A farsa do ditador: Maduro ‘vence’ eleição suspeita e mundo democrático fica pasmo
Em um processo escandalosamente fraudulento, Nicolás Maduro alega ter ganho eleição que o mundo considera perdida de lavada e toma posse em meio a mortes, prisões e pancadaria. Hesitação em admitir trapaça coloca Lula, PT e Planalto em situação diplomática delicada
Por Eduardo Marini, Luiz Cesar Pimentel e Debora Ghivelder
O ditador Nicolás Maduro, herdeiro político de Hugo Chávez, manda e desmanda há onze anos na Venezuela, um país que testemunhou o êxodo de um a cada cinco cidadãos na última década. Diz ter conquistado, no domingo (28), votos suficientes para controlar tudo por lá por mais seis anos, no terceiro mandato consecutivo. Mas apenas ele próprio, seus seguidores mais fanáticos, a parcela civil e militar apaniguada com benesses, os protegidos e os líderes de países como China, Rússia, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Honduras parecem acreditar nisso.
Cinco horas e meia após o término das votações, com a apuração inacabada e contra todas as pesquisas, estudos e projeções independentes, Maduro foi proclamado presidente por uma das muitas instituições levadas por ele no cabresto, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o TSE de lá.
A vitória existente no mundo maravilhoso do líder venezuelano foi questionada, rejeitada, qualificada de fraude e até ridicularizada pela suprema maioria de governos, especialistas, veículos de comunicação e instituições do mundo democrático.
Na tarde de quinta-feira (1º), o saldo da violenta repressão aos protestos, que tende a subir, era de 16 mortos, 750 detidos em menos de 24 horas e dezenas de desaparecidos. A hesitação do governo brasileiro para decidir se deve ou não condenar as irregularidades grotescas perpetradas por Maduro colocam o Planalto, o PT e o País em situação diplomática delicada.
As evidências são tão fortes que Lula e seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, enviado a Caracas, capital da Venezuela, para acompanhar a votação, se equilibram em solo minado, cada vez mais pressionados pela percepção praticamente unânime de se estar diante de uma das fraudes mais vergonhosas e explícitas da História.
Ao retornar ao Brasil, Amorim fez vista grossa para o caldeirão venezuelano, que começava a ferver nas ruas, fez um relato de 40 minutos para o presidente e, na saída, afirmou que “não iria adotar a narrativa de fraude”.
Na quarta-feira (31), enquanto o número de mortos aumentava e o de oposicionistas presos pela polícia e a milícia paramilitar disparava na Venezuela, Lula afirmou estar “convencido” de que o processo foi “tranquilo” e de não ter visto “nada de grave, anormal ou assustador”. E emendou: “Há um processo. Vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a 3ª Guerra Mundial”.
Lula quer ver as atas
A imprensa e o mundo, talvez seja oportuno lembrar. “Uma pessoa disse que teve 51%, outra 40 e poucos por cento. Como resolve a briga? Apresentem as atas. Se elas trouxerem dúvidas entre a oposição e a situação, os opositores entram com recurso e vão na Justiça. Haverá uma decisão, que a gente tem que acatar. Na hora em forem apresentadas as atas e for consagrado que são verdadeiras, todos nós teremos obrigação de reconhecer o resultado eleitoral”, aconselhou o presidente.
O cientista político Paulo Ramirez, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da Casa do Saber, também acha necessário conhecer, antes, as atas. “Maduro controla o sistema eleitoral e poderia interferir. É cedo para dizer se foi manipulado, mas não há inocente neste processo eleitoral.”
“Sua narrativa é infinitamente melhor do que a contada por eles contra você.”
Lula, sobre Maduro, em maio de 2023
Lula conversou sobre a Venezuela com o presidente dos EUA, Joe Biden. O democrata deu detalhes da troca de ideias em sua conta no X: “Falei com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, para discutir questões bilaterais e regionais, incluindo a situação na Venezuela. Concordamos com a necessidade de divulgação imediata de dados eleitorais completos, transparentes e detalhados dos votos e nos comprometemos a permanecer em estreita coordenação sobre a questão”.
O PT não teve o mesmo cuidado. Na noite de segunda-feira (29), com o mundo condenando a marmelada e o pau comendo solto nas ruas de Caracas, a executiva nacional do partido reconheceu a vitória do chavista numa nota em que qualificou a eleição de “jornada pacífica, democrática e soberana”. Como se fosse possível, olhando daqui, reunir condições para uma avaliação de tamanha profundidade, abrangência e sensibilidade.
“Não tem nada de grave, não tem nada de assustador, não tem nada de anormal.”
Lula, sobre o processo eleitoral venezuelano, na quarta-feira (31)
As sugestões de Lula de pedir as atas eleitorais e sugerir os tribunais a quem se sentir prejudicado são legítimas e corretas sob o ponto de vista democrático. Mas certamente terão efeito nulo diante de realidades que o sistema de Maduro deixam escancaradas. O chavista controla totalmente o CNE e a Corte Suprema do país, com troca de juízes e dança de cargos ao seu sabor. Direciona também a cúpula da Forças Armadas, apaniguada na quase totalidade com sinecuras e cargos de comando nas estruturas do governo, empresas públicas e na intermediação de contratos públicos polpudos de compra e importação pelo regime.
