões sociais.
O favorito na disputa é o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que tem o apoio de Lula e da maioria dos dirigentes do campo majoritário petista. Ele tem como adversários Paulo Okamoto, presidente da Fundação Perseu Abramo e do Instituto Lula, e o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (CE), que também disputa apoios na corrente majoritária Construindo um Novo Brasil, onde tem o apoio do irmão, José Genoíno.
O partido deve apoiar o candidato da direita à presidência da Câmara, Hugo Motta (União Brasil-PB), e terá papel central nas articulações da reforma ministerial, prevista para fevereiro do ano que vem, em negociações conectadas com a eleição nas duas Casas do Congresso. O calendário só será definido, no entanto, depois que o presidente Lula se recuperar das duas cirurgias na cabeça, realizadas esta semana.