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Viva mais e melhor: as últimas descobertas da ciência

No século XX, a expectativa de vida deu seu maior salto em 5 milhões de anos da espécie humana, iniciando o período com 40 anos e chegando aos 70. Com os novos avanços da ciência sobre as causas do envelhecimento, o mundo acompanhará já nesta geração um aumento semelhante

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Vida longa: atividade física, dieta baseada em vegetais, terapias de frio e calor e atividades de controle de estresse não fazem tanto efeito se a pessoa não tiver um propósito (Crédito: iStock)

Por Luiz Cesar Pimentel

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a velhice na Classificação Internacional de Doenças (Cid-11). Por pressão popular, voltou atrás. Mas a aceitação de que o envelhecimento é sinônimo de doença foi a chave para que a ciência compreendesse a receita da longevidade. A aritmética foi simples: se envelhecer é igual a adoecer, como resolvemos a equação para chegar à fórmula da superação das doenças que matam antes do tempo?

A resposta veio pela observação e comprovação em laboratórios. As práticas para vida longeva foram estabelecidas e os parâmetros de adoecimento passaram a ser regulados, com a vitória do atraso do relógio biológico sobre o relógio cronológico.

A ciência dribla a morte e o ser humano que atingirá os 150 anos já está entre nós. Apesar de soar como frase de efeito no meio científico (e é), a afirmação prova-se verdadeira.

O que foi percebido como denominador comum entre as rotinas dos centenários e os testes bem-sucedidos em laboratório foi que, na física do dia a dia e na biologia, o fator vitorioso era provocar estressores que ativam genes (da longevidade) sem danificar as células.

Algo como promover uma limpeza celular, livrando-as das partes envelhecidas e estimulando-as a criar complementos no espaço aberto.

Conseguiram perceber que os longevos de certo modo ligavam e desligavam genes do envelhecimento com práticas de vida ao reproduzirem isso em tubos de ensaio ou cobaias.

Um spoiler das principais práticas dos longevos: restrição calórica, adoção de atividade física, dieta baseada em vegetais, terapias de frio e calor e atividades de controle de estresse.

Genes e zonas de longevidade

Pelo caminho inverso de percepção sobre quais regiões biológicas eram ativadas, foram encontrados três principais moléculas que ganharam apelido de “genes da longevidade”:

1. Sirtuína (proteínas que regulam o ritmo em que envelhecemos);

2. mTor (proteínas que agem no metabolismo);

3. AMPk (enzima de controle metabólico).

O declínio dessas estão entre os principais motivos que fazem com que o corpo idoso desenvolva doenças como diabetes, cardiovasculares, osteoporose, câncer e demência.

Nathan Price, autor best-seller, biólogo e professor: “Esperamos até que seja tarde demais para lidar com as doenças. A missão é centrar no bem-estar, passando do gerenciamento de doenças crônicas para a prevenção e a longevidade saudável” (Crédito:Divulgação)

A maior população que trazia no organismo a resposta sobre o que fazer para estimular naturalmente a biologia da longevidade estava no que foram chamadas “Zonas Azuis”, cinco regiões no planeta que concentram populações com vida mais longa, menor índice de doenças e maior bem-estar em comparação ao restante do globo. São elas:

* província de Nuoro, na Sardenha (Itália);
* província de Okinawa (Japão);
* cidade de Nicoya, na Costa Rica;
* Ilha de Ikaria, na Grécia,
* Loma Linda, nos Estados Unidos.

Com as lições das cinco localidades veio a percepção de que era possível a vida mais longa.

Solange Frazão, 60 anos, personal trainer: “Sei que vou envelhecer. Só estou adiando este momento da natureza” (Crédito:Divulgação)

As descobertas do estudo

O estudo foi conduzido por time de antropólogos, demógrafos, médicos, pesquisadores e nutricionistas. “O que as regiões revelam sobre longevidade e vitalidade é algo que nunca conseguiríamos obter em estudo controlado. Evidências foram reveladas em nível de populações inteiras, abrangendo vidas e gerações”, afirma um dos maiores especialistas em qualidade de vida, o médico norte-americano David Katz, que participa do estudo.

