Brasil

TSE começa a selar o futuro de Bolsonaro; entenda

TSE inicia julgamento para deliberar se Jair Bolsonaro vai ficar inelegível por oito anos, uma sentença que terá impacto no futuro do País. A estratégia era manter silêncio para não agravar a sua situação, mas o ex-mandatário não se conteve

Crédito: Wilton Junior

O relator Benedito Gonçalves (ao fundo) e o ministro Alexandre de Moraes na sessão: decisão até a próxima quinta (Crédito: Wilton Junior)

Por Marcos Strecker e Samuel Nunes

Ninguém tem dúvidas sobre o desfecho do evento que pode determinar o cenário eleitoral do País pelos próximos anos – o julgamento do primeiro dos processos contra Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral, que se iniciou na última quinta-feira e deve se encerrar na próxima semana.

Todos acham que o ex-presidente deverá ficar inelegível.

A Corte começou a deliberar se ele perderá os direitos políticos pelos próximos oito anos numa ação movida pelo PDT, que acionou a Justiça Eleitoral após um dos episódios mais vexatórios para a diplomacia do País: a reunião promovida por Bolsonaro em 18 de julho passado em que convocou todos os embaixadores ao Palácio do Alvorada para questionar a segurança do processo eleitoral e fazer ataques às urnas eletrônicas – 72 compareceram, vários constrangidos.

A tese do PDT foi encampada parcialmente pelo Ministério Público Eleitoral, para quem o ex-mandatário é culpado de abuso de poder político, desvio de finalidade e uso indevido de meios de comunicação.

Ele proferiu uma série de mentiras e teorias conspiratórias, como já havia feito em repetidas declarações, mas desta vez na residência oficial da Presidência e com o uso de uma emissora pública, a TV Brasil.

A sessão foi conduzida pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e teve a leitura do relatório do ministro Benedito Gonçalves, corregedor- geral eleitoral e relator, que fez um resumo do processo em cerca de duas horas.

Em seguida, falou o advogado Walber de Moura Agra, que representa o PDT. Segundo ele, a reunião tratou de uma “tentativa nítida de golpe militar”.

Tarcísio Vieira de Carvalho, defensor de Bolsonaro, falou por 30 minutos. Focou a sustentação oral na tentativa de desqualificar a ação do PDT.

Para ele, ainda que a conduta de Bolsonaro pudesse ser condenada, deveria ser alvo, no máximo, de uma multa, como outras que foram aplicadas contra sua candidatura.

O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, falou por último. Ele considerou que “o abuso de poder está demonstrado”.

Moraes por fim suspendeu a sessão, que será retomada na terça-feira, 27, e poderá ser concluída dois dias depois.

Bolsonaro no Senado, na quarta-feira, 12: “O processo é frágil”. Depois, falou em “afronta” e que gostaria de permanecer “100% ativo na política” (Crédito:Evaristo Sa)

Qual o prazo para a sentença final

O julgamento só não será encerrado nos próximos dias se um dos sete ministros pedir vista do processo, o que poderá adiar o desfecho para o final de setembro.

Isso poderá ocorrer, na visão otimista dos aliados de Bolsonaro, pelas mãos de Raul Araújo Filho, o segundo a votar. Foi ele quem deu a polêmica decisão que proibiu a manifestação política de artistas no Lollapalooza no ano passado. Também deu o único voto contra a multa de R$ 22,9 milhões imposta por Moraes ao PL, após a sigla pedir a anulação de parte dos votos no segundo turno.

Kassio Nunes Marques, que foi um dos dois indicados por Bolsonaro ao STF e como titular do TSE será o penúltimo a votar, provavelmente não tomará essa iniciativa, já que dará sua sentença quando a maioria tiver sido formada. Isso o desgastaria diante dos colegas e não teria efeitos práticos.

De qualquer forma, esses são os únicos votos com os quais Bolsonaro pode contar, segundo todos os analistas.

“A reunião com os embaixadores deve ser analisada como elemento da campanha eleitoral de 2022, dotado de gravidade para afetar a legitimidade das eleições.”
Benedito Gonçalves, corregedor-geral eleitoral

Decisão deve marcar futuro político de Bolsonaro e do País

A provável condenação será decisiva para o futuro de Bolsonaro e para o cenário político do País nos próximos anos. Para o ex-presidente, pode representar um xeque-mate em sua carreira.

Ele ficaria excluído das duas próximas eleições municipais e do pleito presidencial de 2026. Pelas regras eleitorais, conseguiria concorrer em 2030, já que a votação ocorrerá poucos dias após a extinção da pena.

Para evitar o pior, o ex-presidente foi aconselhado a evitar novas polêmicas e críticas à Justiça Eleitoral, numa estratégia defendida especialmente pelo ex-chefe da Secom Fabio Wajngarten. Chegou até a pedir desculpas por fake news que divulgou nas redes sobre a vacina da Pfizer contra a Covid.

Mas, na véspera do julgamento, apareceu de surpresa no Senado para visitar o gabinete do senador Flávio Bolsonaro e declarou que o processo contra ele é “frágil”, citando a jurisprudência da Corte, pois foram incluídas provas depois do início da ação. Era uma das últimas esperanças de seu time de defesa.

No atual julgamento, a Corte decidiu incluir na análise a minuta golpista encontrada pela PF na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres após o 8 de janeiro, o que ampliou o contexto de suas ações antidemocráticas.

Na quinta, Bolsonaro disse que o julgamento era uma “afronta” e “tempestade em copo d’água”. Mas, de fato, reconheceu na prática que a ação determinaria seu futuro, afirmando que gostaria de continuar “100% ativo na política”.

Aliados já pensam em substituto

Enquanto a situação eleitoral do ex-mandatário piora consideravelmente, o PL de Valdemar da Costa Neto dá a inelegibilidade como certa e bate cabeça para definir um possível substituto nas próximas eleições.

Na última terça-feira, ele se reuniu com o ex-presidente e com Braga Netto. Oficialmente, o tema da reunião foi tratar sobre estratégias políticas, mas fontes ouvidas por ISTOÉ afirmaram que a reunião serviu para pensar na sucessão do capitão no campo da direita.

Um dos poucos a sair em defesa do ex-presidente foi o senador Magno Malta (PL). “Caso ele seja impedido de exercer seus direitos políticos, é provável que isso aumente ainda mais a divisão do País. Afinal, a maioria expressiva da população possui uma visão conservadora e nutre grande respeito pelo ex-presidente”, disse.

Mesmo que o julgamento não acabe até a quinta-feira, 29, a Corte deve decidir o destino de Bolsonaro até julho, antes do recesso do Judiciário.

E essa é apenas a primeira de 16 ações contra o ex-presidente que tramitam no TSE. Na Justiça comum, o ex-presidente ainda enfrenta mais de 500 processos.