Quer viver como jovem depois dos 60? Confira dicas de sessentões e especialistas
Os sessentões adotam padrões de comportamento e consumo antes exclusivos dos bem mais novos. Exibem vigor no trabalho, cuidam da saúde e cultivam relações sociais, culturais e afetivas com disposição. A nova realidade obriga o mercado a se adaptar às exigências dessa ‘economia prateada’ — e lucrar muito com ela
Por Eduardo Marini, Luiz Cesar Pimentel e Mirela Luiz
RESUMO
• Avanços da medicina e da ciência asseguraram rejuvenescimento físico e comportamental à Geração 60+, o que gerou novas expectativas de qualidade de vida e bem-estar
• Em 2030, daqui a cinco anos e meio, o número de brasileiros da Geração 60+ ultrapassará o total de crianças e adolescentes com idades entre zero e 14
• Empresas precisam ficar alertas para as demandas da geração prateada: a centralidade econômica dos idosos nos lares brasileiros faz com que tenham grande influência nas decisões de compra
• Desafio é vencer o preconceito e a discriminação, comportamento identificado como etarismo (ou “idadismo”)
Os atores e produtores americanos Brad Pitt e George Clooney, a personal trainer e apresentadora paulistana Solange Frazão e o modelo e educador físico Nil Marino, paulista radicado em Florianópolis (SC), são personagens desta reportagem. Pitt tem 60 anos, Clooney, 63, e os dois brasileiros, 61. Impossível brigar com as imagens: o tempo, cruel para todo mortal, foi, é e, ao que literalmente parece, continuará a ser injusto a favor dos quatro. Eles são exemplos modelares, quase perfeitos, de uma revolução particular, provocada por um fenômeno promissor: o rejuvenescimento, em todos os quesitos e aspectos, da Geração 60+.
Distantes dos rótulos de estagnação e dependência, historicamente atribuídos às pessoas nessa faixa etária, sessentões contemporâneos entram oficialmente na categoria de idoso que fornece transporte público, cadeiras, lugares em filas e vagas de estacionamento preferenciais e sem custo, com a determinação de construir mais uma fase produtiva da vida, e não a de receber o carimbo definitivo de velho.
“Considero antienvelhecimento um conto de fadas. O segredo para envelhecer bem
é tratar da pele de forma saudável.”
Brad Pitt, ator e produtor, dias antes de fazer os atuais 60
Eles adotam cada vez mais fortemente, no Brasil e em todo mundo, padrões de interação, comportamento e consumo antes exclusivos daqueles com idades entre os 30 e o final dos 50.
• Autônomos e ativos, exibem vigor no mercado de trabalho, seguem praticando esportes, cuidam da saúde e cultivam relações sociais, culturais e afetivas com disposição maior do que a de muito garotão.
• O cenário provoca correria nas sociedades e agentes de mercado para oferecer produtos, serviços e estruturas adaptados aos gostos reciclados dessa fatia reciclada da economia, chamada pelos especialistas de ‘prateada’.
• E, obviamente, ações para abocanhar parte dos benefícios e lucros gigantescos que os novos apelos da juventude sessentona começam a proporcionar.
A mina certamente terá fôlego para entregar ouro por muito tempo. A 60+ será a única faixa etária a crescer no mundo por todo o Século 21. De 195 milhões de pessoas em 1950, passou a 600 milhões em 2000 e bateu no bilhão em 2018. Deverá alcançar a marca de dois bilhões em 2048 e de três bilhões em 2100.
No Brasil, os com 60 anos ou mais somam hoje 32,1 milhões, 15,1% da população de 212,5 milhões. Serão 66,5 milhões em 2050 e 75,3 milhões em 2070.
O País, por sinal, envelheceu antes de ficar rico. Em 2030, daqui a cinco anos e meio, o número de brasileiros da Geração 60+ ultrapassará o total de crianças e adolescentes com idades entre zero e 14.
“Estamos redefinindo o que é envelhecer. Ainda somos produtivos e cheios de vida” Naíle Mamede, 62, advogada, escritora e palestrante
Avanços da ciência
A melhoria brutal dos níveis médios de saúde no mundo nos últimos anos, proporcionada pelos avanços da ciência e medicina, é responsável em grande parte pelo impulso populacional nessa faixa etária. Ironicamente, o desafio, a partir de agora, será ainda mais imenso e duro para os sistemas mundiais de seguridade social.
• Em 2080, quando a população global deverá atingir o topo, com 10,3 bilhões de seres humanos, o número de pessoas a partir dos 65 anos será maior do que o de menores de 18.
• Em números absolutos, os cinco países de maior população 60+ no mundo em 2050 serão China (509,4 milhões), Índia (347,6 milhões), EUA (111,1 milhões), Indonésia (64,9 milhões) e Brasil (66,5 milhões). Atualmente há quase ‘um Brasil e meio’ de pessoas nessa faixa etária na China: cerca de 280 milhões.