A saúde realmente começa pela boca. Cada lugar, de sua forma, adota a prática de restrição calórica e dieta atualmente chamada de plant-based, à base de alimentos vegetais integrais, mas não obrigatoriamente vegetariana.

No Mediterrâneo, mesmo gorduras como de azeite e os laticínios consumidos, como leite de cabra, carregavam sabedoria biológica, já que o primeiro promove bom colesterol e o segundo comporta triptofano, que estimula serotonina, neurotransmissor que é conhecido como “hormônio do prazer”. Sem contar que, com a baixa exposição aos aminoácidos das carnes, o corpo reage reciclando mais proteínas danificadas.

Escassez de comida

O segredo também se encontra não apenas na abundância de alimentos, mas em sua escassez. Mesmo em regiões famosas pelo culto à comida, como a Itália, todos traziam práticas de jejum ou de restrição calórica.

Pesquisadores da Universidade de Columbia, em Nova York, constataram em estudo sobre jejum intermitente que a restrição calórica era responsável pela inibição da inflamação, que propicia doenças relacionadas ao envelhecimento.

“Na prática, é uma estratégia que ativa circuito de sobrevivência do organismo, utilizando leve adversidade para acordar e mobilizar as defesas celulares”, diz Fábio César dos Santos, médico brasileiro especializado em medicina integrativa.

E esta é uma das principais sugestões resumidas pelo biólogo e professor de genética David Sinclair, que publicou o estudo científico mais badalado da atualidade, o livro Tempo de Vida – Por Que Envelhecemos e Por Que Não Precisamos. “Coma com frequência menor e maximize seu tempo de vida”, conclui na obra.

Atividades Físicas

Outra lição que as zonas azuis apresentam diz respeito a atividades físicas. Não foram descobertas nelas a maior quantidade por metro quadrado de academias de ginástica, mas que a rotina de vida de seus habitantes prioriza, por exemplo, a caminhada como parte natural do dia a dia.

Já constava em ditado acadêmico que o “sitting” (permanecer sentado horas em frente a uma tela) é o novo “smoking”, em risco à saúde, e com a análise em laboratório vieram à luz os completos benefícios da movimentação.

A teoria prévia era de que exercícios ativam a circulação, evitando gordura nas artérias, além de fortalecer coração, pulmões e músculos. Com testes, foi constatado que a movimentação deixa os telômeros (terminações dos cromossomos que regulam envelhecimento) mais longos.

E também que, ao aplicar estresse ao corpo, o praticante força os músculos a transportar oxigênio extra aos vasos capilares. Ou seja, os reguladores de longevidade são modulados na direção certa pelo exercício.

 

David Katz, 60 anos, médico, autoridade em estilo de vida: “O bem-estar planetário é crucial quando pensamos em oferecer promessa de longevidade e vitalidade a outros. Ou seremos longevos em um planeta saudável ou não seremos longevos” (Crédito:Divulgação)

O uso da energia térmica e questões mentais

Outra prática nas Zonas Azuis são as terapias de frio, calor e choque térmico, mais facilmente exemplificadas por sessões de sauna seguidas de banhos gelados.

Ratos induzidos ao frio, em testes como de restrição calórica, tiveram diminuição da temperatura corporal central e, em longo prazo, fêmeas tiveram a vida prolongada em 20% e machos em 12%.

Os estudos de calor foram feitos com humanos – 2.300 finlandeses que fazem banhos de sauna regularmente apresentaram duas vezes menos doenças cardíacas e ativação maior de irisina, hormônio que reproduz benefícios da atividade física.

Sobre as questões mentais e reflexos no organismo, é sabido que transtornos como depressão e ansiedade fazem baixar a régua de expectativa de vida em 10 anos. No quesito, por tradição e sabedoria ancestral, as práticas das Zonas Azuis os levam a nadar de braçada.

Cientes de que hábitos, condições e sentimentos são contagiantes, como obesidade, tabagismo, felicidade e solidão, cada povo adota atividades positivas.

Em Okinawa, reservam momentos para relembrar os antepassados; os adventistas norte-americanos oram; ikarianos tiram soneca diurna; italianos priorizam happy hour. Conduzem com seriedade a valorização social, em comunidade, ao ar livre e a meditação.

