Cultura

Na voz dos outros: shows e gravações prestam homenagem a artistas do passado

Uma velha tendência domina a nova geração da música brasileira: o lançamento de álbuns e a criação de shows especiais em homenagem aos ídolos do passado

Crédito: Arte: Cleber Machado. fotos: divulgação

Tributo ou falta de criatividade? (Crédito: Arte: Cleber Machado. fotos: divulgação)

Por Felipe Machado

Fazer versões de grandes artistas do passado não é nenhuma novidade. As homenagens feitas por destaques da nova geração, no entanto, estão ficando cada vez mais reverenciais. Não basta mais gravar um sucesso do passado, dando a ele nova roupagem e arranjos mais modernos. A tendência agora é dedicar um álbum completo ou um show especial ao ídolo, muitas vezes apresentando o repertório exatamente na ordem em que foi concebido originalmente.

Os exemplos são muitos. Fundada há duas décadas, a banda pernambucana Mombojó foi pressionada pela gravadora para lançar no início do ano o novo álbum. O problema é que o repertório não estava pronto. Optaram, então, por um projeto especial. “Pela agilidade, veio a ideia de reviver a obra de um grande artista”, afirma o vocalista Felipe S. Escolheram o conterrâneo Alceu Valença, cuja carreira teve o ápice nos anos 1980, época em que ainda eram adolescentes. O álbum Carne de Caju traz oito faixas, entre elas ‘Tomara’, ‘Como Dois Animais’ e ‘Estação da Luz’.

Um dos lançamentos de maior repercussão nos últimos tempos foi Xande Canta Caetano Veloso, onde Xande de Pilares reinterpretou os clássicos do compositor baiano em ritmo de samba. A paulistana Ana Cañas preferiu apostar no repertório de um ídolo da adolescência para alcançar o maior sucesso de sua carreira. O premiado projeto Ana Cañas Canta Belchior correu o País em uma bem-sucedida turnê de mais de 150 shows antes de ser registrada no disco Ao Vivo em Sobral, cidade natal do compositor. A crítica aprovou: a performance foi considerada o “melhor show do ano” pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).

Consagrados nos palcos, dois projetos bem-sucedidos de tributos deveriam ser levados ao estúdio. Otto Canta Reginaldo Rossi, show do cantor e compositor pernambucano composto por hits dos anos 1970 e 1980, é um sucesso até mesmo entre o público descolado que nunca ouvira falar do “rei do brega”, como Rossi era chamado. Apesar de ter a estante lotada de discos de ouro, devido às altas vendagens de seus trabalhos, o ídolo popular se ressentia por não ser aceito pela nata da MPB. O resgate de Otto corrige essa injustiça: com novos arranjos e uma big band formada por nove músicos, canções como ‘Garçom’, ‘As Quatro Estações’ e ‘Mon amour, meu bem, ma Femme’ comprovam que Rossi merecia estar no mesmo patamar de outros ícones da música brasileira.

Tim Bernardes decidiu homenagear Gal Costa pela primeira vez em um show no C6 Festival, em São Paulo, por ocasião do aniversário da morte da cantora, em novembro de 2022. Em um evento emocionante, desfilou sucessos como ‘Volta’ e ‘Baby’, antes da canção ‘Realmente Lindo’, de sua autoria, que a artista baiana gravou em 2018. Unanimidade entre a nova MPB, Gal Costa também foi homenageada por Marina Sena e Filipe Catto.

Criatividade em crise?

A lista parece não ter fim: a rapper Tássia Reis celebrou os cinquenta anos de carreira de Alcione.

Anelis Assumpção prestou tributo aos reis do reggae jamaicano: depois dos clássicos de Bob Marley, criou uma apresentação dedicada a Peter Tosh.

Há espaço até para projetos familiares ­— o guitarrista Beto Lee recorreu a um time de peso, que incluiu o baixista Lee Marcucci, do Tutti Frutti, antiga banda de Rita Lee, para lembrar no palco o repertório da mãe.

Sem esquecer a deferência feita em turnês recentes dedicadas a Roberto Carlos (Del Rey), Tim Maia (Fat Family), Dorival Caymmi (BNegão), Marisa Monte (Silva) e Jorge Benjor (Los Sebosos Postizos), entre outros.

Marketing ou amor verdadeiro? O sistema das plataformas de streaming podem estar por trás disso: a necessidade de lançamentos constantes, exigência do mercado atual, certamente prejudica a criatividade.

(Divulgação)