Cultura

A viúva e o champanhe: a incrível saga de madame Clicquot

Crédito:  Fourth & Twenty Eight Films

A Viúva Clicquot, interpretada por Haley Bennett: conhecimento em química e confiança do sogro (Crédito: Fourth & Twenty Eight Films)

Por Felipe Machado

Uma mulher que luta contra preconceitos para seguir à frente do negócio do marido após a sua morte, mesmo com todos os percalços que a sociedade lhe impõe. Um enredo como esse podia facilmente se passar nos dias de hoje, mas aconteceu no século 18, em plena França do imperador Napoleão Bonaparte. A incrível e corajosa história de Barbe-Nicole Clicquot Ponsardin, fundadora da marca de champanhe Veuve Clicquot há mais de 250 anos, ganha uma sensível versão para as telas no título A Viúva Clicquot, mesmo nome do livro que inspirou o filme e que também tem relançamento em nova edição, com o subtítulo A História de um Império do Champanhe e da Mulher que o Construiu.

Escrita pela historiadora norte-americana Tilar J. Mazzeo, a obra se divide entre um romance açucarado, uma trama histórica e um texto em defesa do potencial das mulheres diante dos desafios do empreendedorismo feminino daquela época. Já o filme em cartaz, dirigido por Thomas Napper e com produção de Joe Wright, volta-se mais para o relacionamento amoroso entre Barbe-Nicole (Haley Bennett) e o marido, François Clicquot (Tom Sturridge).

Viúva aos 27 anos, ela se viu à frente de um vinhedo em dificuldades financeiras. Ele era um vinicultor excelente, mas teve no final da vida problemas de saúde e foi consumido pelo vício em ópio. Seu comportamento errático havia deixado a empresa em uma situação difícil, atolada em dívidas. Recusando as ofertas de compra dos concorrentes masculinos da região, Barbe-Nicole decidiu assumir a vinícola e transformá-la em um negócio sólido, enfrentando as barreiras impostas pela sociedade patriarcal da época.

Para ser bem-sucedida, ela teria que enfrentar o maior obstáculo de todos: as leis de Napoleão, que proibiam tanto o funcionamento de empresas lideradas por mulheres quanto o comércio com países hostis, como a Rússia. Ela aprendeu a liderar e beneficiou-se com o gradual enfraquecimento de Napoleão à frente do seu império. Para isso contou com a ajuda do sogro, que a admirava por seu conhecimento em química, e com o talento para combinar as uvas —insinua-se que ela já atuava nessa função em parceria com o marido. O fato de o sogro ter lhe concedido um alto empréstimo comprova essa confiança.

E ele estava certo: Barbe-Nicole precisava produzir champanhe em larga escala para vender na Rússia antes que seu concorrente, a Moët, a alcançasse. Foi aí que ela teve uma ideia genial em relação ao processo de produção. O trabalho era feito de maneira lenta e artesanal, quando ela sugeriu que se fizessem buracos nas garrafas e as virassem de cabeça para baixo, para que a levedura se assentasse rapidamente. Apesar da resistência, os funcionários a obedeceram. Funcionou: nascia ali a técnica conhecida como remuage, aplicada nas vinícolas francesas até os dias de hoje.

Tilar J. Mazzeo: entre o romance, a trama histórica e a defesa do empreendedorismo feminino (Crédito:Divulgação )

Embora o filme seja visualmente encantador, ele peca ao dar muito destaque para a suposta inspiração por parte de François, o que enfraquece o enorme passo que Barbe-Nicole teve que dar sozinha para alcançar o sucesso. Destaque para a bela trilha sonora de Bryce Dessner, que traduz em sons a complexidade psicológica e emocional da protagonista. O músico, que acumula a função de compositor da banda de rock The National, já havia se destacado com a música feita para Dois Papas, de Fernando Meirelles, e Sempre em Frente, longa dirigido por Mike Mills.

Como não poderia deixar de ser, o champanhe é um coadjuvante mais que especial nessa história. A relação entre a bebida e as mulheres vai muito além do folclore. Na literatura, o poeta Lord Byron chegou a afirmar que “as únicas coisas que uma mulher pode ser vista comendo e bebendo são lagostas com champanhe”. Madame de Pompadour, amante do rei da França no século 18, dizia que “o champanhe é o único vinho que deixa a mulher mais bonita depois de beber”. Diz a lenda, inclusive, que as taças da bebida, as coupes, foram inspiradas nos seios da famosa dama. Apesar de toda a sensualidade que envolve o champanhe, foi uma viúva que se transformou no seu maior símbolo — e que inspirou a sua melhor história.