O Brasil, tradicionalmente visto como país de juventude vibrante, entrou rapidamente numa fase de transição demográfica marcada por mudanças nos níveis de mortalidade e fecundidade. O conceito de ‘economia prateada’ ganha destaque, refletindo a crescente influência dos 60+ na sociedade e na economia.
O estudo Envelhecimento no Brasil: Aspectos da Transição Demográfica e Epidemiológica, de Maria Lúcia Negrão, revela que o envelhecimento da população brasileira, prenunciado no início do Século 20 pela queda da mortalidade, consolidou-se por volta de 1950 com a drástica redução da fecundidade: de 6,2 filhos por mulher em 1940 para 2,3 em 2000 e 2,1 em 2003.
A socióloga Ana Celina Bueno observa que, hoje, seus filhos são mais exemplos da evolução desse comportamento. “Ano após ano esse dado se agrava. Hoje assisto meus filhos de 26 e 24 anos cem por cento focados em carreira, discutindo a possibilidade de não terem filhos devido às incertezas climáticas, econômicas e políticas globais”, revela.
O envelhecimento populacional é um dos desafios iminentes para o Brasil, junto às questões tecnológicas e ambientais. Na China, com 280 milhões de 60+, a economia prateada está transformando mercados, adaptando espaços e promovendo inclusão digital e social. “Quando se leva em conta o peso dessa realidade para a previdência social, é preciso considerar as diferenças entre países como China e Brasil. Enquanto um já era rico ao enfrentar o envelhecimento, o outro ainda está em desenvolvimento, o que amplifica o desafio”, alerta a socióloga.
“O avanço da tecnologia traz maior tranquilidade para enfrentar a velhice de forma ativa.”
Paulo Akiyama, 66, economista e advogado especializado em Direito de Família
e Comércio Exterior
No Brasil, a transformação está em curso. O Lab Nova Longevidade, parceria da Ashoka com o Instituto Beja e o Itaú Viver Mais, mapeou cerca de 400 projetos direcionados à inclusão da Geração 60+ na sociedade, abordando educação continuada, combate ao preconceito etário, requalificação profissional e inclusão digital. “Com a centralidade econômica dos idosos nos lares brasileiros, eles têm grande influência nas decisões de compra. As empresas precisam adaptar suas estratégias digitais para esse público”, destaca Marília Duque, co-líder do Nova Longevidade no Brasil.
Os 60+ representam 20% do consumo no Brasil e são a principal fonte de renda em mais da metade dos lares onde vivem. A inclusão digital ainda é um desafio, com apenas 58% dos brasileiros a partir das seis décadas de vida com acesso ativo à internet. “Mudar o modelo mental é o primeiro passo para enfrentar o desafio do envelhecimento”, aconselha Marília Duque. O Lab Nova Longevidade promove novos modelos que celebram a contribuição dos idosos, com exemplos de envelhecimento saudável e ativo em destaque na mídia e no entretenimento, como no filme Substância, sobre o etarismo.
A iniciativa Gerações, da Roche, promovida pelos colaboradores, busca quebrar barreiras de etarismo permitindo trocas de experiências entre as faixas de vida. “O rejuvenescimento físico e comportamental da Geração 60+ trouxe novas expectativas de qualidade de vida e bem-estar”, explica Bruno Souza, diretor da Roche Farma Brasil.
“O Brasil está alerta para as demandas. Muitas empresas criam para esse público”, aponta Ivania Konno, especialista em comportamento e integrante do comitê 60+ do Grupo Mulheres do Brasil.
Evolução da longevidade
A revolução da longevidade será um dos grandes temas do século. Figuras como Nil Marino e Naíle Mamede personificam essa tendência. Nil, educador físico aposentado e modelo, destaca-se por sua forma física e mentalidade positiva, inspirando muitos a envelhecer com qualidade. “Pratiquei esporte desde jovem e continuo com a calistenia. Minha alimentação é muito boa”, conta ele, que viralizou nas redes sociais, em setembro do ano passado, ao mostrar a autorização recebida para usar vagas de idosos em estacionamentos após fazer 60 anos.
Agora, aos 61, impressiona as pessoas com sua forma física e por estar longe de aparentar a idade que tem. “Quando estou na academia e alguém menciona ter 60 anos, percebo que parece muito mais velho que eu. A diferença é notável, mas, sem qualquer ego, eu realmente não percebia antes essa distinção”, confessa, com o misto de humildade e tranquilidade que costuma acompanhar os escolhidos pela natureza.
