República das barganhas: entenda como PT e PL combinam o toma-lá-dá-cá
Por Vasconcelo Quadros
RESUMO
● Hugo Motta avança como favorito à sucessão de Lira
● Deputado tem apoio da esquerda de Lula e da direita de Bolsonaro
● Ele promete manter emendas e anistia aos golpistas
● Sem contar o pacote de privilégios que tem até vaga no TCU para o PT
O amplo favoritismo do líder do Republicanos, Hugo Motta (PB), na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, com a adesão maciça dos partidos, desencadeou um forte processo de troca de favores e distribuição de privilégios que, além de institucionalizar o toma-lá-dá-cá como moeda de campanha, ameaça esvaziar a própria esquerda como força ideológica no Legislativo. Com as urnas mostrando o crescimento da centro-direita, o resultado da eleição marcada para o início de fevereiro terá reflexo direto na sucessão presidencial de 2026, conforme avaliação de especialistas.
O maior empurrão da esquerda para a centro-direita foi dado pelo PT, que reivindicou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principal fiador de Motta, uma das duas vagas que se abrirão no Tribunal de Contas da União (TCU) até 2026.
Barganha por cargos, comando de comissões, relatorias ou mais espaços no Congresso é parte do jogo e voltou à moda com intensidade, mas é a primeira vez que o colegiado que cuida das contas do governo entra como fator de negociação.
Esperto, Lira concordou com a fisiologia petista e garantiu que o partido terá uma cadeira no TCU. Logo em seguida aderiram de cambulhada o PCdoB, PV, PDT e PSB, quebrando resistências à esquerda e deixando os outros dois nomes da direita, Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Antônio Brito (PSD-BA), muito à vontade para abrirem mão da disputa. Nas negociações entabuladas, embora ainda extraoficialmente, os dois devem jogar a toalha. Nascimento ganhou a relatoria sobre o projeto das emendas e Brito uma vaga na futura Mesa da Câmara, provavelmente a vice-presidência.
“Esse tema da anistia aos golpistas é muito importante e será debatido na Câmara.”
Hugo Motta, deputado Federal (Republicanos-PB)
Ao que tudo indica Motta será o continuísmo da gestão Lira, que preside a pior composição parlamentar da história, cuja plataforma principal foi o “sequestro” e o controle do Orçamento do governo por meio de emendas parlamentares e pautas de costumes vinculadas ao conservadorismo, como a bizarra tentativa de estender ao aborto a mesma pena de um homicídio.
Nada é mais ilustrativo do acordo em curso, no entanto, do que a notável convergência entre PT e PL que, depois de seis anos de polarização, coloca lado a lado o presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro no apoio e consolidação antecipada da vitória do deputado paraibano, símbolo da direita rejuvenescida alimentado por uma esquerda que, com exceção do PSOL, já não dá mais combate.
O deputado Guilherme Boulos (PSOL), depois de se recuperar da derrota na eleição em São Paulo, foi um dos poucos a alertar: a esquerda, diz ele, caminha para “o suicídio” caso se movimente mesmo em bloco para o centro.
Ele aponta um fenômeno político que chamou de “americanização” de um espectro que, afirma, reúne nos extremos o secretário de Governo de São Paulo, Gilberto Kassab, e o jovem prefeito de Recife, João Campos (PSB), esperança de contraponto ao avanço da direita no país.
O líder do PSB, Gervásio Maia (PB), amigo de Motta, respondeu com uma alfinetada: “Cada um deve refletir sobre sua caminhada. É visível que a população não simpatiza mais com os extremos. A Casa é plural. Estranho seria um pensamento único”. O PSB, segundo afirma, não reivindica cargos, mas quer a relatoria de projetos que deem visibilidade à bancada.
Na terça-feira, 5, num evento na sede do PSB, em Brasília, Campos, que é também vice-presidente do partido, foi o mestre de cerimônias da adesão em bloco da bancada de 14 deputados na Câmara à candidatura de Motta. Ao lado da namorada, a deputada e candidata derrotada na eleição em São Paulo, Tabata Amaral, Campos se esmerou em elogios à juventude e a capacidade política de Motta que, segundo ele, é um “construtor de convergências”, aglutinando uma frente ampla de partidos e crenças diferentes. “Hugo tem o compromisso de colocar a Câmara ao lado do povo e para o que é essencial, ao Brasil”, disse.
