Brasil

Entenda a sombra bolsonarista que paira sobre vazamento dos áudios ligados a Moraes

Moraes manda abrir inquérito para investigar vazamento de diálogos no caso das Fake News e PF suspeita que seguidores de Bolsonaro estejam por trás da trama. Objetivo seria anular provas visando anistia eleitoral e jurídica para o ex-presidente

Crédito: Rafael Vieira

Uma das linhas de investigação segue a hipótese de que o vazamento teria sido organizado fora do País por extremistas de direita, com a finalidade de provocar a anulação de provas que incriminam Bolsonaro (Crédito: Rafael Vieira)

Por Vasconcelo Quadros

A rapidez com que a tropa de choque do ex-presidente Jair Bolsonaro agiu para pedir o impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, por conta da divulgação de diálogos e áudios retirados supostamente do aplicativo de WhatsApp do celular do perito Eduardo de Oliveira Tagliaferro, foi vista, desde o início, como uma atitude suspeita. As investigações agora apontam que o feitiço pode virar contra o feiticeiro: são poucas as dúvidas de que parte da trama tem origem no bolsonarismo, com a finalidade de pressionar o STF a aceitar a eventual aprovação de um projeto de anistia negociado nos bastidores, que deverá ser apresentado na Câmara dos Deputados logo após o trânsito em julgado da primeira eventual condenação ao ex-presidente.

Por se tratar de uma autoridade como alvo, a Polícia Federal já monitorava o caso, mas agora, a pedido do próprio ministro, abriu, na segunda-feira, 19 de agosto, um inquérito para investigar a origem do vazamento das mensagens, indicando que auxiliares do ministro no STF e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) trocavam informações e dividiam a busca de documentos para instruir o inquérito das Fake News, em que Moraes, à época presidente da Corte eleitoral, era relator.

Inquérito aberto por Moraes (à dir.) vai investigar tudo o que está por trás do vazamento. Suspeitas miram grupos ligados a Bolsonaro, mas não descartam origem externa (Crédito:Ton Molina)

As mensagens, divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo, mostrariam que o ministro, que tem poder de polícia, usou o setor e apuração do TSE em combate à desinformação “fora do rito” contra bolsonaristas. A rigor, um procedimento sem qualquer ilegalidade, usual em investigações no Tribunal.

Embora preliminares, as investigações seguem três linhas.
A primeira aponta que o conteúdo pode ter sido vazado pelo próprio perito.
Outra que uniriam policiais paulistas a extremistas de direita suspeitos de se associarem para causar estardalhaço à imagem do ministro, forçando o Senado a colocar na pauta o pedido de impeachment articulado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE).
A terceira levanta a hipótese de que o vazamento teria sido organizado fora do País por extremistas de direita. Todas as hipóteses, avaliam policiais ouvidos por ISTOÉ, teriam finalidade de provocar a anulação de provas que incriminam Bolsonaro.

Deputada Carla Zambelli foi a primeira influenciadora das redes a postar mensagens sobre a prisão de Tagliaferro (Crédito:Divulgação )
(Divulgação)

Porta aberta

Tagliaferro negou ter entregue as conversas a quem supostamente passou o conteúdo espelhado de seu celular aos jornalistas da Folha de S. Paulo, argumentando que ele não seria imprudente em alimentar uma polêmica que poderia colocar sua própria vida em risco. Mas deixou uma porta a aberta para a hipótese de seu aparelho ter sido espelhado numa das delegacias por onde passou, a de Caieiras, onde foi preso na noite de oito de maio de 2023. Ou a de Franco da Rocha, para onde seu ex-cunhado, Celso Luiz de Oliveira, levou o celular e o revólver que ele afirma ter disparado acidentalmente durante briga com sua mulher, Carla Tagliaferro, num caso que estava sendo tratado como violência doméstica e sob sigilo. Caieiras e Franco da Rocha ficam na Região Metropolitana de São Paulo.

Um dia depois da prisão, por considerar a ocorrência grave, Alexandre de Moraes determinou a exoneração de Tagliaferro do TSE, que era responsável pelo setor que apura denúncias de desinformação e havia sido demandado pelo próprio ministro a repassar ao STF documentos e relatórios que pudessem fortalecer as suspeitas contra bolsonaristas propagadores de falsas notícias. O depoimento do perito, ouvido nesta quarta-feira (22) na superintendência da PF, em São Paulo, é considerado a peça mais importante para dar um rumo às investigações. A polícia passou a suspeitar inicialmente que ele, como vingança pela demissão, pudesse ter entregue a alguém de confiança o volume de seis gigabytes armazenados no aplicativo WhatsApp, que vem sendo divulgado a conta-gotas. O conteúdo integral é um mistério alimentado por bolsonaristas que atuam também para abrir uma CPI no Congresso.

A PF tem, no entanto, outros suspeitos. Um deles é a deputada Carla Zambelli (PL-SP) que, horas depois da prisão de Tagliaferri, em 9 de maio, recebeu informações privilegiadas sobre o escândalo.
Ela chegou a postar uma primeira mensagem enigmática nas redes sociais. “O assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia, porque tentou matar a esposa, dando vários tiros dentro de casa ontem à noite”, escreveu, sugerindo que “a imprensa está querendo esconder, mas temos gente nossa na porta da delegacia esperando ele sair”.
Na manhã seguinte, emissários da deputada fotografaram o perito no “chiqueirinho” de uma viatura da Polícia Civil quando era levado para uma audiência de custódia da delegacia de Caieiras para a sala do juiz da Vara de Família de Jundiaí. Zambelli publicou a foto do perito e escreveu: “O agressor de mulheres que atirou na esposa graças a Deus não conseguiu feri-la. O xerife das fake News. À pergunta que não sei responder já fiz um pedido de informações: ele ainda está trabalhando para o ministro Alexandre de Moraes?”.

Delírio extremista

A polícia suspeita que a deputada, um dos principais alvos e investigações que miram a rede criminosa responsável pela tentativa de golpe em 2022, teve acesso ao conteúdo. Nos dias que antecederam a publicação das reportagens houve, segundo investigadores, forte movimentação de grupos bolsonaristas nas redes sociais trocando mensagens com a indicação de que um grande escândalo estouraria, o que acabou se revelando, pelo menos até agora, em mais um delírio dos extremistas na ânsia de desgastar o STF para favorecer o ex-presidente. As experiências ruins parecem não ensinar nada a Carla Zambelli.