Conivência militar
Em troca, Maduro conta com vista grossa dos militares para manter a milícia que o blinda no dia a dia. No resumo, está tudo dominado. Nesse cenário, é impossível acreditar na possibilidade de que as atas esperadas por Lula e Amorim sejam “consagradas como verdadeiras”, para usar os termos do presidente, em vez de confirmadas como obras de ficção. Isso, claro, se um dia forem divulgadas.
“O Brasil pode passar a ser visto nos ambientes europeu e americano como possível inimigo”, teme o doutor em História Saulo Goulart. “Isso foi debatido no Conselho de Relações Internacionais do congresso americano após a recepção do navio iraniano que atracou na costa brasileira. Isso, com certeza, poderá gerar sanções. É um horizonte mais palpável”, acrescenta.
Na contagem original, exclusiva e surpreendente do CNE, Maduro teria recebido 51,2% dos votos (5,15 milhões) contra 44,2% (4,44 milhões) do oposicionista Edmundo González Urrutia, da Plataforma Unitária Democrática (PUD), apoiado pela líder Maria Corina Machado.
González aparecia em todas as pesquisas independentes disparado como favorito, com índices entre 58% a 60%. Maduro não passou dos 30% em nenhuma delas. Por via das dúvidas, o chavista tratou logo de renovar o mandato.
Com a pressa dos que se condenam, armou uma cerimônia de posse horas depois do resultado que chamou de seu. A oposição afirma que os 73% dos votos aos quais tem acesso pelas atas eleitorais mostram González com mais do que o dobro dos votos. Resultado: o pau comeu solto logo após a divulgação do resultado, com militares, policiais, milicianos e seguidores de Maduro reprimindo juntos os protestos dos opositores, o que gerou o triste saldo de mortos, detidos e desaparecidos.
A queixa da oposição foi respaldada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que não reconheceu o resultado. A instituição aponta indícios de distorção na apuração.
O Carter Center, organização sem fins lucrativos do ex-presidente americano Jimmy Carter, declarou que as eleições não podem ser consideradas democráticas porque o processo não atendeu aos padrões internacionais de integridade eleitoral e violou inúmeras disposições das leis nacionais.
A retenção das atas pelo CNE, sem apresentar resultados, é ponto nevrálgico no impasse. Desde então, a oposição coleta atas recebidas por fiscais de urnas. A plataforma independente venezuelana Alta Vista fez uma contagem dos votos que dá vitória à oposição. González teria recebido 66,23% dos votos e Maduro, 31,27%. Os cálculos foram validados por estatísticos e cientistas políticos brasileiros.
A oposição venceu
A metodologia da Alta Vista foi desenvolvida por cientistas políticos e estatísticos.
Dalson Figueiredo, professor do Departamento da Universidade Federal de Pernambuco, catalisador do Berkeley Iniciative for Transparecy in the Social Sciences e professor visitante na Universidade de Oxford, é um deles. ISTOÉ conversou com ele.
Os dados foram analisados ao lado de especialistas como o estatístico Raphael Nishimura e o especialista em fraude eleitoral Walter Mebane, ambos da Universidade de Michigan. A margem de erro, diz Figueiredo, é mínima. “Aqui, é de apenas meio ponto percentual”.
Os números calculados pelo sistema levaram ainda em consideração dados históricos das 997 sessões eleitorais vazados do CNE para calcular as inclinações ideológicas de cada uma delas. O resultado obtido foi de 66,12% para González contra 31,39% para Maduro. “Os dados são muito discrepantes dos anunciados pelo CNE, mas ficaria difícil contestar os resultados sem esse projeto”, constata.
Ao anunciar o resultado, o CNE informou que 80% das urnas tinham sido apuradas, mas que, apesar do resultado parcial, a contagem era irreversível. Dito isso, tirou o site do ar. A participação do eleitorado teria sido de 59%.
O resultado foi contestado por:
• EUA,
• União Europeia,
• Reino Unido,
• Chile,
• Alemanha,
• Argentina, entre outros.
E reconhecido pelo parceiros de sempre sob sol ou chuva: China, Rússia, Cuba, Bolívia, Nicarágua e Honduras.
Prejuízos econômicos
Após duas décadas de confrontos com o chavismo, um pacto de harmonia relativa foi estabelecido com empresários do país e investidores estrangeiros e seguido nos últimos anos.
• Os investimentos internos e externos cresceriam gradativamente na medida em que os resultados e demandas verdadeiros da democracia fossem assegurados.
• Sanções impostas pelos EUA fizeram Maduro desistir de políticas heterodoxas na economia, entre elas controle de moeda e preços.
• A hiperinflação e os índices de criminalidade foram amenizados, abrindo caminho para a possibilidade de um acordo político interno.
Essa possibilidade, agora, parece distante. As trapaças de Maduro reduzem drasticamente as chances de o governo Biden desfazer as variadas sanções econômicas contra o País. Uma eleição “pacífica, democrática e soberana”, como sonhou a executiva petista em sua nota, traria benefícios até ao Brasil — no mínimo para evitar o constrangimento político e diplomático atual.