Geral

Entenda o impacto do atentado a Trump nas eleições dos EUA; analistas comentam

Crédito: Evan Vucci

Imagem de Donald Trump logo após o atentado reforçou o simbolismo de luta de um candidato ‘contra o sistema’ (Crédito: Evan Vucci)

Por Denise Mirás

RESUMO

• Está acirrado o comportamento belicista dos seguidores radicais do ex-presidente
• Mas ainda não está claro o impacto do atentado sobre eleitores indecisos
• Pesquisas apontam vantagem de apenas 2% sobre Biden

Fight! Fight! Fight!”, ou “Lutem! Lutem! Lutem!”, bradou Donald Trump, depois de brigar pateticamente para recuperar seus sapatos no palco, enquanto agentes de segurança se amontoavam sobre ele depois do tiro que levou de raspão na orelha. O atentado que sofreu no sábado, 13, em comício realizado em Butler, na Pensilvânia, garantiu a foto que logo estaria estampada em todos os cantos do mundo: manchas de sangue no rosto e punho cerrado à frente da bandeira americana desfraldada. A imagem artisticamente capturada pelo fotógrafo Evan Vucci mostra a essência violenta do ex-presidente dos EUA disposto à guerra — o inverso da mensagem que prega, de união.

Morto na hora o autor do atentado, Thomas Matthew Crooks, 20 anos e filiado ao partido, levou o clima bélico a se reproduzir na Convenção Nacional do Partido Republicano já na segunda-feira, 15, em Milwaukee, no Wisconsin. Criminoso condenado, Trump foi recebido como heroi e ungido candidato para a eleição presidencial de 5 de novembro, com J.D. Vance, um vice ainda mais radical do que ele, compondo a chapa. O que se especula agora é sobre o peso que esse atentado terá na campanha republicana, mas também na democrata, que realiza sua Convenção Nacional entre 19 e 22 de agosto para aprovar — ou não — Joe Biden como candidato à reeleição.

“O momento é de incerteza”, diz Flavia Loss, doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da USP, alertando que a ansiedade por respostas é grande, mas ninguém tem bola de cristal. “Que o atentado mudou a estratégia de campanha do Trump já está claro, com o uso da imagem como retórica. E o discurso dele funciona muito bem com a sua base, que chamam de ‘Base MAGA’ [Make America Great Again ou, livremente, Faça a América Grande Novamente]. Para seus eleitores fieis, não importam seus crimes: vão segui-lo, votarão nele. Para esses, o atentado reforça sua posição, e muito”, diz ela, que também é professora no Instituto Mauá de Tecnologia. “Como o Trump é contra tudo que está aí, todas as instituições, incluindo a democracia e a república, contra os políticos e a elite econômica — como se ele não fizesse parte dela — o atentado reforça essa ideia de que foi ‘contra nós’.”

Quando as pessoas gritam “Fight!” na convenção, segue Flavia, se veem lutando contra “o sistema” que, no entanto, não explicam o que seja. “Uma hora falam que são contra a democracia porque ‘é corrupta’, ou ‘porque houve fraude na eleição passada’; outra hora é o Poder Judiciário, que ‘persegue’ o coitado. E por aí vai. Ainda não sabemos se ele vai mesmo abrandar o discurso e deixar o vice radicalizar. O Vance é como uma cópia dele mais jovem, com trajetória de vida diferente mas ideias muito parecidas. Não sabemos ainda como isso vai repercutir no eleitorado republicano mais moderado e nos indecisos. É difícil identificar isso. Só mesmo com pesquisas de opinião mais para a frente, porque muita água ainda vai rolar até novembro. Por enquanto o cenário é incerto.”

De fato, de acordo com pesquisas do site fivethirtyeight.com, o atentado não ajudou tanto Trump como também não fez Biden cair acentuadamente. Em 21 de junho, o atual presidente ainda estava à frente na preferência dos eleitores americanos, com 40,7% sobre 40,5%. A virada de Trump se deu no dia 25, com 41,1% sobre 40,9% de Biden.

“Se eu não for eleito… será um banho de sangue”, disse Donald Trump, ex-presidente dos EUA, em março, que agora chega à convenção republicana amenizando o discurso (Crédito:Brendan Smialowski)

Em 12 de julho, véspera do atentado, o republicano tinha 1,9% a mais na preferência dos eleitores, o que se seguiu no sábado do comício, subindo para 2,2% a mais no domingo e caindo para 2,0% a mais na terça-feira 16, já oficializada a candidatura republicana, o que se manteve no dia seguinte.

