Brasil

A valsa dos juros: Lula muda o tom, mas mercado continua com um pé atrás

Crédito: Evaristo Sa

Lula e Haddad: ministro organizou um jantar em São Paulo para convencer Lula a sair da trincheira (Crédito: Evaristo Sa)

Por Marcelo Moreira

Diminuir a temperatura e amenizar as críticas ao Banco Central para evitar a explosão do valor do dólar e, consequentemente, dos índices de inflação. A conversa foi amena, mas o recado ao presidente Luiz Inacio Lula da Silva foi bem claro: suas falas agressivas estavam tumultuando o ambiente. Deu resultado: o mandatário baixou o tom e o dólar recuou no meio da semana após forte alta nos últimos dias.

O inconformismo de Lula com as taxas de juros básicos praticadas pelo Banco Central foram verbalizadas com veemência novamente e semeou mais dúvidas a respeito da firmeza do compromisso do governo com o equilíbrio fiscal, projetando um futuro nebuloso para quando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deixar o cargo, em 30 de dezembro.

O presidente não economizou na artilharia:
insinuou que a atuação de Campos Neto era ideológica,
e que o BC tinha de ter uma atuação correta sem esclarecer o realmente queria dizer com isso.

Tentou consertar depois ao completar que o presidente da entidade não deve ficar vulnerável a pressões políticas, mas não pode permitir que o mercado de apodere da política monetária.

“Responsabilidade fiscal é compromisso.”
Luiz Inacio Lula da Silva, presidente

O mercado reagiu mal e a cotação da moeda americana disparou — estava em R$ 5,41 em 13 de junho e bateu em R$ 5,70 em 2 de julho.

Falas do presidente mais moderadas ajudaram a esfriar os ânimos e o dólar recuou a R$ 5,48 em 4 de julho, em queda expressiva.

A disparada do dólar acendeu todas as luzes amarelas no entorno do presidente e uma operação de contenção de danos foi elaborada para conter a escalada da crise.

Lula foi convencido a comparecer a um jantar em São Paulo para ser “aconselhado”.

Foi recepcionado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na casa deste, e mais ouviu do que falou.

O anfitrião chamou também um time de peso para convencer Lula a falar menos e valorizar mais o que vem fazendo com eficiência — a manutenção do poder de compra do salário mínimo e das aposentadorias, além de evitar cortes nas áreas da saúde e educação.

Participaram do jantar os economistas Eduardo Moreira, Luciano Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo e Guido Mantega. Todos aconselharam Lula a focar nas realizações e evitar críticas mais contundentes.

O presidente ouviu de forma serena e colocou em prática as sugestões. Não diminuiu as reclamações sobre os juros altos, mas reconheceu a autonomia do Banco Central na condução do combate à inflação, “ainda que com um presidente nomeado por Jair Bolsonaro”.

As falas em favor de uma “política fiscal responsável” continuaram na terça-feira (2) e culminaram com uma declaração que pareceu definitiva, para alívio de Fernando Haddad: respeitar a política fiscal é um compromisso, proferida em discurso durante a solenidade de lançamento do Plano Safra na quarta (3). “Responsabilidade fiscal é um compromisso e o governo não joga dinheiro fora”, disse Lula.

Arcabouço

O presidente determinou que Haddad revisse as despesas obrigatórias do governo e cortasse R$ 25,9 bilhões para cumprir o arcabouço fiscal do país. O regime é a âncora fiscal do País para manutenção do controle de gastos, atrelando o crescimento das despesas ao aumento das receitas.

“Primeira coisa que o presidente determinou é cumprir o arcabouço fiscal. Não se discute isso. São leis que regulam as finanças no Brasil e serão cumpridas. O arcabouço será preservado a todo custo”, disse o ministro.

Haddad ressaltou a autonomia do BC e a importância institucional do trabalho, demonstrando estar aliviado. Reforçou que o governo tem compromisso com o equilíbrio fiscal e que há confiança na normalização do cenário econômico. “O dólar vai se acomodar e estabilizar em um patamar menor diante do que estamos fazendo e entregando. O BC tem autonomia para tomar as decisões necessárias na questão da alta do dólar.”

Com a temperatura mais baixa, a calmaria voltou aos poucos no mercado financeiro.

• A Bolsa de Valores teve alta durante a quarta-feira e sinaliza recuperação diante das perdas de junho.

 O Banco Central tentou escapar da saraivada de tiros ao mostrar ao mercado que estava atuando para amenizar os efeitos da disparada do dólar. Com moderação, atuou no mercado vendendo a moeda americana para restringir a alta.

•  Operadores de mercado lembram, no entanto, que as falas de Lula contribuíram bastante para a elevação dos preços, mas que a conjuntura internacional também está “jogando contra”. O dólar subiu em mais de 80 países por conta da indefinição política na eleição presidencial norte-americana —existe a possibilidade de que a taxa de juros nos EUA não caia como o previsto.

Alguns economistas, no entanto, alertam para fragilidades que ainda atormentam o mercado e, por tabela, o próprio governo.

• O dólar ainda está em um patamar muito alto e não deve baixar para menos de R$ 5,39 ou R$ 5,40 tão cedo.

• Faltam sinais mais claros e inequívocos do compromisso com a responsabilidade fiscal e uma atuação mais decidida do governo na questão da regulamentação da reforma tributária, o que demandaria mais negociações com o Congresso Nacional.

Há também o receio de quem será o novo presidente do Banco Central em 2025 — a preocupação é de que o escolhido esteja sujeito aos caprichos do presidente Lula, o que jogaria por terra a autonomia do Banco Central.