Dos 263 centenários entrevistados no projeto somente cinco não declararam ter fé.

David Sinclair, biólogo e professor de Genética: “É um momento em que redefiniremos o que significa ser humano, pois não é apenas o começo de uma revolução, é o começo de uma evolução” (Crédito:Divulgação)

Sobre o tema, há estudo conduzido em Harvard que durante 80 anos acompanhou 268 participantes para desvendar o que torna a vida boa. A conclusão foi bem resumida no título que a Harvard Gazette deu em 2017, quando de sua divulgação: “Boa genética é legal, mas alegria é melhor ainda”.

Há um vídeo de palestra TED com o diretor do estudo, Robert Waldinger, intitulada “O que torna a vida boa? Lições do mais longo estudo sobre felicidade”, que oferece bom parâmetro do viés e que já foi vista mais de 24 milhões de vezes.

“A solidão mata. É tão poderosa quanto o fumo ou o alcoolismo.”
Robert Waldinger, diretor do estudo conduzido em Harvard 

Ajuda laboratorial

“Do outro lado do tabuleiro desse xadrez contra as doenças do envelhecimento que levam à morte, a medicina vem encontrando recursos além dos naturais para compor a melhor proteção possível”, diz Fábio dos Santos.

Aqui, entra em cena o auxílio laboratorial, especialmente com suplementação de algumas substâncias chamadas “moléculas da longevidade”:

* resveratrol;
* quercetina;
* NAD;
* metformina, entre outras.

Os dois primeiros costumam ser mais familiares, já que possuem fontes naturais e usuais. Tanto o resveratrol quanto a quercetina estão presentes no vinho, principalmente o tinto. Mas não adianta usar isso como desculpa de que consumo da bebida é suficiente, já que para atingir o nível de suplementação diária de resveratrol seriam necessários alguns litros de vinho.

Assim como a quercetina, flavonóide que dá cor a frutas e vegetais, ambos possuem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. Já o NAD é molécula presente no organismo, transformadora de nutrientes em energia.

Metformina é conhecida desde a Idade Média como remédio contra diabetes, o que persiste até hoje, pois diminui a taxa de glicose no sangue. Vem da erva chamada Lilac, e, como os outros três, só deve ser consumida com acompanhamento médico pelo risco de causar desequilíbrio funcional e o tiro sair pela culatra.

Assim como outra importante terapia, a de modulação hormonal consciente (reforço para a palavra consciente). Nela, são introduzidos aminoácidos, vitaminas e hormônios, quando indicados de acordo com as taxas laboratoriais e quadro clínico.

No radar científico já são enxergados no horizonte estudos promissores para interromper e até mesmo reverter envelhecimento com células-tronco, peptídeos e exossomas.

Nomes complicados que você não precisa decorar nem consultar ainda, assim como as nove razões biológicas já conhecidas para envelhecimento. Vão de “perda de proteostase” a “senescência celular”.

Fique com a simples explicação de David Sinclair:
“Envelhecimento é perda de informação.”

“O progresso está sendo feito ao redor e dentro de nós. Dentro de nós, há cada vez mais evidências sobre os principais caminhos. Ao nosso redor está a influência da cultura em que vivemos. Não há substituto para uma vida saudável, mas certos suplementos têm o potencial de nos ajudar a chegar lá”, diz David Katz.

A resposta que todos os interessados devem formular é “para que eu quero mais anos de vida?”.

Se for para que tenha vitalidade e saúde na perspectiva de conhecer seus netos e bisnetos, já há meio caminho andado para que siga os princípios práticos.

“Não é somente quanto tempo mais de vida acrescentamos, mas quão bem vivemos”, resume Dean Ornish, presidente do Instituto de Pesquisa de Medicina Preventiva dos EUA.

Das 8 bilhões de vidas humanas hoje na Terra, apenas 1,6 milhão alcançarão os 100 anos (ou 0,02%).

A esperança de que seja você é reforçada pela constatação de que em apenas três meses de mudança positiva de hábitos somos capazes de desviar virtuosamente o caminho de mais de 500 genes. E viver os dias de forma a praticar o segredo compartilhado por uma habitante centenária de Ikaria: “Nós apenas nos esquecemos de morrer”.