Por que não sou ateu

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Luiz Cesar Pimentel: "Se não existe a noção de tempo, é muito mais fácil entender e aceitar conceitos como onisciência, onipresença e onipotência" (Crédito: Divulgação)

Por Luiz Cesar Pimentel

Deus, para mim, nunca foi uma necessidade. Nunca vivi nem vivo em opulência, e mesmo tendo uma criação baseada na ideia de escassez, e não de fartura — bem católica romana, como minha mãe era —, não me faltou teto nem passei fome. Tampouco tive algum problema de saúde que me obrigasse a estreitar a relação com um poder superior que me abençoasse fisicamente com o milagre da cura. E mais: vivo e sobrevivo em um plano intelectual, entre o corporativo e o acadêmico, sempre estudando, pesquisando, apurando e escrevendo. Possuo todos os predicados para negar a existência de Deus ou, no máximo, flertar com o agnosticismo, mas decepciono os ateus na minha crença.

Minha primeira confissão é que, desde que consigo lembrar, sentia culpa pesadíssima só de considerar a não-existência divina. Ao usar dois termos católicos, entrego a formação que tive. Mas não sou católico. Confio, talvez, em cerca de 50% do que prega a Igreja, principalmente sobre filosofia de vida. Mas creio 100% em Deus. Se fosse jogador de futebol, comemorar o gol apontando ao céu não seria hipocrisia.

Apesar de levar jeito para a coisa, só fui entender que não sou ateu pela perspectiva com que encaro o divino. Resumidamente, não pela tentativa de adequá-lo à minha humana realidade, mas de uma empatia megalômana celestial. E por aceitar que a verdade existencial terrena não deve ser a única. Milagres e fatos sobrenaturais só podem ser explicados dessa forma. Ao admitir uma outra possibilidade além da nossa física teórica — altura, largura, profundidade e, principalmente, tempo — e da cosmologia física, que explica a estrutura e dinâmica do universo, vi possível uma condição onde Deus não é um indivíduo à nossa semelhança que tudo sabe e tudo pode. Se não existe a noção de tempo, é muito mais fácil entender e aceitar conceitos como onisciência, onipresença e onipotência.

Com um Deus etéreo (ou vários, já que também estou abrindo mão de conceitos como quantidade), torna-se mais crível um supremo Criador, que desconhece princípio ou fim, e que opera sem manual de instrução religioso — e sem precisar de líderes terrenos que acham que O conhecem melhor que o restante da humanidade. Ainda mais em um universo não limitado à rigidez que conhecemos e vivemos, em um multiplano flexível a possibilidades infinitas.

A grande vantagem que tudo isso me confere é a autonomia para ignorar dogmas de caráter duvidoso. Especialmente aqueles que pregam a intolerância religiosa, moralidade sexual, ideologias totalitárias, promovem sacrifícios e sugerem ‘guerras santas’. Essas são as leituras que mais desgraças e mortes trouxeram à humanidade. Como são traduzidas como ordens divinas, aí é que nunca me convencerão da existência de Deus. Transferir a Ele/a as mais nocivas inclinações humanas, da intolerância à perversão, é tão covarde quanto indevido. Nesse Deus não é possível acreditar mesmo.