Comportamento

Brasil, país dos sessentões e das mulheres; entenda

IBGE projeta País menos populoso, com idade média em 51,2 anos, quatro a cada dez pessoas a partir dos 60 ou mais e maioria ainda mais relevante de mulheres. É preciso pensar, desde já, no modelo para garantir o bem-estar dessa sociedade do futuro

Crédito: Tim Mossholder/unsplash; Danie Franco/unsplash; Mark Timberlake/unsplash; Gabriel Porras/unsplash; Abstral Official/unsplash; eberhard grossgasteiger/unsplash; Alexander Mass/pexels; Danie Franco/unsplash; acervo pessoal

A estimativa para 2070 é que um a cada três brasileiros será idoso (Crédito: Tim Mossholder/unsplash; Danie Franco/unsplash; Mark Timberlake/unsplash; Gabriel Porras/unsplash; Abstral Official/unsplash; eberhard grossgasteiger/unsplash; Alexander Mass/pexels; Danie Franco/unsplash; acervo pessoal)

Por Maria Ligia Pagenotto

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar dados, estatísticas e projeções que permitem antever, com certa precisão, um cenário importante: a “cara” da população do País em 2070. Daqui a 46 anos, o gráfico de fatias etárias nacionais estará mais próximo dos encontrados hoje em nações mais ricas da Europa Ocidental.

Será um Brasil menos populoso, com quatro a cada dez habitantes na faixa dos 60 anos ou mais.
As mulheres serão maioria ainda mais relevante (hoje somam 51,5% do total e homens, 48,5%),
 com destaque, nas áreas urbanas, para as autodeclaradas pretas ou pardas,
sem filhos ou com apenas um,
de gestação ocorrida, majoritariamente, após os 30 anos.
A idade média geral será de 51,2 anos (leia quadro e destaques).

Entre 2000 e 2023, atesta o instituto, a proporção de pessoas idosas praticamente duplicou – saltou de 8,7% para 15,6%. A estimativa para 2070 é que um a cada três brasileiros será idoso. Mais precisamente, 37,8%. Isso porque está em curso uma redução no número de nascimentos desde 2022, quando foram registrados 2,6 milhões no ano, contra 3,6 milhões em 2000. Este total deverá cair para 1,5 milhão. O brasileiro que nascer em 2070 terá como expectativa de vida 83,9 anos. Um número significativo, levando-se em conta que em 2000 era de 71,1, e, em 2023, de 76,4.

A saída de cena do país jovem e branco será definitivamente consolidada. “Em termos de etnia e cor, o Brasil passa por uma mudança concreta, com o crescimento da população parda, especialmente, e redução da branca”, afirma Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE. Até início de 2000, a maioria das pessoas entrevistadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) era branca. Em 2010, pretos e pardos passaram a representar, juntos, 56% dos habitantes do País.

“Essa tendência é observada com maior força a partir dos anos 2000, com o aumento das autodeclarações de pretos e pardos por conta da mobilização de grupos que lutam pela afirmação do negro e o incentivo das políticas de cotas raciais”, explica o analista.

Na frieza dos números, a projeção de cenário soa até esperançosa. Conquistas serão reforçadas, como a redução drástica da mortalidade infantil, que permitirá maior longevidade, e a erradicação do analfabetismo. A visibilidade da população negra, ocupando espaço nas universidades e empresas, também será ampliada.

O envelhecimento de parcela considerável da população, motivo de desafio em um dos países mais desiguais do mundo, traz preocupações adicionais. “O Brasil tem taxa alta de desemprego estrutural. A inovação tecnológica, em expansão, coloca mais trabalhadores fora do mercado”, aponta Mariano. Ele defende a ideia de que é preciso criar políticas compensatórias para enfrentar essa e outras situações.

Rosana deixou de beber, abandonou balada, procurou nutrólogo e adotou exercícios para garantir qualidade de vida no futuro (Crédito:Rogerio Cassimiro)

O perfil da força de trabalho também irá mudar. Tarefas hoje executadas por jovens terão de ser feitas por pessoas mais velhas. Será preciso uma transformação drástica no comportamento do mercado que, de forma geral, costuma expulsar de seus quadros funcionários a partir dos 50 anos. “Será oferecido treinamento e educação continuada para as pessoas mais velhas darem conta do mercado?”, indaga a bióloga Márcia Cominetti, professora do departamento de Gerontologia da Universidade Federal de São Carlos.

Pesquisador da Economia da Longevidade e professor de Gerontologia da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Félix faz sua análise sobre a projeção divulgada. A discussão, acredita ele, tende a ficar confinada na questão da previdência e não avança para outros pontos fundamentais. O discurso do envelhecimento ativo, muito propagado nos anos 1990 e início dos 2000, foi utilizado para justificar a reforma da previdência. “Houve certo silêncio sobre a velhice dependente, que só entrou em cena na pandemia”, diz o pesquisador. “Hoje o Brasil discute a Política Nacional do Cuidado, projeto de lei do Executivo, um importante impulso para traçarmos o papel do Estado nos cuidados”, afirma.

1,5 filho por mulher
será a taxa de fecundidade em 2070

O tema está restrito ao ambiente privado. “Cada um cuida de si e quem pode paga cuidador. Quem não pode cuida em família, ou seja, tira pessoas ainda jovens do mercado de trabalho para se ocupar dessa tarefa”, radiografa Félix. As consequências podem ser perversas, especialmente quando se fala em envelhecimento populacional. “Reduz ainda mais no mercado o número de pessoas em idade de trabalhar, com impacto em várias esferas socioeconômicas”, explica.

Outro ponto é a saúde. “Será preciso investir ainda mais no Sistema Único de Saúde para dar conta das demandas dos que não conseguirão pagar pela saúde privada”, aconselha Félix.

Comida de verdade

“As políticas públicas devem se atentar para o fato de que haverá mais pessoas com doenças crônicas, como câncer, problemas cardiovasculares e demências”, ressalta Márcia. Além dos investimentos em infraestrutura, a bióloga lembra da importância de formar pessoal especializado e investir em prevenção dessas doenças desde a infância e adolescência. “Na universidade, trabalhamos em educação para a longevidade em projetos voltados para o Ensino Fundamental”.

(Divulgação)

”Será preciso investir ainda mais no SUS para atender aqueles que não conseguirão pagar pela saúde privada.”
Jorge Félix, pesquisador da Economia da Longevidade e professor de Gerontologia da USP

A prevenção dá a tônica também às orientações do cardiologista e nutrólogo Fábio Cesar dos Santos. Ele preconiza medidas simples para que mais pessoas cheguem à longevidade com saúde. “Comida de verdade, em menor quantidade, com menos vegetais. E movimento, que nem precisa muito: cerca de 30 minutos de caminhada por dia já fazem a diferença, além de alguns exercícios de força”, ensina.

Santos convida seus pacientes a pensar como querem envelhecer. A partir daí, traça um plano para quem quer chegar à velhice com energia. “Foi pensando no futuro que eu o procurei”, conta Rosana Dias, administradora de empresas. Aos 42 anos, ela faz exercícios diariamente (musculação, atividade aeróbica e yoga), essencial para combater o estresse.

Hoje se envaidece de não ter qualquer problema de saúde. Mas até perto dos 30 anos era “baladeira”: bebia muito álcool e não cuidava da alimentação. “Optei com meu marido por não termos filhos. Em 2070 terei mais de 80 anos e meu plano é estar totalmente independente”. Rosana achou seu modelo. Que cada sessentão do futuro encontre o seu.