Privatizações à brasileira

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Felipe Machado: "Ninguém pretende vender a Segurança Pública ou a Justiça. O problema são as áreas nebulosas, muito valiosas e estratégicas" (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

O apagão provocado pela chuva em São Paulo deixou muita gente no escuro, mas serviu para jogar luz sobre um dos grandes problemas estruturais do Estado brasileiro: as privatizações mal feitas.

Vender patrimônio público virou moda nos anos 1990, quando a burocracia engessada dos Leviatãs governamentais nos fez crer que repassar esses bens para os eficientes empresários da iniciativa privada era a solução para todos os problemas. Em muitos países, em áreas específicas, isso deu certo. Aqui no Brasil, nem tanto. Por quê? Porque temos o triste histórico de estragar boas ideias.

A privatização da telefonia é sempre apontada como um exemplo a ser seguido. Realmente, quando lembramos do serviço pré-histórico oferecido por empresas como Telesp e Telerj fica difícil imaginar como estaríamos hoje. A melhoria evidente no setor nos fez acreditar que essa fórmula poderia modernizar o Estado brasileiro e torná-lo menos paquidérmico. O sistema das agências reguladoras, bem-sucedido na Europa, parecia ser um bom modelo. Gestores técnicos ficariam de olho nas empresas concessionárias e essa independência garantiria que ninguém sairia da linha.

O sistema das agências reguladoras parecia bom, mas estragamos uma boa
ideia com indicações políticas e legislação ineficiente

Mas o Brasil real não aceita sistemas que funcionam: esses cargos logo viraram moeda de troca para indicações políticas. Para piorar o quadro, o Judiciário garante que as brechas legais na legislação permitem que meia dúzia de bons advogados protelem qualquer questão até a sua conveniente prescrição.

Na teoria, as privatizações servem para que empresas particulares possam investir em áreas que o governo não tem capacidade financeira ou expertise. Setores que dão prejuízo sob o regime estatal são vendidos para corporações que podem oferecer bons serviços e lucrar com tarifas justas. Ninguém pretende vender a Segurança Pública ou a Justiça. O problema são as áreas nebulosas, muito valiosas e estratégicas. Energia elétrica e saneamento básico, por exemplo. A forma como a Enel trabalha em São Paulo é a prova do fracasso do nosso modelo. Oferece um serviço péssimo — e cobra caro. O prefeito e o governador culpam a Aneel, mas esquecem que sua diretoria foi indicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado dos dois. Acontecerá o mesmo caos com a privatização da Sabesp? Tomando como exemplo o histórico das privatizações brasileiras, é bem provável que sim.