Dalai Lama conta sua fuga para o exílio em documentário com visão poética
O documentário 'Nunca Esqueça o Tibet: A História não Contada do Dalai Lama' narra o sofrimento e os ensinamentos do líder espiritual perseguido até hoje pelo governo chinês
Por Luiz Cesar Pimentel
Pela primeira vez na história, o 14º Dalai Lama narra em detalhes a sua incrível fuga para o exílio, das montanhas do Tibet até a Índia, episódio ocorrido em 1959 após a invasão chinesa. O documentário Nunca Esqueça o Tibet: A História Não Contada do Dalai Lama, disponível na AppleTV+, traz uma entrevista com o Dalai Lama e oferece perspectivas sobre seus ensinamentos de paz e compaixão.
Dirigido por Jean-Paul Mertinez e narrado por Hugh Bonneville, o longa traz uma visão poética da jornada do líder espiritual, incluindo correspondências raras com líderes globais e temas contemporâneos, como mudanças climáticas e direitos humanos. Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Mertinez falou sobre o longa e a importância histórica de sua obra.
Qual é o tema do documentário?
O filme oferece uma rara oportunidade para entender a luta tibetana. Ele não se limita à história, mas a fazer a conexão entre passado e presente, levando os espectadores a compreenderem o que a sabedoria do Tibet tem a oferecer nesse mundo tão fragmentado.
O fato de o filme ser independente ajudou a manter a liberdade criativa?
Sim, os grandes estúdios não gostam muito de tratar de temas politicamente carregados. O verdadeiro desafio, no entanto, foi transformar essa história ampla e multifacetada em uma narrativa envolvente para o público.
Existem coisas que não puderam ser incluídas devido à censura chinesa?
Não hesitamos em enfrentar as duras verdades. O próprio título, Nunca Esqueça o Tibet, é uma declaração por si só. Queremos que as pessoas se perguntem: por que não devemos esquecer? O que está acontecendo lá e por que está sendo silenciado? O longa apresenta questões difíceis e respostas profundas, quero envolver as pessoas.
“O próprio título do filme, Nunca Esqueça o Tibet, é uma declaração
por si só. Queremos que as pessoas se perguntem: por que não devemos
esquecer? O que está acontecendo lá?”
Jean-Paul Mertinez, diretor
Por que ainda há tanta perseguição aos tibetanos hoje em dia?
Isso decorre da ameaça que a paz e a não violência representam para sistemas baseados no poder e na ganância. Figuras como Mahatma Gandhi e John Lennon enfrentaram o mesmo tipo de resistência porque defendiam ideias que ameaçavam instituições corruptas. No Tibet não é diferente. Há grandes interesses econômicos em jogo.
Como a sociedade pode avançar, segundo o Dalai Lama?
Sua Santidade diz que muitos dos problemas do mundo estão enraizados num pensamento ultrapassado e movido pelo medo. Precisamos de uma mudança de paradigma nas lideranças. A rica tradição tibetana de compaixão tem papel crucial nesse caminho.
Como tem sido a reação ao filme?
Quando o documentário estreou no Reino Unido, o escritor Deepak Chopra comentou que “todos os líderes mundiais são criminosos”. Por mais dura que essa frase possa parecer, ela reflete a realidade mais ampla em que vivemos, onde a bondade e a paz são vistas como ameaças por aqueles que estão hoje no poder.
O que acontecerá com o Dalai Lama em relação à reencarnação?
O budismo tibetano carrega o conceito do Bodhisattva, “alguém que retorna à vida para aliviar o sofrimento do mundo”. Isso garante que o Dalai Lama continuará a reencarnar até que o sofrimento global seja erradicado. Esse renascimento pode nem ser no Tibet, e essa imprevisibilidade adiciona uma dimensão fascinante à conversa.
Ele poderia nascer na China?
Claro, a China tem sua própria agenda e tenho certeza de que tentarão “fabricar” seu próprio Dalai Lama quando chegar o momento. Mas como o filme mostra, isso é mais que um jogo. A autoridade espiritual do Dalai Lama não pode ser ditada pela política.
Qual sua expectativa sobre a reação ao filme no Brasil?
Nunca Esqueça o Tibet é mais que um filme, é uma plataforma para uma conversa que o mundo precisa desesperadamente ter. Seu lançamento nas principais plataformas de streaming é um grande avanço. Acredito que o público brasileiro encontrará uma história esclarecedora e comovente. Ele não é uma obra apenas para ser vista, mas para ser vivenciada com o coração e a mente. Cada exibição é um passo em direção a um mundo com mais compaixão.