Comportamento

Florestas verticais

Prédios com árvores incrustadas na fachada fazem, cada vez mais, a paisagem das grandes cidades. Especialistas apostam no florescimento de um novo movimento na arquitetura de diversos países

Crédito: Divulgação

Habitação social: Wonderwoods, na Holanda, terá 10 mil plantas de 30 espécies (Crédito: Divulgação)

Por Ana Mosquera

Palmeira juçara, pitangueira, jabuticabeira, uma série de ipês. O que parece um cenário idílico, a quilômetros das grandes cidades, pode ser avistado a poucos metros de avenidas e marginais metropolitanas, em diversos países. O primeiro prédio que inaugurou a inserção de árvores e arbustos nas torres de concreto foi o Bosco Verticale, em Milão, projetado pelo pioneiro e sumidade no assunto, o italiano Stefano Boeri. Ele está envolvido em dois projetos importantes: uma segunda habitação social na Holanda e algo similar em Dubai, sede da Conferência da ONU para as Mudanças Climáticas de 2024.

No Brasil, obras grandiosas que mesclam vegetação e concreto já podem ser contempladas e outras começam a estender os primeiros galhos rumo a uma arquitetura de conexão profunda com o natural. Se os jardins de espécies estrangeiras enfeitando lobbies de residenciais e corporativos apareceram como tendência, o novo modelo de paisagismo de fachada transmite perenidade.

“Acho que isso vai ser entendido pelas futuras gerações como um momento em que a arquitetura passa a incorporar a natureza real e autêntica dentro da cidade”, fala o paisagista e botânico Ricardo Cardim.

Natureza concreta: na selva de edifícios, Alex Allard idealizou a mata nas alturas (Crédito:Marco Ankosqui)

Do alto da sua rusticidade, os pedaços de floresta na paisagem urbana trazem inúmeros benefícios — tanto para os ocupantes dos prédios quanto aos habitantes do entorno. O novo projeto de Boeri no centro de Utrecht deve ajudar a purificar o ar, ao produzir 41 toneladas de oxigênio e absorver 5,4 toneladas de gás carbônico.

No interior, a redução da temperatura diminui a necessidade do ar condicionado. As conseqüências vão mais longe. “É uma máquina de qualidade de vida e uma bomba de biodiversidade nativa, porque vai espalhar sementes por meio de polinizadores e dispersores por toda a cidade”, diz o paisagista.

O poder do símbolo

Para Alex Allard, empreendedor, empresário e CEO da Cidade Matarazzo, mais do que um prédio com árvores, a proposta é criar um símbolo. “Ele fala sem fazer nada. É muito mais poderoso do que a comunicação com palavras”, diz.

Em meio ao complexo de luxo na capital paulista, a Torre Mata Atlântica, projetada pelo arquiteto francês Jean Nouvel, reúne espécies nativas ao longo dos 22 andares que se dividem entre hotel e unidades privativas.

A supermodel internacional Isabeli Fontana vive em um dos apartamentos e a proximidade com o verde pesou demais na escolha do novo lar.

“Antes, dava fim de semana e a gente fugia para qualquer lugar fora de São Paulo. Aqui, nasceu algo dentro de mim que não achei que fosse nascer.”
Isabeli Fontana, supermodel internacional

Foram oito anos de pesquisa ao lado de engenheiros e cientistas para superar os desafios de recriar o ecossistema nas alturas e serão infinitos outros até a edificação se transformar em uma “árvore gigante”, nas palavras de Allard.

São inúmeras as mensagens disseminadas pelas florestas verticais no cotidiano das metrópoles: longevidade, bem-estar, resiliência, sustentabilidade, empatia, educação.

“O paisagismo do século XXI vem muito mais em parceria com a natureza, não como um domínio sobre ela”, esclarece Cardim.

Vetor de sementes: Ricardo Cardim entre milhares de exemplares nativos no Parque Gamaro (Crédito:Andre Lessa)

Novo Habitat

“Os desafios são enormes, a começar pelo tamanho. Eu queria desde o início que as árvores fossem grandes, para imediatamente acertar o objetivo de criar um símbolo”, relembra Allard.

Apesar de não caminharem, elas, assim como a construção, se movem de lugar. As paredes impedem a passagem do vento, a profundidade da terra está longe de alcançar os limites reais, a manutenção demanda profissionais especializados. “Em meio à terra você tem uma grelha para as raízes se fixarem e isso mimetiza a flexibilidade do solo quando tem uma tempestade”, exemplifica.

No coração da metrópole: projetada por Jean Nouvel, Torre Mata Atlântica desafia a dureza urbana (Crédito:Marco Ankosqui)

As barreiras vão além da logística de erguer árvores com guindastes e da escolha da terra ideal, durável e leve, a dar base à floresta suspensa.

Para que mais prédios arborizados tomem conta das zonas urbanas é preciso ter incentivos públicos, como isenção de impostos, e pesquisas acadêmicas sobre esse movimento da arquitetura.

“Os edifícios estão prestando um serviço para toda a comunidade. Inclusive um serviço que deveria ser obrigatoriedade das prefeituras, que é oferecer mais espaços verdes nas áreas urbanas adensadas.”
Ricardo Cardim, paisagista e botânico

Promover espaços verdes colabora para mitigar o caos urbano, além de direcionar o olhar para a emergência da preservação ambiental. “Se nós temos a capacidade de resgatar um pedacinho dessa ligação, isso vai crescer com a humanidade e um dia ninguém mais vai perguntar: ‘eu tenho de proteger a natureza’?”, visualiza Allard.