Governo Trump pode acirrar ainda mais as tensões na Europa; entenda
Por Denise Mirás
RESUMO
● De volta ao poder nos EUA, Donald Trump quer sobretaxar produtos e acabar com a guerra na Ucrânia
● Acuados, os governos europeus serão obrigados a se articular para sobreviverem como bloco
No primeiro mandato, o republicano Donald Trump conseguiu reformular a geopolítica do planeta, acentuar o isolacionismo americano e fortalecer grupos da direita extremista em países tradicionalmente moderados. O que esperar agora da política externa em seu segundo mandato como presidente dos EUA? Além da degradação interna da democracia, o planeta prevê um endurecimento ainda maior nas relações internacionais, com sua postura de America First (América Primeiro) e o fantasma revivido da China como “inimiga número um”. Esse discurso estremece a Europa, que ainda tenta se recuperar economicamente após passar pela pandemia e enfrentar o alto custo de vida instalado pelo corte do gás russo com a guerra na Ucrânia e a chegada em massa de imigrantes.
Governos se mostram instáveis, como os das pontas-de-lança França e Alemanha, que não terão mais os bilhões americanos em recursos financeiros e equipamentos bélicos despejados na Ucrânia “para defender o continente de uma expansão russa”. A Europa se vê acuada diante do furacão Trump. Terá de buscar novas formas de articulação política entre seus países-membros se quiser sobreviver como bloco.
Efeito Tsunami
Donald Trump tomará posse em 20 de janeiro de 2025 e os efeitos de seu novo mandato são esperados como um tsunami pelo mundo. Doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics, Carolina Pavese destaca o crescimento de polarizações e disputas ideológicas: “Como bloco, a Europa deve vivenciar uma pressão maior para deliberar sobre questões críticas da integração que, até o momento, têm sido ignoradas ou trabalhadas de maneira mais conciliatória e sem sucesso. Divisões políticas que tendem a se acentuar, potencializando velhas e novas tensões, vão impor a necessidade de se estabelecerem novas formas de articulação política entre os países-membros”.
“Não, eu não protegeria você. Eu os encorajaria a fazer o diabo que quisessem. Você é que tem de pagar suas contas.”
Donald Trump, próximo presidente americano, citando resposta a um líder europeu sobre bilhões para defesa diante da Rússia
Carolina observa que a vitória de Trump se manifesta no continente em um momento crítico de crise internas, com peculiaridades de cada país, mas também do bloco, como ator de peso nas relações internacionais. “Temas de tensão nas relações transatlânticas incluem a estratégia para resolver a guerra na Ucrânia, o incremento do protecionismo comercial dos EUA e seu impacto nas relações com a Europa e disputas na regulamentação das plataformas de mídias sociais e Inteligência Artificial, além do esvaziamento das agências e organismos multilaterais”, assinala.
Sobre “acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas”, Carolina diz que Trump deverá, sim, pressionar a Europa para que seus países-membros aumentem gastos militares em relação ao PIB e mostrem presença maior no conflito, sob ameaça de redução drástica de apoio financeiro e armamentista dos EUA. “Nesse cenário, alguns líderes europeus falam em traçar uma agenda de segurança mais independente, o que o presidente francês, Emmanuel Macron, tem chamado de ‘autonomia estratégica’. Mas não há consenso nem condições militares na Europa para isso.”
A Alemanha, por exemplo, se debate em uma grave crise interna, com o primeiro-ministro Olaf Scholz à beira do abismo. O governo de coalizão ainda vê o recrudescimento dos neonazistas em movimentos ou partidos como a AfD (Alternativa para a Alemanha, em português) prontos para avançar nas eleições a serem antecipadas.
Pauta conservadora
Taxas prometidas por Trump entre 10% e 20% para produtos importados, chegando a 60% no caso da China, alertam a Europa, que acenou com possibilidades de retaliação no caso de seus produtos. Mas os europeus ainda precisam se preocupar com o aumento da concorrência dos próprios chineses, barrados nos EUA, ainda mais com a inovação tecnológica de ponta, porque não têm as mesmas condições para seguir a taxação dos EUA. “A exemplo dos EUA, os países europeus ainda dependem da China para assegurar a transição a uma economia verde com relação a produtos tecnológicos, indústria automotiva e matéria prima crítica (para setores estratégicos como aeroespacial, digital e defesa)”, diz Carolina.
Os efeitos do trumpismo devem causar impacto na agenda da governança climática. Em seu primeiro mandato, o republicano retirou a participação dos EUA do Acordo de Paris, que sequer vê cumprido seu teto estipulado de 1,5 grau no aquecimento do planeta até 2050. “Também deve haver esvaziamento das organizações internacionais, com os EUA abandonando o multilateralismo ou utilizando essas arenas para avançar com sua pauta conservadora, contra as minorias, inclusive nos direitos das mulheres e da população lgbtqiap+.”
No caso da Europa, Trump ainda abre caminho para que mais países adotem posições politicas similares, contando com velhos e novos aliados na Europa, como Hungria e Itália, e afastando o bloco de uma posição coesa em relação a esses temas. Como resultado, segundo a professora, as divisões na União Europeia serão acentuadas.
“Pelas estratégias de campanha de Trump, vimos a legitimação do ódio e das fake news, o fortalecimento da xenofobia e a ruptura da lógica com que a democracia operava”, destaca Carolina. “Haverá um efeito-cascata de permissividade e endosso dessas agendas, criando uma forte oportunidade para partidos com ideias análogas em outros países ampliarem suas frentes. Já acompanhamos esse avanço na Europa.” Trump, definitivamente, não trará notícias boas para os europeus.