Naíle, 62, advogada e escritora, exemplifica a importância da geração 60+ no mercado: “Estamos redefinindo o que é envelhecer.” Um dos maiores desafios, diz ela, é romper com o preconceito que associa o envelhecimento à inatividade ou à obsolescência. “É essencial mudar a visão, mostrando que ainda somos produtivos, criativos e cheios de vida aos 60, 70 e até 80 anos. A sociedade precisa aprender a aproveitar melhor o potencial dessa geração, que ainda tem muito a oferecer e contribuir.”
Paulo Akiyama, advogado especializado em comércio exterior e direitos empresarial e familiar, reforça a visão. Aos 66 anos, continua ativo no cenário jurídico, adaptando-se constantemente às inovações. “Um homem de meia idade precisa manter-se atualizado.”
Ele enxerga a tecnologia como um aliado essencial. Destaca a necessidade de políticas públicas e iniciativas privadas que valorizem a experiência da Geração 60+. “Da velocidade das informações aos cuidados com o corpo, o avanço tecnológico traz maior tranquilidade para enfrentar a velhice e de forma ativa. Desde a velocidade de informações até uma medicina avançada que apoia o envelhecer do corpo”, diz.
“Minha propensão genética não tem nada a ver com o que sou hoje. Criei isso para a longevidade.”
Solange Frazão, 61, personal trainer e apresentadora
O ritmo da tecnologia e os indicadores mostram que chegar aos 60 anos em boas ou até ótimas condições físicas e mentais não deveria ser surpresa para ninguém.
• No recorte brasileiro, basta notar que a expectativa média de vida aumentou 31 anos desde 1940.
• Vivendo mais, naturalmente cresce a fatia populacional de indivíduos que avançam sobre os 60, 70, 80 anos e mais.
• Até 2030, a projeção é de que uma em cada seis pessoas no mundo terá mais do que 60, e que até 2050 esse contingente demográfico dobre (leia quadro).
• A longevidade faz com que os mais velhos e velhas participem e usufruam de atividades tradicionalmente associadas a jovens.
‘Gerontolescência’
O médico Alexandre Kalache, pioneiro no estudo do envelhecimento, sugere que chegou a vez dos baby boomers, a geração, como ele, nascida entre 1945, ao final da Segunda Guerra, e 1964, que tem hoje entre 59 e 79 anos — ele próprio nasceu em 1945. Trata-se da população nascida sob o melhor salto de avanço de saúde e conhecimento.
“Chegamos à velhice com perspectivas diferentes, com atitudes diferentes. Nós não somos nem seremos como os nossos avós, arrastando o chinelo pela casa para ler o jornal na varanda, nem fazendo tricô. Nós também estamos criando uma nova transição, que não é da infância para idade adulta, mas da idade adulta para a tal da velhice, que eu chamo de ‘gerontolescência’. Vamos virar a mesa, nós vamos nos rebelar, vamos experimentar, vamos namorar, vamos paquerar”, diz ele, presidente do International Longevity Centre-Brasil e co-presidente da Global Alliance of International Longevity Centre.
“Minha geração era aquela que, quando íamos para o quarto e trancávamos a porta com a namorada ou namorado, os pais não sabiam o que dizer. Agora são os nossos netos que não sabem o que fazer quando decidimos ir para um cruzeiro, sair para namorar, paquerar.”
Mesmo diante de tantos avanços em todas as áreas, não é pertinente omitir o etarismo que ainda permeia muitas relações no País. A discriminação e preconceito baseados na idade da pessoa é menor do que no passado, mas continua sendo uma carta oportunista, principalmente quando a relação é financeira. Kalache prefere o termo idadismo, que, segundo ele, dá a dimensão devida da carga negativa da prática. Assim como raça tem racismo, sexo tem sexismo, idade leva ao idadismo.
“Temos que lembrar como funciona o idadismo neste país tão hedonista, que cultua a juventude eterna. A luta contra o preconceito pela idade é vista na juventude como algo para os velhos, quando na verdade o jovem de hoje almeja ser o idoso de amanhã. Espero que eles possam envelhecer em mundo menos idadista, com menos discriminação, onde lhes sejam dadas as oportunidades que não o são para a atual geração, chamada eufemisticamente de prateada”, diz Kalache.
“Pratico esporte desde jovem, me alimento bem e continuo com a calistenia.”
Nil Marino, 61, modelo e educador físico
Junto ao desenvolvimento científico de promoção à longevidade veio, com o tempo, um melhor entendimento de que as capacidades físicas e mentais não precisavam obrigatoriamente declinar com o avanço etário. Hoje são muitas as pessoas que mantém um nível de saúde na faixa mais envelhecida comparáveis ao que chamávamos de meia-idade em décadas passadas, graças à promoção de benefícios do estilo de vida.
