Economia

Programa ‘Minha Casa’ chega à classe média

Aprovada sem resistência pelo Senado, a volta do programa Minha Casa Minha Vida, um dos carros-chefes das administrações petistas, é a grande aposta de Lula para se aproximar da classe média

Crédito: Ricardo Stuckert

Lula em 17 de junho, participa da entrega de 222 unidades do Minha Casa Minha Vida, em Abaetetuba – PA (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Mirela Luiz

O Minha Casa Minha Vida está de volta em versão turbinada, com a pretensão de incluir a classe média no sonho de ter moradia própria por meio de financiamentos de imóveis em valores, inicialmente, de até R$ 350 mil. Com a retomada do programa, algumas mudanças foram introduzidas, aumentando os benefícios para quem pretende adquirir uma residência. O programa foi reformulado pelo governo em fevereiro de 2023 e tem como meta construir dois milhões de novas unidades até 2026, exatamente no período da nova eleição presidencial.

A versão 2023 do programa continua com o DNA petista, e atenderá famílias em áreas urbanas com renda bruta mensal de até R$ 8 mil e famílias de áreas rurais com renda bruta anual de até R$ 96 mil. Uma das principais alterações é a renda familiar maior para as famílias da faixa 1. Antes se enquadravam nesse grupo quem recebia até R$ 1.800 de rendimentos mensais. Agora, entram na faixa 1 quem recebe até R$ 2.640 por mês.

Para reduzir ou mesmo zerar o valor da entrada nos financiamentos para famílias de baixa renda o Conselho Curador do FGTS também aprovou proposta do governo de elevar o subsídio do FGTS de R$ 47,5 mil para R$ 55 mil por família.

Pela nova versão, os subsídios aos imóveis serão maiores quanto menor for a faixa de renda familiar, que poderão ser atualizadas anualmente pelo Ministério das Cidades.

Mas, Lula quer mais. Pediu para o Ministério das Cidades, responsável pelo projeto, que estude uma maneira de incluir famílias com renda de até R$ 10 mil ou R$ 12 mil. Para isso, o governo avalia propor ao Conselho do FGTS mais uma elevação do teto do preço do imóvel, que poderá ser entre R$ 500 mil a R$ 600 mil para a faixa 3, atendendo assim uma parcela da população de faixa salarial mais alta.

“O setor habitacional precisa de políticas públicas mais agressivas e, neste sentido, essas decisões mostram uma natureza fortemente social. A classe média não goza de situação muito melhor do que a classe mais baixa e precisa ser apoiada na aquisição da casa própria, ainda que pagando juros mais altos”, explica Celso Grisi, professor da FIA Business School.

O plano de Lula pode atrapalhar os menos favorecidos?

Ao acenar para a classe média, especialistas acreditam que as novas regras alimentam um mercado de financiamento que retira subsídios da faixa mais carente da população. ”Pelas conversas que temos tido, as construtoras vão preferir pegar esses projetos que visam a construção de moradias de maior valor do que os voltados para a população de renda menor”, diz Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos.

Marcos Crivelaro, professor de finanças da Fundação Vanzolini, discorda dessa tese. “Acredito que não há motivos de se preocupar em relação à predileção das construtoras apenas por uma faixa de renda, porque geralmente essas incorporadoras já têm isso no DNA”, argumenta.

Lula e prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), trocam críticas por causa das casas de 15m² da Ocupação Nelson Mandela (Crédito:Divulgação)

A falta de moradias é a realidade para milhões de brasileiros. De acordo com a pesquisa da Fundação João Pinheiro, o País tinha um déficit de 5,8 milhões de moradias em 2019. Se o número já era grande, o período da pandemia fez esse quadro se agravar.

Houve um aumento de 393% na quantidade de famílias despejadas entre agosto de 2020 e maio de 2022, segundo levantamento da Campanha Despejo Zero, fazendo com que quase um milhão de pessoas se juntasse à estatística dos que não tinham teto.

“O déficit habitacional no Brasil ainda é muito elevado e o setor imobiliário é um setor com alto potencial de empregabilidade. É algo viável em termos de política pública e em termos de necessidade social.”
Carla Argenta, economista chefe da corretora CM Capital

Apartamentos com sacada

As novidades do novo programa para atender a classe média também estão no layout das moradias. Para isso, Lula reservou R$ 9,5 bilhões.

Os apartamentos vão ter uma sacada, pontos para ar condicionado, bicicletário, pontos para internet e o conjunto habitacional vai ter biblioteca.

“A ideia é atender também um público que pode pagar mais, com uma construção mais barata viabilizada pela escala e pelo padrão do imóvel.”
Roy Martelane, professor da FIA Business School

Essa iniciativa do governo de aumentar o valor e o tamanho das moradias populares irritou o presidente Lula, que não gostou nada ao ver o seu programa atrelado a um conjunto habitacional construído na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, que está edificando casas de 15m2 para abrigar famílias d a Ocupação Nelson Mandela.

Em live na segunda-feira, 19, o presidente disse que o prefeito Dário Saadi (Republicanos) não entendia “nada de pobre”, explicando que esse projeto nada tinha a ver com o Minha Casa Minha Vida. Saadi rebateu em vídeo em suas redes sociais, acusando o presidente de fazer ‘politicagem’. Segundo ele, os moradores tinham no imóvel o mesmo espaço de dois quartos em seus barracos.

Enquanto a população aguarda julho para aproveitar as novas regras impostas pelo governo para o Minha Casa Minha Vida turbinado, outra polêmica envolve o programa.

O artigo 38 do projeto prevê a instalação de painéis fotovoltaicos nas unidades habitacionais, gerando manifestação da Aneel, que pediu para a medida ser vetada sob a alegação de que tal implementação da energia solar terá um impacto anual de R$ 1 bilhão na conta de luz dos demais consumidores de energia, via aumento de tarifas.

O objetivo dessa medida, de acordo com o governo, é baratear a conta de luz dos moradores beneficiados com o programa, mas para que isso aconteça o restante da população terá que arcar com os custos dos subsídios do governo.