Brasil corre atrás dos EUA
Por Carlos José Marques
Sacramentada a eleição norte-americana na qual o Brasil claramente mostrou que tem lado, optando pela derrotada Kamala Harris, vem agora a parte mais difícil para o governo Lula, que é a de estabelecer pontes com a gestão do inefável mandatário dos EUA, Donald Trump. Foi um erro diplomático essa postura açodada de declarar preferências em uma disputa tão renhida? Sem dúvida. Mas, estrago feito, chega a hora de repavimentar a trilha das boas relações. Afinal, como parceiro estratégico, os EUA não podem ser ignorados, muito menos provocados. O governo brasileiro crê piamente que interesses financeiros, de lado a lado, prevaleçam sobre a mera pendenga ideológica/política. É sabido que, Trump, como de resto todos os extremistas, costuma misturar os dois canais e pauta um de acordo com o outro. O setor privado nacional terá de atuar firmemente para que isso não atrapalhe o fluxo do comércio bilateral. É vital, inclusive, para os futuros resultados do PIB aqui, que precisam urgentemente ganhar novo fôlego. Os EUA despontam desde sempre como os maiores investidores em negócios no País. Possuem mais de US$ 230 bilhões em estoque de inversões. De uns tempos para cá vêm perdendo a hegemonia na balança de transações devido ao avanço consistente dos chineses com suas vendas “xing ling”. Nessa correlação de forças, aliás, o Brasil também terá de se equilibrar com muita habilidade, uma vez que tais parceiros andam às turras, numa queda de braço sem fim pela liderança no mundo em todas as áreas. São nuances de uma virada de cenário no tabuleiro global, que requer cuidado. O Itamaraty trabalha com a hipótese de Trump se apresentar de forma pragmática nesse segundo mandato. Isso não significa que ele estará mais afável. Apenas deve incluir na tomada de decisões o voto e a orientação de seus aliados empresariais que, sim, possuem enormes interesses no Brasil. Muitos executivos de matrizes norte-americanas classificam o País como prioritário e isso conta. Trump ainda precisa garantir esse bom convívio por uma questão de natureza geopolítica, para influir de forma efetiva sobre o Mercosul e também no que se refere ao peso relativo brasileiro no campo da sustentabilidade ambiental e da transição energética. Temas caros, nos quais os EUA não têm evoluído bem. De todo modo, nunca é demais alertar e lembrar que Tio Sam deverá, concretamente, impor um protecionismo sistêmico, com tarifas de importação de mercadorias mais elevadas e simpatia às demandas de produtores locais em diversas áreas, do agronegócio aos itens siderúrgicos. Lula e sua equipe econômica estão, decerto, diante de uma nova ordem internacional, com poucas probabilidades de acordos de livre comércio pela frente. Washington mantém relações muito mais amistosas, amigáveis mesmo, justamente com o adversário direto do demiurgo de Garanhuns, o ex-presidente Jair Bolsonaro e, especialmente, com o seu filho Eduardo, que também atende pela alcunha de “Dudu Bananinha”. Existem já algumas áreas de interesses nacionais nas quais podem ocorrer retrocessos. Por exemplo, o provável estímulo dos EUA trumpista ao petróleo deve atrasar os negócios no setor energético, prejudicando o plano de expansão brasileira nesse aspecto. Também o legado do País no comando do G20 corre risco de ser esvaziado com o não cumprimento de acordos por parte do futuro ocupante da Casa Branca. Há sinais de revitalização do negacionismo climático, e também a aliança global contra a fome e a pobreza – temas caros e estratégicos da gestão Lula – pode sair arranhada. A figura de Trump de volta ao comando, como o homem mais poderoso da Terra, impõe desafios alarmantes e sua vitória já criou tensões para todos os lados. A sedução autoritária ameaça a sobrevivência da liberdade em diversos cantos do planeta e as eleições na nação de Tio Sam trouxeram um ingrediente mais amargo nesse sentido. Para dar um sinal de como pretende seguir, Trump já escolheu como diretor de imigração um nome conhecido por seu trabalho de separação de famílias que vão ilegalmente tentar a sorte em solo norte-americano. Trump já lhe concedeu a alcunha de “czar da fronteira”. A vitória que impôs nas urnas é hoje o principal gatilho comercial, social, político e econômico a assombrar o mundo. Que não seja disparado.