Editorial

Um país sufocado

Um país sufocado

Antonio Carlos Prado: "Efeitos naturais na mudança e virada do clima, efeitos na mudança e virada do clima provocados pela intervenção desastrosa e maldosa da espécie humana – única predadora de si própria – estão deixando o pedaço de céu que a imensidão do cosmo reservou ao Brasil completamente encoberto por um manto de pó e fumaça: o ar de São Paulo na segunda-feira, dia 9, foi avaliado como o pior do mundo"

Por Antonio Carlos Prado

Faziam-se preces pertinentes a diversas religiões, faziam-se rituais de cantos e danças, faziam-se as chamadas simpatias que prometiam trazer bom augúrio – e, dessa forma, acreditavam os brasileiros, em sua maioria, abrandar os efeitos negativos de graves alterações climáticas. Faziam-se doloridas promessas aos santos. Herança das tradições coloniais, herança do perverso passado escravagista, herança da superstição que ainda dividia espaço com os primeiros passos da ciência meteorológica. E, importante observação, respeita-se aqui todos aqueles que ainda concordam com essas práticas, fato que se desenrola, sobretudo, nas pequeninas e humildes cidades do interior do País, habitadas por gente simples e simplória, gente distante dos agitados centros de informação, gente honesta que dorme cedo e acorda cedo sempre sob o signo da boa-fé.

Vale dar, agora, um salto olímpico no tempo porque o espaço para a escrita é exíguo e o assunto, extenso. Pronto, chegamos aos dias presentes, tempos em que o movimento involuntário de respirar tornou-se sinônimo de envenenar o organismo. Efeitos naturais na mudança e virada do clima, efeitos na mudança e virada do clima provocados pela intervenção desastrosa e maldosa da espécie humana – única predadora de si própria – estão deixando o pedaço de céu que a imensidão do cosmo reservou ao Brasil completamente encoberto por um manto de pó e fumaça: o ar de São Paulo na segunda-feira, dia 9, foi avaliado como o pior do mundo. Um cair de tarde avermelhado, que romântico! Nada disso: sujeira e fuligem no ar, isso sim! Na floresta amazônica, os incêndios potencializaram em oitenta vezes a poluição já imposta.

Como o Brasil está preparado para o enfrentamento do trágico, fatal e muitas vezes doloso espetáculo pirotécnico que atinge a quase totalidade do território nacional? O Brasil de 2024 está bem melhor equipado em relação ao Brasil de um passado recente, mas, ainda assim, junto às labaredas das queimadas (eis o tal ser humano predador) assiste-se à carência de verbas, à carência de articulações entre os poderes republicanos, assiste-se à carência de uma estrutura mais consistente que acarretaria maior agilidade e eficiência na tentativa de mitigar os incômodos físicos e psíquicos da gangorra natural climática combinada com o ímpeto criminoso pelo fogo. A questão ambiental, no País, que rende poucos votos a um Congresso em boa parte enlouquecido por dinheiro e adorante de grandes verbas para atender demandas pessoais (Casa Parlamentar que tem amontoado de ternos e gravatas denominado Centrão só pode ser disfuncional), pois bem, a questão ambiental nesse Pindorama é papel ao vento ou é papel engavetado. Projetos no campo ambiental tramitam no Congresso com a lerdeza eternizada por Macunaíma: “ai que preguiça!”. Nada é tão ruim que não possa piorar, dizem os realistas. O problema do fogo sendo ateado se dá em meio à pior seca no País, isso a contar de 1950. Falta aos técnicos da atual gestão presidencial selecionar ações e priorizá-las. Quem ataca por todos os lados perde nas frestas, e é isso o que ocorre.

É necessário que municípios, estados e Congresso Nacional (essa é uma missão de congressistas) se reúnam e estabeleçam locais precisos de operação. Uma coisa tem de compensar a outra: o Ibama cresceu de 2.109 brigadistas para 2.255; já o ICMbio refluiu de 1.415 a 981. Pior e inadmissível: o Congresso enxugou a principal verba do Ibama destinada ao combate a queimadas: de R$ 318 milhões, ela caiu para R$ 298 milhões. É preciso reestruturar, material e logisticamente, a prevenção de queimadas, sobretudo nesse instante em que o clima do planeta dá-nos o troco pelo descuido. Caso contrário, como anotou o folclorista e sociólogo Câmara Cascudo, voltaremos aos tempos em que, dentro de casa, trocavam-se os santos de lugar: se fizessem chover para apagar o fogo, voltavam para onde estavam; se a seca e o fogo persistissem, não retornavam e suas donas e seus donos os colocavam virados para a parede.