Comportamento

Carne de laboratório começa a ser vendida

Material desenvolvido a partir de células-tronco de animais vivos já está à venda em Singapura, sem previsão de ser comercializada tão cedo no Brasil

Crédito: Divulgação

Para que se multiplique, o material é estimulado com aminoácidos, vitaminas, água, sais inorgânicos, hormônios, oxigênio e glicose (Crédito: Divulgação )

Por Maria Ligia Pagenotto

O que parece cena de ficção científica, ou algo exequível apenas em testes, já é realidade na versão frango em prateleiras de supermercados em Singapura, país da Ásia. A carne artificial, cultivada em laboratório, surge como uma alternativa ao mercado de proteínas — a princípio em uma localidade rica e com pouco espaço para agropecuária. Singapura tem área total de 697km² — é menor que a cidade de Nova York – e uma população de mais de 5 milhões de pessoas. O país importa 90% de seus alimentos.

Para que as primeiras embalagens da carne cultivada chegassem ao consumidor em maio deste ano, na Huber´s Butchery, foram investidos milhões de dólares. Além de Singapura, EUA e Israel já têm licença para a comercialização do produto.

• A carne artificial é produzida a partir de células-tronco extraídas do animal vivo – no caso, o frango.
• Para que se multiplique, o material é estimulado com aminoácidos, vitaminas, água, sais inorgânicos, hormônios, oxigênio, glicose, entre outros nutrientes.
• As células são então combinadas com biomateriais comestíveis, que irão constituir a parte sólida da carne no laboratório.

No processo de multiplicação, as células também precisam passar por um biorreator. Após essa etapa, para ganharem mais textura, as carnes são enviadas para uma impressora 3D.

A favor do produto, principalmente, está o fato de ele ser sustentável, e aí estaria sua maior vantagem: não causar dano à vida animal e ao meio ambiente. “Seria uma forma eficiente de reduzir as emissões de metano”, diz o médico nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Para além da questão ambiental, ele vê com um misto de entusiasmo e cautela o cultivo da carne. “Em longo prazo, poderia ajudar a alimentar mais pessoas com proteínas de alto valor biológico.” Além disso, segundo o médico, as pesquisas e os investimentos direcionados para o produto podem levar ao desenvolvimento de tecnologias capazes de curar doenças neurodegenerativas.

A preocupação do médico reside no fato de o produto ainda ser muito novo. “Não se sabe se o consumo corriqueiro da carne artificial pode vir a causar algum problema ao organismo”, pondera.

Versão mais saudável

Após o cultivo da carne de frango, os cientistas já apostam na produção em laboratório de carnes bovinas e suínas. Ribas acredita que é possível, com muito investimento e pesquisa, que as indústrias venham a desenvolver uma carne com menos gordura saturada, e, em contrapartida, maior quantidade de ácidos graxos ômega, que trazem benefícios à saúde.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou no final do ano passado uma resolução regulamentando o registro do alimento. As pesquisas por aqui ainda estão no início.

“A JBS tem muito interesse nessa produção no país”, afirma Ribas. Segundo ele, o produto demanda alta tecnologia e coloca em xeque o agronegócio e o que este representa economicamente para o Brasil. Mas ele acredita que é só uma questão de tempo — e de investimentos — para que, em breve, o brasileiro também possa encontrar nas gôndolas de supermercado, a carne artificial. De preferência, com características mais saudáveis do que a natural.