Comportamento

Ex-capital da Indonésia, Jacarta está afundando

Fenômeno no solo faz metrópole de 11,5 milhões de habitantes descer até 15cm por ano. Mantido o ritmo, 95% do norte da cidade estará submerso até 2050

Crédito: Ed Wray

Os 11,5 milhões de habitantes da bela Jacarta sofrem com inundações (Crédito: Ed Wray)

Por Eduardo Marini

O governo da Indonésia, um dos países mais prósperos do mundo, com expectativa de crescimento anual acima de 5% entre 2024 e 2026, de acordo com o Banco Mundial, inaugurou oficialmente sua nova capital, Nusantara, no dia 17 de agosto. As esperanças de que o ousado projeto impulsione ainda mais o crescimento do país são grandes, apesar de, na prática, a cidade ainda ter a cara de uma área gigantesca em obras. Especialistas locais e internacionais estimam que Nusantara só terá capacidade plena de ocupação e operação no início dos anos 2040. Mas, para além da expectativa de ganhos sociais, econômicos e de infraestrutura futuros, listados pelo presidente Joko Widodo para justificar o investimento ambicioso, a sociedade e o governo indonésios possuem um motivo adicional — e relevante — para erguer o novo espaço urbano de administração e poder. Jacarta, a antiga capital, com 11,5 milhões de habitantes, está afundando a um ritmo preocupante. Se for mantido, grande parte da metrópole poderá ficar submersa até 2050.

(Bay Ismoyo)

Jacarta foi erguida em área pantanosa cercada por uma grande floresta tropical.
É banhada pela Baía de Jacarta, do Mar de Java.
A cidade abriga um dos maiores e mais movimentados portos do mundo e possui um delta por onde fluem, a caminho da baía, os treze rios que a cortam.
Durante séculos o delta permaneceu envolvido por densos manguezais, que ofereciam proteção adicional contra as fortes ondas e marés nas tempestades.
O que houve com eles? Sim: foram destruídos. Esses elementos formam o palco ideal para a ocorrência de inundações.

Nas últimas décadas, atestam pesquisadores, os eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas aumentaram de forma alarmante a frequência e intensidade das cheias. “O potencial de Jacarta ficar submersa não é motivo para risos”, alertou, em entrevista à rede britânica BBC, o pesquisador indonésio Heri Andreas, do Instituto de Tecnologia de Bandung. “Se tomarmos como base a evolução dos índices em nossos modelos, até 2050 cerca de 95% do norte de Jacarta estará submerso.”

Subsidiência

O drama seria menor se o problema se resumisse às inundações cada vez mais intensas e estranhas. Mas não é só. Além das cheias, Jacarta, explica Andreas, literalmente afunda no solo. O norte da metrópole baixou 2,5 metros na última década e continua a afundar 25 centímetros anualmente, mais que o dobro da média mundial nas grandes cidades litorâneas. No geral, a cidade desce entre um e 15 centímetros ao ano. Praticamente metade da metrópole está abaixo do nível do mar.

Jacarta afunda por reunir os principais fatores para a ocorrência de um fenômeno geológico, topográfico e geográfico chamado subsidiência ou abatimento.
É um movimento para baixo de uma área, na maioria dos casos da superfície terrestre, tendo como referência um nível médio, como o do mar ou solo.
É causado por retirada descontrolada de água do solo (60% dos moradores de Jacarta usam o método), fenômenos tectônicos (a cidade está no encontro de duas placas terrestres), ritmo intenso e descontrolado de urbanização (a metrópole é uma das que mais sofrem com o problema) e compactação de depósitos que perdem água.

Outras cidades

Os colonizadores holandeses construíram canais com intenção de neutralizar irregularidades no solo do delta, controlar passagem de água e reduzir inundações. Mas, de acordo com estudiosos, a iniciativa só agravou o problema. “Piorou as coisas. Eles tendem a reter sedimentos”, disse Bosman Batubara, doutorando na Universidade de Amsterdã e no Instituto IHE Delft para Educação em Água, à National Geographic.

Embora em menor escala, Cidade do México, a chinesa Pequim e Houston, nos EUA, apresentam subsidência relacionada à extração desordenada de água. Em Washington, capital americana, o que faz o solo afundar é o derretimento de uma imensa faixa subterrânea de gelo estabelecida na última era glacial. Nenhuma dessas situações possui a gravidade vista em Jacarta. A construção da nova capital, mesmo a toque de caixa, pode ter sido a melhor solução.

MONTE EVEREST É O TOPO DO MUNDO – MAS AINDA CRESCE
Estudo chinês mostra que efeitos da união de dois rios causam o fenômeno

O topo do Monte Everest, situado entre o Nepal e a Região Autônoma do Tibete, na China, é o ponto mais alto do planeta. Fica a exatos 8.848 metros e 86 centímetros acima do nível do mar. Comparação rápida: a maioria dos aviões comerciais do mundo faz voos de cruzeiro a 30 mil pés de altura, ou 9.144 metros, meros 295 acima da ponta dessa maravilha natural.

O pico começou a ser formado há cerca de 45 milhões de anos, numa colisão em que a placa tectônica que sustenta a Índia chocou-se com a eurasiana e começou a descer. Um ponto da crosta dobrou-se e foi espremido, criando o monte. Difícil imaginar que um portento desse continue a crescer após tanto tempo — mas é exatamente o que ocorre. Segundo um estudo sobre o assunto publicado pela revista Nature Geoscience, a causa é inusitada: a união de dois rios.

Ponto mais alto do planeta, Everest cresceu entre 15 e 50 metros (Crédito:Lakpa Sherpa)

Um deles anexou o outro há cerca de 89 mil anos. Juntos, ficaram fortes e erosivos, capazes de “limpar” parte da paisagem do Himalaia, onde está o Everest. O processo varreu pesos enormes da camada da Terra em que vivemos, mas uma crosta leve flutuou mais facilmente sobre a base inferior. Pressões provocadas pelo fenômeno acrescentaram entre 15 e 50 metros à altura. Embora lento, o crescimento continua. “Montanhas parecem estacionadas, mas estão em constante movimento”, atesta o líder do estudo, Jin-Gen Dai, da Universidade Chinesa de Geociências em Pequim.

A crosta terrestre parece, mas não é rígida. Quando algo massivo pesa sobre ela, há flexão para baixo, mas, como é flutuante, o manto abaixo a empurra para cima. “É como se o Himalaia estivesse em um castelo inflável”, disse ao jornal The New York Times Adam Smith, da University College of London, autor de outro trabalho sobre o tema. “Em longas escalas de tempo, é quase como se a Terra estivesse respirando”.