Brasil

Interesses em jogo na reforma tributária unem Lula e PL

Câmara aprova a regulamentação, mas Fazenda cedeu no último momento ao incluir a carne entre os produtos da cesta básica isentos de impostos: vitória do PT lulista com o PL e pecuaristas

Crédito: Brenno Carvalho

Depois de intensa costura política, a Câmara consegue regulamentar o sistema tributário, uma das grandes metas de Lula (Crédito: Brenno Carvalho)

Por Marcelo Moreira

O churrasco mais barato para a população de baixa renda se tornou-o principal ponto de discórdia na reta final da votação da regulamentação da Reforma Tributária na Câmara e uniu, de forma incomum, o presidente Lula e o PL, o principal partido de direita e maior adversário do PT. As regras do novo regime de imposto foram aprovadas na noite da quarta-feira, 10, com certa tranquilidade e dentro do que o governo esperava – foram 336 votos a favor e 142 contra. O impasse, que só foi resolvido nos instantes finais da sessão especial comandada por Arthur Lira, dizia respeito a um grande nó a desatar: a inclusão das carnes bovinas e de frango no grupo dos itens da cesta básica isentos de impostos. O Ministério da Fazenda não queria e o relator Reginaldo Lopes (PT-MG) cumpriu esse desejo, mas na última hora, em uma votação de destaques, depois da aprovação do texto-base, Lula, o PL e os pecuaristas venceram a batalha das carnes, incluindo a picanha e o filé mignon, que ficarão isentas de impostos.

Lula já havia defendido a inclusão da carne na cesta básica, alegando que faltava proteínas na lista de produtos isentos, mas foram o PL e seus aliados os mais aguerridos à defender a carne entre os produtos zerados de imposto. Estavam dando voz a pecuaristas inconformados por terem ficado de fora dos benefícios tributários.

Estrategicamente, os deputados petistas não rebateram esse ponto, preferindo ressaltar que a medida beneficiaria os pobres, diminuiria a sonegação fiscal, além da simplificação do sistema tributário.“Parece que a oposição não se deu ao trabalho de ler o texto, ou não conseguiu fazer as contas direito. A população de baixa renda será beneficiada”, afirmou o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

Bernard Appy e sua equipe estão se esforçando para que a alíquota geral fique em 26,5% para sustentar o discurso do presidente Lula de uma carga tributária menor (Crédito:Washington Costa)

Um dos representantes mais estridentes da oposição, Ricardo Salles (PL-SP), rebateu o discurso do petista, afirmando que a urgência não se justificava na votação, já que o tema “é complexo e requer muito mais análise e debate”. Também criticou a recusa do governo em isentar a carne de impostos – o produto teria apenas uma redução de 60% na alíquota.

Apesar das críticas a respeito do tema, o texto foi aprovado e deu algum fôlego político para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, focar em outros temas econômicos espinhosos na relação com o Congresso, em especial as discussões sobre cortes de gastos orçamentários.

A vitória do Palácio do Planalto ainda teve um sabor diferente, mais doce, com a manifestação em plenário de Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que celebrou o texto final e, depois, a sua aprovação. “Sou de direita e da oposição, mas tenho de reconhecer que, mesmo com divergências, vários pontos que eu e minha base defendíamos foram contemplados. Dentro do que foi possível elaborar e votar, está ok.”

Era a senha do que viria após a vitória do texto-base de forma velada, em um primeiro momento, e depois de forma escancarada, com o acordão da esquerda com a direita.

A carne se juntou, assim, a outros itens previamente isentos de impostos:
remédios,
arroz,
café,
manteiga,
óleo de soja,
massas,
pães,
feijão,
açúcar,
e farinha de trigo, entre outros.

Por outro lado, carro elétrico está entre os produtos com taxação mantida, descontentando a indústria automobilística que está investindo R$ 110 bilhões em novos veículos, sobretudo elétricos.

Efeito positivo

Segundo alguns parlamentares governistas, pesaram a favor da aprovação os argumentos de que não haverá aumento da carga tributária. O Palácio do Planalto sustenta que a carga de impostos não subirá porque haverá uma alíquota única para os impostos sobre consumo, de cerca de 26,5%. Com isso, alguns produtos pagarão menos que hoje, e outros pagarão mais.

O somatório será o mesmo, para não aumentar nem diminuir a carga tributária. Esse é ainda um ponto que merece a total atenção do secretário de Reforma Tributária, Bernard Appy: sua missão, que lhe foi atribuída por Haddad, é fazer com que esta alíquota seja atingida, coisa que os cálculos ainda não mostram. E ainda há um ponto essencial: segundo o governo, os impostos não deverão ser mais cumulativos, como são hoje. Assim, o pagamento de tributo vai incidir apenas uma vez na cadeia de produção e venda de um item.

Tem também o “cashback, que é a devolução de parte do imposto pago pela população mais pobre inscrita no Cadastro Único (CadÚnico) do governo. Pela proposta, o “cashback” será destinado às famílias com renda per capita de até meio salário mínimo e inscritas no CadÚnico.

Entre os especialistas, a regulamentação da Reforma Tributária foi necessária e terá efeitos positivos, desde que o governo consiga destravar outros nós.

Para Gustavo Lama, advogado tributarista da GVM Advogados, a reforma simplifica o sistema e trará benefícios para o setor produtivo, com o aumento da clareza e o fim da cumulatividade das taxações. “Se a implementação for feita como se espera, o sistema tributário ficará mais ágil e será possível diminuir custos de produção. Há boas chances também de haver aumento de arrecadação e diminuição da sonegação.”

Lama pondera que poderia haver mais tempo para discutir o Imposto Seletivo (IS), apelidado de “Imposto do Pecado” e que, em tese, incidiria em produtos que causam algum mal à população, como alimentos ultraprocessados e atividades de extração mineral. Há uma certa perplexidade pelo fato, por exemplo, de armas continuarem isentas ou com alíquotas muito baixas. “São coisas que mereciam uma análise mais cuidadosa. Há também outros pontos que podem, no futuro, serem passíveis de judicialização.”

O que Muda
Serão extintos cinco impostos: PIS, Cofins, ICMS IPI e ISS
Serão criados o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS)
O IBS é uma contribuição compartilhada por estados e municípios, substituindo ICMS e ISS
CBS entra no lugar de PIS, Cofins e IPI
IS vai sobretaxar produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
CBS e IS são da União
IBS e CBS serão reunidos no IVA (Imposto sobre Valor e Consumo), que pode chegar a 26,5%, sendo 17,7% referente ao IBS e 8,8% do CBS

O que fica isento
Alimentos da cesta básica
Alguns topos de medicamentos
Produto de higiene menstrual
Parte das MEIS – Microempresas Individuais

O que terá redução de imposto
Alimentos, no geral, terão rdução de 11,6% para alíquota de 4,8%
Carnes e peixes ­– redução da alíquota em 60%
Redução de 60% na alíquota vale também para leite fermentado; iogurte, bebidas e compostos lácteos; queijos; mel natural; mate; farinhas e flocos de aveia, arroz e outros cereais; tapioca; óleos vegetais; massas alimentícias; sal; sucos naturais, desde que sem adição de açúcar e de conservantes; polpas de frutas
Alguns medicamntos e dispositivos médicos e de acessibilidade para Pessoas com Deficiência (PCD) também terão alíquota reduzida em 60%