O lado sombrio da tutela

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Laira Vieira: "Enquanto a ganância dominar nossas vidas estaremos todos aprisionados em uma gaiola criada pela sociedade da opulência" (Crédito: Divulgação)

Por Laira Vieira

Quando o cinismo se mistura com a astúcia e a moralidade se perde nos meandros da ganância, surge Eu Me Importo (2020), que revela os abismos da ambição humana e os limites obscuros do sistema legal. Dirigido por J Blakeson (A 5ª Onda, Reckless), o filme é um espetacular turbilhão de manipulações e reviravoltas, onde a linha entre o certo e o errado se torna tênue.

Mas com o que a protagonista, Marla Grayson (Rosamund Pike), realmente se importa? Ela é uma guardiã legal que aparenta estar do lado dos vulneráveis, mas que na verdade explora idosos em benefício próprio. Tudo está indo muito bem para ela até a escolha da sua nova vítima: Jennifer Peterson (Dianne Wiest), uma idosa aparentemente solitária, com uma vasta fortuna, que guarda um segredo perigoso. E assim Marla se vê enredada em um jogo arriscado com um adversário igualmente astuto: Roman Lunyov (Peter Dinklage) que coloca em xeque seu modus operandi, determinação e segurança.

Marla personifica a epítome do capitalismo desenfreado, onde lucrar supera qualquer resquício de empatia. Sua jornada revela a perversidade individual e as falhas estruturais de uma sociedade que valoriza o status financeiro acima da dignidade humana, relegando os idosos a cidadãos de segunda classe. Assim como ela, muitas pessoas são levadas a ignorar seus valores morais, quando os possuem – em nome do sucesso material. A película é um reflexo cruel dos excessos de uma cultura que glorifica o individualismo e desconsidera as consequências de nossas ações sobre os outros — e assim, aqueles que deveriam proteger os mais vulneráveis muitas vezes se tornam seus algozes.

Diante desse panorama sombrio, ecoam as palavras de Jean-Jacques Rousseau: “O homem nasce livre, mas está em toda parte acorrentado”. Essa frase ressoa como um lembrete das invisíveis amarras – não só – morais que nos aprisionam. Precisamos e devemos questionar – e quebrar – nossos próprios grilhões, e buscar uma liberdade verdadeira, aquela que não é obtida à custa da opressão alheia.

A protagonista descobre que nem todo jogo pode ser vencido e que o preço da vitória pode ser mais alto do que o imaginado. Nesse momento de uma semi epifania, surge a esperança de que a justiça – nem sempre de maneiras lícitas – encontre uma maneira de prevalecer.

Enquanto a ganância dominar nossas vidas estaremos todos aprisionados em uma gaiola criada pela sociedade da opulência.

Somente quando nos importarmos verdadeiramente uns com os outros, transcendendo os limites do egoísmo – o que muitos não são capazes ou não tem interesse em fazê-lo – poderemos verdadeiramente encontrar a liberdade em uma sociedade mais igualitária, como a maioria de nós tanto almeja.