Editorial

A cracolândia digital dos jogos de bets

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Carlos José Marques: "Mais realista seria brecar o sistema no País, o que está fora de cogitação diante do forte lobby que o setor exerce entre congressistas legisladores" (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

O Brasil começa a acordar para o que se transformou numa verdadeira pandemia da jogatina, incontrolável, sorrateira e avassaladora, consumindo as economias e tudo o que resta, em especial das famílias de baixa renda que viram no acesso fácil nas redes uma maneira de tentar sair de sua condição miserável, colocando tudo (o “all in”) nas apostas, que apenas afundam ainda mais seus praticantes numa pobreza irremediável. Muitos estão perdendo bens e empenhando dívidas em proporção nunca antes vista por essas bandas. Estamos diante de uma verdadeira Cracolândia digital. Como bem apontou a ministra do Supremo e presidente do TSE, Cármen Lucia, “bets se aproveitam de otários para lucrar”. Contrária à prática, que reputa como perigosa e imoral, a magistrada alerta que há indícios de inconstitucionalidade nas regras que regem tal movimento — antes aprovadas no Congresso e depois sancionadas pelo presidente Lula. Um estudo do Banco Central mostrou que as casas de apostas receberam, apenas dos beneficiários do Bolsa Família, ao menos R$ 3 bilhões somente em agosto passado. O número geral vai a centenas de bilhões de reais. É uma barbaridade. Nem o INSS movimenta tantos recursos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, numa reação rápida à informação apontou que o presidente está inclinado a “não permitir bolsa família em bets”, mas sabe que esse controle é praticamente impossível de ser feito. Mais realista seria brecar o sistema no País, o que está fora de cogitação diante do forte lobby que o setor exerce entre congressistas legisladores. Outro movimento que as autoridades pretendem colocar rapidamente em curso é o da proibição de propaganda das chamadas bets irregulares ou de origem duvidosa. Ao menos 600 sites de bets estão listados nessa condição de ilegais. No total, eles se contam aos milhares. O Ministério da Fazenda estabeleceu um prazo de dez dias para que os apostadores retirem seus recursos dessas redes marginais, embora, provavelmente, a maioria não irá seguir o conselho. O jogo nas vias online se alastrou rapidamente como uma praga viciante. O varejo está alarmado com a migração de recursos do consumo para essa modalidade de despesa do brasileiro. Tem afetado seriamente os negócios tradicionais. A hecatombe das bets traz também efeitos enormes sobre a saúde psicológica das pessoas, jovens na maioria que não sabem lidar com o sentimento de perda. Não há limites éticos nas bets para movimentar fortunas e, em inúmeros casos, traficar esse dinheiro para o crime organizado. Investigações da polícia têm desvendado seguidas quadrilhas metidas na atividade e é tamanha a força delas que seus representantes se enfronham da política ao meio artístico e influenciadores em geral. É preciso construir uma legislação mais segura e coibitiva, que considere os desafios multifacetados da prática de jogos de azar. Um maior controle estatal e na esfera de agências reguladoras é condição primordial para conter os efeitos daninhos já verificados.