A ausência do poder legislativo

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Antonio Carlos Prado: "Há quem insista em declarar que o STF liberou o consumo de maconha. Mais uma vez vemos um ponto camuflado nesse conto" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Passou da hora de se colocar definitivamente no lugar alguns argumentos de determinados parlamentares brasileiros que desorganizam e tumultuam a cabeça de gente humilde e desinformada para fazer prevalecer suas opiniões moralistas. Que medo eu tenho dessa expressão, ela esconde ideologias retrógradas falsamente apresentadas como detentoras de objetividade e isenção científica.

O regime republicano pressupõe a tripartição dos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Têm eles de funcionar de forma independente e harmônica. E, dessa forma, os cidadãos são representados e defendidos, a sociedade se torna funcional e não anárquica. Entretanto, dia sim, outro também, o que vemos são parlamentares acusando o Poder Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal, de se imiscuir em assuntos que não de sua alçada e, isso sim, da esfera legislativa. Os incautos passam então a ser contrários ao Judiciário, porque quem coloca as ideias fora do lugar conta o conto cassando um ponto.

Essa pessoa omite, por exemplo, o fato de que existem temas que têm de ser pacificados para que se legitimem e a sociedade siga a vida em paz. Um desses temas é a posse de maconha. Hoje, quando alguém investido de mandato popular legislativo acusa o STF de invadir os campos de atuação da Câmara dos Deputados e do Senado, não diz que isso só ocorreu porque essas Casas simplesmente nunca deram a menor importância ao assunto, apesar de a Constituição assim exigir.

Passaram-se décadas, tudo anarquizado, o STF põe ordem na casa e leva a fama de usurpador de poder. É demais! Por que deputados e senadores não resolveram a questão, ou seja, porque não cumpriram o seu dever? Nesse momento, ou o Judiciário tornava-se o oboé para dar o tom à orquestra ou a desafinação seria geral. Há quem insista em declarar que o STF liberou o consumo de maconha. Mais uma vez vemos um ponto camuflado nesse conto. O que o STF fez foi quantificar o porte: quanto uma pessoa pode estar portando para ser considerada usuária e não traficante? Antes, estava isso sob os cuidados da autoridade policial na delegacia ou do policiamento ostensivo na rua, e a falta de um parâmetro claro colocava sob risco de suspeição a isenção de tais agentes estatais. Esse risco acabou. A decisão do STF, além de colocar o Brasil na contemporaneidade do mundo, até protege tais agentes: retira deles uma responsabilidade que tinha de ser exercida no vácuo. Agora, não. Até 40 gramas, o policial sabe que é para uso pessoal e não se destina ao tráfico. Estima-se que quarenta e duas mil pessoas estejam presas porque portavam não quarenta, mas quatro gramas de maconha. O STF não invadiu seara alheia; apenas trabalhou.