Comportamento

Conheça o caso do navio escravagista ilegal afundado na Ilha Grande

Pesquisadores se unem no Brasil e no mundo em resgate de histórias escravagistas. Narrativa sobre Camargo deve virar filme, para que ninguém esqueça

Crédito: AfrOrigens/divulgação

Luis Felipe (de boné) e equipe dão aulas de mergulho a quilombolas, para que tenham novas possibilidades de trabalho (Crédito: AfrOrigens/divulgação)

Por Maria Ligia Pagenotto

Um navio afundado na baía de Ilha Grande, no litoral sul do Rio de Janeiro, tornou-se um importante ponto de partida para uma série de transformações locais e um imprescindível debate em nível que transcende o território nacional. Não se trata de uma embarcação qualquer, mas do brigue Camargo, um navio conhecido por sua agilidade nas águas. Camargo chegou à região de Angra dos Reis no final de 1852, conduzido pelo capitão norte-americano Nathaniel Gordon, com cerca de 500 pessoas trazidas da África. Nessa ocasião, já era proibida oficialmente a importação de africanos como escravos para o Brasil. Ou seja, Gordon estaria cometendo um crime.

Para se livrar de uma condenação, após o desembarque das pessoas, ele ateou fogo ao navio, que afundou na baía. O capitão vestiu-se de mulher e voltou, em fuga, para os Estados Unidos.

Por anos a história ficou esquecida, mas, graças aos esforços de pesquisadores, o tema foi resgatado. Hoje o Camargo é objeto de estudo do Instituto AfrOrigens, presidido pelo arqueólogo subaquático e historiador Luis Felipe Santos, da Universidade Federal de Sergipe.

• A busca pelo Camargo teve início com uma pesquisa realizada pela historiadora Martha Abreu, da Universidade Federal Fluminense, em 1995.

Há ainda a coleta de relatos, nos anos 2000, de moradores do Quilombo Santa Rita do Bracuí, na região de Angra, onde moram mais de 100 famílias de descendentes de escravizados.

• Por meio da história oral e de documentos, os pesquisadores chegaram a várias evidências sobre a presença do Camargo.

O estudo é a primeira iniciativa que investiga os vestígios de um navio escravagista no litoral do Brasil. Com apoio do Slave Wrecks Project, uma rede internacional coordenada pelo Smithsonian Institution, juntamente com a George Washington University e outras instituições, a história por trás do naufrágio do Camargo está se tornando pública. “O AfrOrigens atua como elo de ligação entre a memória dos crimes da escravidão e a reparação de história, para que possamos construir um novo horizonte para comunidades que ainda sofrem um processo de disputa por suas terras”, diz Santos, referindo-se ao quilombo do Bracuí.

A pesquisa tem por objetivo, explica, identificar provas do crime. “Essa história não pode ser esquecida. Além de apontar os responsáveis pelo tráfico de escravos, pretendemos dar dignidade aos seus descendentes”, finaliza Santos, lembrando que o caso Camargo é um entre tantos naufrágios de navios escravagistas.