Pouco antes, com entusiasmo, Tabata profetizava que a vitória de Motta “vai ser quase por aclamação”. Ela não deixa de ter razão: se tudo correr como se espera, a cria deve superar o criador. Lira foi reeleito no ano passado com 464 votos, um recorde histórico, com apoio de 20 partidos que, juntos e misturados, com Lula e Bolsonaro na linha de frente, estão agora no caldeirão que vem sendo aquecido pela direita.
O poder deAlcolumbre
As eleições de Motta na Câmara, e do senador Davi Alcomumbre (União Brasil-AP) na presidência do Senado, em fevereiro, tidas como certas, darão ao Congresso a hegemonia sobre os palanques que estão sendo montados para a sucessão presidencial de 2026.
Correligionário, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, disse à ISTOÉ que Alcolumbre deve ter o apoio de 69 dos 81 senadores, o que daria a ele um recorde de votação.
O líder do PT no Senado, Beto Faro (PA), depois de conversar com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, fez um anúncio público garantindo que todos os nove votos do PT no Senado serão de Alcolumbre. Lula e a esquerda se movimentam para o centro e para a direita, mas não há nenhuma garantia de que os dois honrem os tantos compromissos que estão assumindo.
Menos ainda que irão fazer gestões para repetir a frente ampla de 2022 que, se por um lado deu apoio aos projetos de economia, por outro abocanharam juntos, como cotas do Republicanos e União Brasil, seis ministérios. Ao contrário, os sinais são de agravamento dos conflitos entre os Poderes, com a extrema direita certa de que Alcolumbre colocará na pauta o impeachment do ministro Alexandre de Moraes e que a Câmara inventará um cambalacho jurídico para tentar devolver os direitos políticos de Bolsonaro.
“Há o compromisso nosso com o PT de eles indicarem um nome para a vaga no TCU.”
Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados
Tratada até pouco tempo em discretas conversas de bastidor, a anistia aos extremistas é agora defendida abertamente pelo PL e se tornou um compromisso de Lira em votar essa aberração antes de deixar o cargo. “Vai ter uma tramitação rápida. Na palavra do presidente Arthur Lira vai terminar antes de ele deixar o cargo”, afirma o deputado Altineu Côrtes, líder do PL.
Nas conversas com Lira e Motta, evangélicos e bolsonaristas condicionaram a anistia como a contrapartida mais importante para o PL aderir ao acordão na Câmara. Tanto Alcolumbre quanto Motta repetem a pregação de um Congresso forte e independente, mas o que justifica o amplo apoio é, na verdade, a costura de um acerto para impedir a redução das emendas parlamentares e o rastreamento retroativo dos recursos liberados nos últimos anos sem a transparência que o Supremo Tribunal Federal exige.
“Nesse processo eu já comecei perdendo. Perdi um amigo que considerava que era meu melhor amigo.”
Elmar Nascimento, deputado do União-BA
A força da direita
O perfil de Motta e os compromissos que ele vem assumindo com Lira apontam para o fortalecimento da direita, sem a garantia de que os votos que deve receber da esquerda possam ser traduzidos em apoio à reeleição de Lula. Ele fez parte da tropa de choque do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi um dos principais incentivadores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — fato que o PT parece ter esquecido — e ao longo dos quatro mandatos como deputado federal esteve sempre ao lado do retrocesso que vem sendo promovido pela tríade apelidada de BBB, referência às bancadas da bala, boi e bíblia, que unem deputados originários das forças reacionárias de segurança, do ruralismo atrasado e do evangelismo fanático.
Motta é filiado às frentes ruralista e evangélica.
● Originário de um clã antigo da Paraíba, o provável futuro presidente da Câmara tem uma passagem apagada como parlamentar, mas brilhante em causas bombásticas da direita, como o conflito com o Supremo Tribunal Federal, a supressão de direitos dos povos originários como signatário do projeto que instituiu o marco temporal e outro que abre as terras indígenas para a mineração.
● Ajudou também a derrubar o veto presidencial ao projeto do deputado Eduardo Bolsonaro que proíbe o uso de recursos federais em ações que tratem de invasão de terras, aborto ou que “atentem contra a família tradicional”, como transição de gênero.
● Como líder do Republicanos, foi a favor do acordo em que Lira por pouco não colocou em votação, em junho, a proposta que equipara a decisão de aborto a crime punível com pena igual ao homicídio. Seus principais cabos eleitorais, Lira, o senador Ciro Nogueira e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, são a nata da direita no Congresso.