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Segurança pública: saiba como a bancada da bala põe o governo contra a parede

A crescente influência dos parlamentares que militam na segurança pública obriga o governo federal a buscar formas de conter o avanço e ocupar espaço. Uma tentativa é a criação do Sistema Único de Segurança Pública para coordenar todo o setor

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Estado é incapaz de proteger o cidadão, por isso ele precisa andar armado, dizem os defensores do armamento da população, como os parlamentares da chamada Bancada da Bala (abaixo), cada vez mais influentes e fortes no enfrentamento com o governo (Crédito: Divulgação )

Por Marcelo Moreira

O governo federal acordou tarde demais para atuar numa pauta “sequestrada” pela chamada bancada da bala no Congresso Nacional. É dessa forma que especialistas em segurança pública qualificam a tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reocupar um espaço abandonado pelo Executivo nas discussões sobre combate ao crime organizado, ao desarmamento e à utilização de câmeras corporais por policiais civis e militares.

Em entrevistas a emissoras de rádio, o presidente voltou a manifestar o interesse do governo federal em incluir o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) na Constituição, como forma de a União assumir a coordenação nacional das políticas de segurança, definidas como atribuições dos governos estaduais.

Lula manifestou preocupação com o avanço do crime organizado em várias esferas da vida brasileira. “É necessário o governo federal participar, não apenas com repasse de dinheiro. Estou favorável que a gente tenha mais Polícia Federal e possa participar mais do processo de segurança, sobretudo no combate ao crime organizado, ao narcotráfico e às facções, porque hoje tomou conta do Brasil. É uma coisa mais delicada, e acho que os estados sozinhos não dão conta”.

A iniciativa é uma maneira de o governo se contrapor ao avanço dos parlamentares da bancada da bala, que não perderam influência e poder mesmo com o ex-presidente Jair Bolsonaro tendo perdido a eleição de 2022. Grupo coeso e unido, os deputados e senadores que lidam com a segurança pública costumam impor sua parcela importante nas derrotas que o governo tem sofrido quando trata do tema. São parlamentares resilientes e bons de voto: na maioria dos casos, quando se elegem não saem mais do Parlamento. Entre 2014 e 2022, o número de policiais civis, militares e federais eleitos para a Câmara dos Deputados subiu de sete para 44.

(Tripe)

O próximo embate entre a bancada da bala e o governo deverá ocorrer em breve.

Membros da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara ficaram furiosos com a portaria do Ministério da Justiça que estabelece diretrizes para o uso de câmera corporal por policiais civis e militares.

Composta majoritariamente por deputados conservadores, bolsonaristas e ligados ao mundo policial, os integrantes adiantaram que vão apresentar um projeto de decreto legislativo (PDL), na Câmara dos Deputados, para contrapor a portaria de diretrizes das câmeras corporais para forças policiais.

• Eles não se conformam com o fato de o ministério ter tomado uma decisão “unilateral”, sem consultar os parlamentares. Contam com a fragilidade da representação governista, com apenas dois deputados do PT na comissão.

A força da bancada da bala não se traduz em termos de eficiência em relação ao volume de conteúdo produzido no Congresso Nacional. Ganharam espaço ao longo das últimas três décadas fazendo barulho e usando habilmente o “pânico social” e o medo da violência, real ou imaginário, para construir uma sólida representação política.

Entre 1990 e 2018, a Bancada da Bala apresentou quase um quarto dos dez mil projetos de lei sobre segurança pública, mas aprovou somente 180. Os dados constam de uma pesquisa realizada por Vanessa Orban, doutora em Sociologia pela USP. “Todos giram em torno desses três eixos: liberação de armas, maior liberdade policial e leis mais punitivas.”

Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça, elabora o Sistema Único de Segurança Pública para recolocar o governo na discussão do tema (Crédito:Divulgação )

De acordo com a especialista, os deputados que militam na área souberam trabalhar os temas de segurança aproveitando o discurso de ameaça generalizada, não só à pessoa, mas também ao patrimônio, e que isso recrudesceu a partir da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, em 2003. “A arma é o principal interesse desse grupo. Para defender sua liberação, a bancada parte da premissa de que o Estado não é capaz de garantir a proteção total do cidadão e, com a violência urbana por toda parte, carregar uma é inevitável.”

Populismo

A restrição da posse e porte de armas para agentes de segurança foi um argumento usado pelos defensores do armamento por suposto aumento da violência e insegurança. “Isso não se sustenta, pois o número de homicídios desde então caiu quase 60%”, afirma Vanessa. “O barulho é grande, rende votos, mas não aprovam projetos relevantes.”

Essa também é a sensação de Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, há muito populismo na atuação dos parlamentares da bancada da bala. “São muitos textos de caráter corporativo. Efetivamente a vida não melhora com a aprovação dos projetos que eles propõem. Ninguém está mais seguro. Políticas de segurança púbica precisam ter embasamento científico e não há nada de ciência nesses projetos”.

Ele acha importante que o presidente Lula tenha se voltado para o tema, mas prevê dificuldades políticas na definição de novas competências das esferas envolvidas.

Seria uma costura difícil de fazer com governadores e parlamentares, já que estes detêm grande influência nos estados, suas bases eleitorais. A conciliação por um novo pacto federativo neste sentido encontraria enormes resistências no Legislativo. Diante desse quadro, as dificuldades do governo Lula frente à bancada da bala tendem a aumentar.