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Como Kamala Harris colocou Trump nas cordas

Espectadores deram ‘vitória’ a Kamala Harris no debate com o republicano por 63%, o que pode representar ganho de votos para os democratas entre os indecisos

Crédito: Saul Loeb

Trump não pôde se valer de gritaria e encolheu diante da adversária Kamala (Crédito: Saul Loeb)

Por Denise Mirás

Para 28% dos americanos que diziam querer saber mais sobre Kamala Harris, o debate com Donald Trump, na terça-feira, 10, funcionou como vitrine para a vice-presidente. A candidata, que entrou há pouco mais de dois meses na campanha eleitoral do Partido Democrata, como substituta do presidente Joe Biden, saiu-se bem no programa da ABC News, transmitido para 57,5 milhões de telespectadores nos EUA. Kamala encarnou sua persona de procuradora-geral, cargo que ocupou na Califórnia, levantando sobrancelhas e sorrindo ironicamente em reação a falas do adversário, para em seguida rebatê-lo com cutucadas e propostas de governo.

O ex-presidente, que concorre à eleição de 5 de novembro pelo Partido Republicano, viu-se acuado com o impedimento de usar sua gritaria. Pior: se perdeu diante da checagem online, que permite rebatidas imediatas de mentiras a cargo dos mediadores, se segurando para não explodir. Só confirmou a imagem que Kamala quer consolidar, de “futuro contra retrocesso”.

De acordo com pesquisa da CNN no pós-debate, 63% dos espectadores disseram que Kamala superou Trump – o que pode representar ganho de votos entre indecisos.

Foi indicado que a candidata se tornou um “sério perigo” para Trump em estados-chave como Arizona, Georgia, Pennsylvania, Michigan e Wisconsin, que deverão decidir a eleição.

Para ela, o grande desafio é segurar pelos próximos dois meses a vantagem, que vinha em torno de 2% (47% a 45%).

O debate anterior, que enterrou a candidatura de Biden, foi acordado de última hora. Se não tivesse ocorrido, talvez o democrata ainda estivesse definhando aos poucos na disputa. O de terça-feira, 10, foi o primeiro dos quatro acordados entre os dois lados. Por ironia, Kamala colocou o adversário nas cordas e, agora, a equipe do republicano, com medo de novos reveses, coloca em dúvida sua participação nos três seguintes.

Kamala soltou sorrisos irônicos e provocou Trump com ataques, como ele próprio costuma fazer

Armas diferentes

“Se debate não define eleição, em cenário equilibrado pode incidir negativamente sobre um candidato, como foi com Biden no debate com Trump”, diz Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Ele destaca o primeiro debate televisionado nos EUA, em 1960. Kennedy, que venceu por apenas 100 mil votos, surgiu jovial e Nixon, pálido (esteve hospitalizado 15 dias antes), desalinhado e lacônico.

Para Thiago Salles, professor de Oratória, o debate envolve três pilares: corporal, verbal e de conteúdo. “Expressões vivas, posturas e gestos servem de apoio ao que se fala. Ele vem do radicalismo, se vale de caretas para ser impactante; ela tem comunicação mais sofisticada na destreza do gestual e argumenta, o que passa credibilidade, preparo dentro da informalidade. Usam armas diferentes.”

Com Biden, Kamala esteve no ato que lembrou ataques terroristas do 11/09, assim como Trump, no exato dia da tragédia, há 23 anos (Crédito:Yuki Iwamura)

Cara a cara com Trump, Kamala conseguiu boas frases para a mais recente atração das redes sociais: os “cortes”. Disse que o ex-presidente “foi despedido por 81 milhões” (alusão ao programa O Aprendiz, que era apresentado por ele); que havia se encontrado com líderes mundiais e, para eles, Trump “é uma piada”. Provocou o republicano, que se atrapalhou tentando recuar no posicionamento contra as mulheres decidirem sobre aborto e negando o incentivo de invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, para impedir a posse do eleito Biden.

Trump ainda caiu em uma armadilha dele mesmo ao declarar que “viu na tevê” que imigrantes ilegais estão comendo cachorros e gatos de moradores americanos. Desmentido ao vivo pelo apresentador David Muir, mediador do debate ao lado de Linsey Davi (“o senhor viu na tevê, mas nós falamos com o prefeito de Springfield”), virou meme de imediato.

Para Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais da USJT, Kamala colocou Trump “na parede”. Falou de projetos como ajuda a filhos de famílias de baixa renda e compra de casa própria, além de direitos reprodutivos das mulheres, tentando mobilizar os eleitorados feminino e o jovem. Utilizou-se de mecanismos de identificação importantes como a declaração de que é negra. “O cenário mudou com a saída de Biden e ela pode ter animado mais democratas a sair de casa para votar.” É o que esperam Kamala e seu partido.

UM APOIO DOS SONHOS
Fenômeno Taylor Swift convoca 283 milhões de adoradores nas redes sociais para votar em Kamala

“Childlesscat Lady”:  Taylor ironiza fala machista de Trump e torna público que votará na democrata (Crédito:Divulgação)

Foi acabar o debate e a cantora Taylor Swift publicou um post autodenominando-se childlesscat lady, em provocação ao que Donald Trump disse sobre mulheres “sem filhos, com gato” em tom de menosprezo. Com 283 milhões de seguidores no Instagram, declarou voto em Kamala Harris. Em sintonia perfeita, o estafe da candidata colocou em pré-venda a pulseira dela com o vice Tim Walz a US$ 20 (cerca de R$ 100), com renda revertida para a campanha.

A jogada mostra que marqueteiros democratas estão antenados, enquanto a campanha republicana segue com “mais do mesmo”. Para o psiquiatra Filipe Doutel, Trump é figura típica dos tempos em que vivemos, ‘contra’ o sistema, porque se utiliza dele, e que brinca com regras entre o on e o off segundo a conveniência. “Kamala é aparelhada para debater. Não está para brincadeira.”

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