Importância de alimentação, controle de estresse, sono adequado e, principalmente, atividade física tornaram-se mais claras e entraram na rotina de grande parte da população.
Colheita
Quem ilustra perfeitamente essa teoria na prática é a apresentadora e personal trainer Solange Frazão, 61, três filhos e cinco netos. Há quase três décadas, desde que teve o terceiro filho, aos 34 anos, ela se depara com o espanto das pessoas sobre sua aparência não refletir a data de nascimento em sua carteira de identidade. Mas a trajetória é bastante comum àqueles que parecem mais jovens do que são.
A asma persistente a levou a praticar natação quando criança. Com um clube a duas quadras de casa, ela se apaixonou pelos esportes, praticou todos possíveis e atribui a disciplina, controle, equilíbrio e resiliência que mantém até hoje à prática esportiva.
“Quando tive a primeira gestação, percebi o quanto é importante estar preparada para a mudança de ciclos: transição da adolescência para a vida adulta, gravidez, menopausa. Ao nascer a minha filha e o corpo voltar ao que era sem que eu fizesse qualquer coisa fora da rotina, entendi que era o acúmulo do que plantei anteriormente”, diz.
O que a ex-modelo viu acontecer foi o resultado da espécie de poupança de saúde que armazenou desde a infância pelos bons hábitos de alimentação, descanso e atividades físicas. “Fiz os testes e minha propensão genética não tem nada a ver com o que sou hoje. Criei essa previdência para a longevidade. Meu pai é diabético e tem problema de visão. Minha mãe tem osteoporose. Escuto pessoas da minha idade reclamando: ‘estou com isso e aquilo’. Vou fazer 62 anos e me espanto como estou bem”, conta. “É o que a ciência diz: tudo depende das sementes que você planta.”
Isso inclui, também, a saúde mental, já que um quadro comum era a pessoa se aposentar ou entrar em uma fase que tangenciava desqualificação produtiva e cair em depressão.
Houve uma mudança cultural na forma como a sociedade enxerga o envelhecimento — não mais como fardos ou tendentes à dependência, mas como potenciais contribuintes ativos. Isso fez com que grande parte daqueles que poderiam se aposentar decidissem seguir trabalhando ou buscasse novas carreiras ou contribuições laborais.
Sobre a receita de não se entregar ao ócio, Frazão é categórica: “Não é medo de morrer, é querer viver. Acredito em início e fim, sei que chegará meu dia, mas espero que demore muito. Quero manter meu corpo e a estrutura física até o dia em que meu coração não queira mais”. Ela também crê que a adoção de rotina saudável não possui prazo de expiração. “Nunca é tarde para começar. O corpo responde aos ensinamentos, somos muito inteligentes biologicamente.”
“Chegamos à velhice com perspectivas e atitudes diferentes. Não somos como nossos avós, arrastando chinelo pela casa para ler jornal na varanda. Estamos criando uma nova transição, da idade adulta para a tal da velhice, que chamo de gerontolecência. Vamos virar a mesa, nos rebelar, experimentar, paquerar, namorar.”
Alexandre Kalache, 79, médico especialista em envelhecimento
Postura positiva
Uma das principais autoridades hoje no País sobre o etarismo do universo do trabalho, o sócio-fundador da consultoria HUB 40+ (diversidade etária e integração geracional), Mauro Wainstock, diz que a situação caminha não mais para uma escolha de manutenção de atividade dos que avançam em anos, mas uma obrigatoriedade financeira. “Se quisermos chegar aos cem anos em envelhecimento saudável, precisamos desde já atuar em vários pilares simultâneos, como a saúde física, emocional, relacional, espiritual e, claro, financeira, para termos condições de pagar os boletos que continuarão chegando. Como agir? Sendo ativos, aprendendo permanentemente e tendo postura positiva diante dos desafios”, diz ele, também diretor da Associação Brasileira dos Profissionais de Recursos Humanos.
O problema é explicar isso aos jovens, que na maioria dos casos estão no comando das operações, principalmente diante da proliferação da indústria tecnológica. “A estimativa é que, em 2070, o número de idosos no Brasil seja de 37% da população. A inserção desta faixa etária no mercado de trabalho é urgente do ponto de vista social e indispensável sob o ponto de vista da diversidade etária. O profissional mais velho traz maturidade, propicia ricas trocas de conhecimentos e experiências com as gerações mais novas, possui networking acumulado em anos de profissão e um índice de turnover muito inferior ao de outras faixas de idade”, afirma Wainstock. “As empresas que não atuarem nesta inclusão real ficarão defasadas em detrimento daquelas que perceberem que este tipo de abordagem gera equipes mais plurais, motivadas, produtivas e inovadoras.”
A Geração 60+ está aí, com fôlego de jovem, no Brasil e no mundo, para provar que Wainstock está certo.