O Brasil está menos pobre, segundo o IBGE; confira
Por Mirela Luiz
RESUMO
● IBGE atesta que País alcança menor índice de pobreza desde 2012, mas desigualdades persistem
● Percentual de brasileiros com renda abaixo da linha de pobreza também chegou ao menor nível
● Em um ano, mais de oito milhões de pessoas superaram a condição
Nos últimos 12 anos, a política econômica e social do Brasil passou por transformações significativas, refletindo desafios e avanços no combate à pobreza e à redução das desigualdades. Desde 2012, o País enfrentou períodos de crescimento econômico e crises profundas, como a recessão do período entre 2015 e 2016, com seguidas tentativas de recuperação econômica e fortalecimento de programas sociais. Iniciativas como o Bolsa Família foram ampliadas ao longo do tempo, contribuindo para avanços expressivos no combate à miséria, especialmente após o período conturbado da era Jair Bolsonaro, quando muitos brasileiros viviam em situação de extrema vulnerabilidade.
Entre as décadas, oscilações nos índices de pobreza foram evidentes, mas o esforço governamental em direcionar recursos à população vulnerável resultou na redução desses indicadores. Apesar do progresso, o Brasil ainda enfrenta desafios estruturais, como a persistente desigualdade de renda, marcada por disparidades raciais e de gênero. O crescimento econômico, as políticas públicas de redistribuição de renda e o aumento da formalização no mercado de trabalho foram essenciais para essa recente melhoria, apesar da necessidade do Brasil de avançar na construção de uma economia mais inclusiva.”É crucial que o País demonstre compromisso com a continuidade dessas políticas para consolidar essa percepção,” alerta a advogada especialista na área trabalhista Claudia Abdul Ahad.
Entre 2022 e 2023, o Brasil registrou uma queda significativa na pobreza, atingindo o menor índice desde 2012.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo IBGE:
● a proporção de pessoas com rendimento abaixo da linha de pobreza caiu de 31,6% para 27,4%, retirando 8,7 milhões de brasileiros dessa condição;
● em números absolutos, a população pobre recuou de 67,7 milhões para 59 milhões.
“A pesquisa traz dados objetivos e quantificáveis, sem espaço para opiniões polarizadas sobre se o País está melhor ou pior. Os números indicam que três fatores foram decisivos para a redução da pobreza extrema: reajustes do salário mínimo acima da inflação; o fortalecimento de programas sociais como o Bolsa Família; e a queda na taxa de desemprego, tanto no emprego formal quanto no informal,” destaca Davi Lelis, economista e sócio da Valor Investimentos.
Na extrema pobreza, a redução foi ainda mais marcante:
● a proporção caiu de 5,9% para 4,4%, com 3,1 milhões de pessoas superando essa situação;
● isso reduziu o total de 12,6 milhões para 9,5 milhões de brasileiros.
Esses avanços são atribuídos às políticas sociais e ao crescimento econômico impulsionados em grande parte por programas de transferência de renda. “A redução da pobreza dá ao Brasil a chance de ser visto como um País que busca seriamente priorizar dignidade e justiça social,” explica Ahad.
Para especialistas, a relevância desses programas vai além da simples transferência de renda, promovendo acesso à alimentação, educação e saúde para milhões de brasileiros. “Eles ajudam, mas o impacto maior vem de serviços estruturais, como educação e saúde, que geram mais vagas de emprego e ampliam o acesso a oportunidades,” afirma Lelis. Contudo, os desafios estruturais permanecem evidentes, especialmente ao analisarem as desigualdades entre grupos sociais.
Os ‘nem-nem’
A pesquisa revelou uma redução histórica no número de jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham, conhecidos como “nem-nem”. O grupo atingiu o menor número desde o início da série histórica, com 10,3 milhões de pessoas. Essa queda foi impulsionada pela melhora no mercado de trabalho e pelo aumento de oportunidades para a juventude. “Essa redução se deve à melhora no mercado de trabalho, ao aumento de jovens estudando e trabalhando e às mudanças demográficas que reduzem a população jovem”, destaca Denise Guichard, analista do IBGE.
Ainda assim, o número permanece elevado, com 21,2% dos jovens nessa condição em 2023.
Mulheres pretas ou pardas representavam 45,2% desse grupo, devido a barreiras estruturais no acesso à educação e ao mercado de trabalho. “Grande parte dos jovens que não estudam nem trabalham são mulheres negras e pardas, prejudicadas por barreiras estruturais e sobrecarga doméstica, agravando desigualdades sociais e econômicas,” adverte Davi Lelis.
Nas áreas rurais, os programas sociais tiveram papel essencial:
● 51% dos moradores dependiam desses benefícios, contra 24,5% nas áreas urbanas.
● Entre crianças e adolescentes de até 14 anos, dois em cada cinco viviam em lares beneficiados por essas políticas.
“Nas regiões rurais, os programas de transferência de renda são essenciais, pois há menos oportunidades de emprego e maior dependência de atividades locais, como pequenos comércios,” avalia Lelis.
Para o economista, nas cidades esses programas ajudam, mas o impacto maior vem de serviços estruturais, como educação e saúde, que geram mais vagas de emprego e ampliam o acesso a oportunidades. “Para tornar a redução da pobreza sustentável, precisamos investir na qualificação da força de trabalho. O foco deve ser em ampliar a oferta de emprego de qualidade e em diminuir a carga tributária que pesa sobre produtores e empreendedores”, ressalta.
O mercado de trabalho registrou 100,7 milhões de pessoas ocupadas em 2023, o maior número desde 2012. Contudo, as desigualdades persistem:
● o rendimento hora de trabalhadores brancos foi 67,7% maior que o de pretos e pardos,
● homens com ensino superior ganharam, em média, 41,9% mais que mulheres com a mesma qualificação.
Segundo André Simões, pesquisador do IBGE, os dados mostram que “há pobreza entre a população ocupada, provavelmente relacionada à vulnerabilidade social de alguns segmentos do mercado de trabalho. No entanto, a pobreza e a extrema pobreza entre os trabalhadores são menos intensas do que entre os desocupados.”
Apesar dos avanços na redução da pobreza e no aumento do emprego, a percepção no mercado financeiro segue mais pessimista. O crescimento de 3,2% em 2022 e a expectativa de 3,5% para 2023 indicam uma recuperação sólida, mas a alta do dólar, o aumento da taxa de juros e a inflação pressionada geram preocupação.
Essa dicotomia entre a realidade econômica e a percepção do mercado financeiro levanta questões importantes. A pesquisa recente da Quaest Consultoria aponta que o mercado financeiro, que deveria focar em alternativas de investimento mais racionais, parece ser influenciado por certo pessimismo e falta de previsibilidade nas contas públicas.
“Para atingir um avanço significativo, é essencial que o Estado reduza sua interferência e permita que o mercado opere de forma mais livre. Isso requer a simplificação de impostos e a redução do excesso de regulamentações,” pondera Raul Sena, educador financeiro.
Enquanto isso, o País avança na redução da pobreza e na criação de empregos, embora, no mercado financeiro, a preocupação com a dívida e a inflação permaneça.
É interessante observar como essas duas realidades, que parecem paralelas, podem coexistir. A economia real, com crescimento, mais empregos e maior renda está se desenvolvendo, mas o mercado financeiro segue mais focado em questões de curto prazo e incertezas fiscais. Esse contraste revela não só as complexidades da política econômica do País, mas também as diferentes visões e interpretações sobre o futuro do Brasil.