Comportamento

Como o PCC faz da produção de gasolina a lavanderia do tráfico

DAX e Copape estão no centro do esquema de lavagem de dinheiro da maior organização criminosa do País

Crédito: Ascom/divulgação

Até o mercado internacional que acompanha o setor já desconfiou da quantidade de importação de nafta pela empresa brasileira (Crédito: Ascom/divulgação)

Por Leandro Mazzini

Grandes marqueteiros eleitorais e especialistas em pesquisas já identificaram que o ponto central nas próximas eleições gerais não será a economia, mas a segurança pública. Um nome importante que reconheceu esse aspecto e vem se empenhando para melhorar os índices de sua gestão é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

De forma corajosa, ele promoveu grandes operações na Baixada Santista que poderiam ter gerado um enorme desgaste em sua administração, mas que, na realidade, vêm sendo amplamente elogiadas pela população do Estado. Começar pela Baixada Santista tem uma motivação clara: combater o tráfico internacional de drogas. O volume de drogas exportado para a Europa a partir do Porto de Santos é comparável aos volumes movimentados pelo mega traficante Pablo Escobar em seu ápice.

Retomar o controle da região pelo Estado, se não inibe por completo, atrapalha significativamente as atividades do grupo, pois grande parte dessas drogas é escondida nas imediações do porto.

No entanto, desse gigantesco volume de dinheiro movimentado surgiram outras atividades que também afetam violentamente a vida da população paulista e que, por terem ares de licitude, tornam-se muito mais difíceis de combater. Estamos falando da lavagem de dinheiro do tráfico internacional. Sem sombra de dúvida, segundo destacou o próprio governador Tarcísio de Freitas em um evento em Nova York, a maior faceta disso está no mercado de combustíveis.

De acordo com o governador, a facção PCC já controla pelo menos 1.100 postos em São Paulo e seis usinas de etanol. Porém, segundo investigações conduzidas pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MPSP), o problema é muito maior.

Uma refinaria na Bahia

A 1.500 km de distância da capital paulista, uma pequena refinaria no Estado da Bahia se tornou a porta de entrada para as atividades de lavagem de dinheiro do PCC no segmento de combustíveis.

A DAX Oil, uma refinaria de petróleo privada localizada no município de Camaçari, fundada em 2011, sempre operou pequenos volumes até meados de 2022. Repentinamente, tornou-se a maior importadora privada de naftas do Brasil. Nos últimos meses, chamou a atenção inclusive da Argus, o maior informativo mundial do mercado de petróleo. Em seus relatórios, a Argus destaca o papel da DAX como maior importador nacional do produto.

O próprio informativo já traz a resposta ao mistério desse crescimento. O motivo é que 100% do volume importado pela DAX é revendido diretamente para a Copape, ou seja, a DAX se apresenta como mera intermediária dessa compra, ou, nos termos do mercado de combustíveis, como uma mera “barriga de aluguel” na compra de naftas.

A partir dessa realidade, surgem algumas questões: para que serviria tanta nafta; quem seria a Copape; e por que a Copape utilizaria a DAX como “barriga de aluguel”?

A resposta para a primeira pergunta, ou seja, para que serve tanta nafta, está na produção de gasolina. A Copape e suas distribuidoras interligadas, como Aster e Duvale, já representam a quarta maior força do mercado de combustíveis no Estado de São Paulo, ficando bem próximas de marcas conhecidas como Shell, Ipiranga e Petrobras.

Segundo investigações do MPSP, a Copape é uma formuladora de gasolina, algo intermediário entre uma refinaria e uma distribuidora, que produz gasolina a partir de uma simples mistura mecânica. Ou seja, produz gasolina sem ser refinaria. Nas investigações, apura-se fraude fiscal e, principalmente, a ligação da companhia com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, o PCC. Segundo investigações e dados de mercado, a ala da facção ligada ao tráfico internacional de drogas é a grande financiadora do empreendimento no segmento de combustíveis.

A Copape vem utilizando a Dax como barriga de aluguel por duas razões:
a primeira porque a DAX detém um regime tributário diferenciado concedido pelo Governo baiano, que deveria ser utilizado para produção e processamento realizado dentro do Estado nordestino, mas que estaria sendo utilizado de forma distorcida para beneficiar as atividades da Copape em São Paulo. Através desse artifício, a Copape vem conseguindo evitar que o Estado de São Paulo tribute suas importações.
Além disso, a DAX seria uma refinaria, ela pagaria tributos federais menores na importação da Nafta do que a formuladora Copape. Ou seja, novamente a Dax estaria utilizando de forma distorcida um benefício que deveria ser utilizado para sua indústria e não para Copape.

Operação Carbono

No início deste ano, uma operação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), da Secretaria de Fazenda da Bahia e da Polícia Civil baiana flagrou dezenas de caminhões em uma base clandestina de combustível, conhecida no mercado como “boca de porco”. A base estava sendo utilizada para adulterar gasolina com naftas. A nafta encontrada na tal “boca de porco” tinha notas fiscais da DAX, e os caminhões que transportavam o produto eram da transportadora G8 Log, pertencente a Mohamad Hussein Mourad, apontado pelo MPSP como um dos verdadeiros controladores da Copape.

Ou seja, os criminosos não só estariam utilizando a DAX para se beneficiarem indevidamente nas importações realizadas para São Paulo, como estariam utilizando a mesma nafta para adulterar combustíveis que são comercializados no Estado da Bahia.

Mohamad Hussein Mourad já é um velho conhecido das autoridades paulistas.
Ele responde a processos por corrupção, adulteração de combustíveis, falsidade ideológica e porte de arma de fogo.
Em um homicídio ocorrido dentro de um posto de sua propriedade, o MPSP conseguiu identificar que o posto estava em nome de terceiros.
Essa modalidade se espalhou em suas atividades. Nas investigações, ficou evidenciado que ele utiliza vários “laranjas” em seus negócios, incluindo até mesmo seus familiares.

Após o início das investigações, a Secretaria de Fazenda de São Paulo iniciou um processo para cassar a inscrição estadual da Copape. Temendo o encerramento das atividades, Mohamad, usando uma de suas estruturas societárias, constituiu a GT Formuladora e já pediu à ANP o registro para uma nova formuladora de combustíveis.

Ou seja, enquanto o Governo paulista tenta limitar as atividades criminosas de um lado, o grupo supostamente ligado à facção PCC já busca um novo caminho para dar seguimento às suas atividades no Estado.

Apurar as conexões da Copape e da DAX com o PCC e combater as operações de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis são enormes desafios que administradores estaduais enfrentam na segurança pública. São passos importantes para garantir a segurança e o bem-estar da população.