Curiosamente, o atentado parece não ter impactado o eleitorado de um ou outro lado incisivamente, a ponto de mudarem a intenção de voto.

“Simbolicamente a convenção republicana ganhou mais importância, mas muitos aguardam os desdobramentos da investigação sobre o atentado, as motivações, as brechas no serviço de inteligência e de segurança”, diz Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais na USJT-SP, com foco em pesquisa sobre política dos EUA. “O atentado não foi um acontecimento capaz de desequilibrar profundamente a disputa de Trump com Biden no cenário das eleições. Segue o pêndulo. Não sabemos ainda o que pensam os moderados nem como se comportarão os indecisos, que continuam indecisos. Mas há um tempo razoável até a eleição de novembro.”

Para Clarissa, Trump fala em união mas com o atentado seu discurso acentuou alusões a luta acirrada. Está “aproveitando a maré”, diz a professora, “incitando ainda mais seu eleitorado fiel à desconfiança institucional — ainda que, paradoxalmente, tenha saído ileso do processo criminal pelo roubo de documentos secretos da Casa Branca que levou para sua mansão na Flórida”.

Clarissa lembra que o vice escolhido, J.D. Vance, de 39 anos, senador por Ohio e conexões com o Vale do Silício, é da elite econômica e tecnológica — o que pode ajudar a puxar mais financiamentos de campanha. “É uma voz jovem, mas do conservadorismo mais retrógrado”, observa Clarissa, para quem Trump pode baixar o tom, deixando Vance como alinhado à ala mais radical. “O Partido Republicano se comunica melhor, se conecta melhor pelas redes sociais — que são um ponto novamente fundamental nas eleições. E parece mais unificado, do que o Partido Democrata, que passa a imagem de fragmentado, indeciso.”

Economia vai bem

Logo após o ataque a Trump — que também motivou uma série de teorias da conspiração —, os assessores de Biden pareciam imobilizados, como Jen O’Malley Dillon, presidente da campanha, confessando não saber o que o acontecimento impactaria na corrida eleitoral.

Disse que ainda não havia “um rumo traçado, diante do que está se passando no país e com relação ao candidato democrata”, enquanto o vice dela, Quentin Fulks, dizia que estavam concentrados em falar sobre questões cruciais como o direito ao aborto para as mulheres e direitos trabalhistas no geral, além de campos da segurança social como o Medicare e os bons indicadores econômicos.

De toda forma, foram retiradas propagandas negativas sobre Trump, por serem “inapropriadas” diante do clima nacional.

“Biden também mudou seu tom, depois do atentado contra o adversário. Não está mais batendo tanto no Trump. A campanha passou a reforçar o que seu governo tem feito de bom, sem apontar os erros de Trump. A estratégia mudou claramente”, observa Clarissa.

Nesta semana foram divulgados dados positivos do Federal Reserve, com crescimento da produção industrial em junho acima da expectativa, e mercado otimista pelos esperados três cortes de juros pelo Comitê Monetário, a partir de setembro, além da queda de desemprego e a aguardada baixa da inflação para o patamar de 2%, depois de bater em 9,1% em 2022 e cair para 3% em junho de 2023.

Com isso, diz a professora, e diante de uma eleição tão apertada, se fosse para substituir Biden (decisão determinante na Convenção Nacional de agosto), “o mais óbvio seria colocar Kamala Harris, sua vice, como candidata, já que o tempo está contra os democratas”.

“Todos temos responsabilidade em baixar a temperatura e condenar a violência sob todas as formas”, disse o presidente Joe Biden, que adiou visita ao Texas mas manteve a ida a Nevada, focando em eleitores negros e latinos. Pesquisa da Newsweek diz que um de cada três de seus eleitores crê que o atentado a Trump possa ter sido armado. (Crédito:Andrew Harnik)

E diante da violência pregada pelos radicais americanos que seguem Trump, sob risco de se alastrar ao menos entre os adoradores do candidato, Flavia Loss, que também pesquisa sobre o avanço da extrema-direita no mundo, lembra da “forte característica antissistema” do republicano.

“Mas é difícil comparar essa ideologia belicista de parte dos EUA com a Europa ou mesmo o Brasil. Em um contexto geral, esses políticos trocam informações, sim, mas vão mudando seu discurso, sua campanha, sua candidatura, conforme a conveniência. A extrema-direita é um animal que se adapta muito bem a cada contexto político. Como um camaleão.”