O escândalo da pedofilia na Paraíba
Por Marcelo Moreira
RESUMO
● Denúncia grave feita por cinco famílias abala o mais tradicional clã político paraibano, que já fez dois governadores
● Fernando Cunha Lima, o mais badalado pediatra do Estado, é acusado de abusar de crianças com idades entre quatro e 12 anos
● Entre as vítimas estariam duas sobrinhas, uma delas filha de seu irmão
Segredos de família costumam render roteiros mirabolantes de novelas de televisão no Brasil, México e Turquia, mas os fantasmas que assombram uma tradicional família da Paraíba jogaram luz em um passado tenebroso, revelando um escândalo explosivo. O médico pediatra Fernando Paredes Cunha Lima, de 81 anos, é acusado por pelo menos cinco famílias de abuso sexual contra crianças com idades entre quatro e 12 anos. Na esteira das denúncias, duas sobrinhas vieram a público para acusá-lo de atentados contra elas no começo dos anos 1990.
As primeiras acusações surgiram em julho, quando uma mãe que não é da família Cunha Lima procurou a Delegacia de Repressão a crimes contra a Infância e Juventude para denunciar abusos mais recentes no consultório, aos quais teria presenciado. Outros casos surgiram e as delegadas que investigam o caso pediram a prisão preventiva do médico. O primeiro pedido foi negado, mas nova incursão do Ministério Público na primeira semana de novembro obteve a decretação da prisão. Fernando Cunha Lima está foragido.
Com um consultório na nobre área de Tambauzinho, em João Pessoa, a capital da Paraíba, Fernando Cunha Lima é referência na pediatria na cidade, sendo reconhecido como o maior nome da área.
● Cuidou da saúde de crianças da elite paraibana, que se tornaram personalidades locais na política e na economia.
● Pertence à família mais representativa do Estado, que domina a política local há décadas.
● É primo dos ex-governadores Ronaldo Cunha Lima e seu filho, Cássio.
● Outro parente, Bruno Cunha Lima, acaba de ser reeleito prefeito de Campina Grande, a segunda maior cidade da Paraíba.
O caso dividiu a família. Sobrinho-neto de Fernando e ex-deputado federal, Pedro Cunha Lima prestou solidariedade à prima Gabriela Cunha Lima, sobrinha do pediatra, uma das vítimas: “Que pague pelo que fez. A punição para uma barbaridade desse tipo precisa ser exemplar. Resta exigir Justiça”. O ex-vice-prefeito de Campina Grande, Ronaldo Cunha Lima Filho, também parente de Fernando e tio de Pedro, saiu em defesa do acusado.
Sobrinhas
Com as denúncias recentes, o passado nebuloso e trágico do médico emergiu com as lembranças dolorosas de duas sobrinhas, encorajadas a desenterrar o segredo da família diante das revelações dos casos investigados pela polícia.
● Gabriela Cunha Lima é filha do irmão de Fernando, Arthur, e conta que foi abusada quando tinha nove anos, no início dos anos 1990, em uma confraternização da família. O ato chegou ao conhecimento do pai dela, que teria rompido com o irmão e o ameaçou. Em entrevistas a emissoras de TV, em julho, ela relatou que só contou sobre o ocorrido a familiares em 1993. Arthur Cunha Lima é conselheiro do Tribunal de Contas da Paraíba.
● Thais Gualberto, por sua vez, é sobrinha da mulher de Fernando Cunha Lima. Ela relata ter sofrido o assédio aos sete anos, também no início dos anos 1990. “Ocorreu uma vez só, na casa dos meus avós, em Campina Grande. Foi à noite, eu estava sozinha com ele. Só neste ano tomei coragem de contar para parentes e amigos depois que as primeiras denúncias surgiram”, contou Thais após seu depoimento na delegacia.
Em um primeiro depoimento à Polícia Civil, o médico negou as acusações e disse não saber os motivos das investidas contra ele. Depois da decretação da prisão preventiva, a defesa de Fernando Cunha Lima informou apenas que as denúncias são infundadas e que só se manifestaria depois de conhecer a íntegra de todas as acusações. Não mencionou quando o médico vai se apresentar à Justiça.
“Entendemos a gravidade das acusações. A prisão do acusado era necessária para que as investigações sigam sem intercorrências”, disse o promotor público Bruno Leonardo Lins, um dos autores do pedido de detenção.
A base do pedido está no inquérito que reúne relatos impactantes das supostas práticas do médico. A delegada Isabel Costa, que conduz as investigações, afirmou que Fernando Cunha Lima foi indiciado diante dos depoimentos contundentes. “Eles são semelhantes em relação à abordagem. Há muita proximidade nos detalhes, o que garante, em nosso entendimento, elementos robustos para o indiciamento.”
Fartura de provas
Quem representa a maioria das vítimas é o advogado Bruno Girão, que criticou a demora na decretação da prisão preventiva diante do que considera farta quantidade de provas. “Recebi informações de que podem existir mais casos e que pessoas estão procurando informações sobre como proceder diante das denúncias contra o médico. É um caso muito grave”, disse o advogado. “Ele já está indiciado em dois inquéritos e há bastante coisa a ser apurada. Além dos depoimentos contundentes de vítimas e testemunhas, há provas periciais que embasam o pedido de prisão, que demorou a sair. É preciso evitar que o médico influencie eventuais novos depoimentos de vítimas e testemunhas.” Que a Justiça funcione neste caso, que certamente jamais será esquecido pelas vítimas.