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Para onde vai o BC sem Campos Neto? Analistas opinam

O próximo presidente do Banco Central, que assume o cargo em dezembro, será pressionado como nunca a derrubar a taxa de juros, mas uma queda exagerada poderá acelerar a inflação, que já dá sinais de alta. Ele terá autonomia para adotar medidas puramente técnicas?

Crédito:  Cristiano Mariz/Agência O Globo

"Quero fazer uma transição suave", diz Roberto Campos Neto presidente do Banco Central (Crédito: Cristiano Mariz/Agência O Globo)

Por Vasconcelo Quadros e Mirela Luiz

RESUMO

• Enquanto Roberto Campos Neto, primeiro a gerir o BC independente do Planalto, ocupar a presidência, Selic não deve cair abaixo de 10%
• Sucessor do atual presidente assume dia 1/1/25 e deve dar a cara de Lula para a instituição
• Especialistas do mercado alertam para queda acentuada dos juros (como quer Lula) e eventual inflação, com aumento de incertezas
• Novo cenário como esse poderia provocar redução de investimentos, fuga de capital e aumento da taxa de câmbio, dizem
• Governo quer encurtar mandato de Campos Neto, e vê componente político na gestão do neto de Roberto Campos, ministro da ditadura

 

Habituado a operar nos últimos anos com juros bem acima da inflação, o mercado financeiro olha o cenário com preocupação. Na outra ponta, o governo, contido pela “camisa de força” da Selic, taxa básica de juros que influencia todas as outras, respira fundo, mas com algum alívio. A transição de comando do Banco Central começou e, a se confirmar as intenções das personagens principais, em público será suave como pluma, mas estressante como pregão da bolsa nos bastidores. A hipótese mais provável é que a taxa de 10,50%, reafirmada por unanimidade na recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), não seja reduzida a um dígito enquanto Roberto Campos Neto, primeiro a gerir o BC independente do Planalto, ocupar a presidência.

Oficialmente, o mandato terminará em 31 de dezembro. “Jamais disse que sairei antes. Ficarei até o primeiro dia de meu sucessor, para fazer uma transição suave e colaborativa”, afimou na quinta-feira (27), em São Paulo.

• O sucessor, a ser indicado pelo presidente Lula, precisará do aval do Senado (leia quadro com os mais cotados). Governistas preconizam uma guinada após a troca, com nova cara para o Lula 3 a partir de janeiro de 2025.

• O governo avançaria no desenvolvimentismo, com mudanças na industrialização a patamares adequados à capacidade de produção agrícola, potencial mineral e uso de recursos naturais na geração da nova matriz energética verde.

O favorito para substituir Campos Neto é Gabriel Galípolo, ex-CEO do Banco Fator e atual diretor de Política Monetária do BC. Lula o considera um “companheiro preparado”, mas quer definir “no momento certo” o nome do sucessor.

“Não indico presidente do BC para o mercado, e sim para o Brasil. Os setores financeiro, empresarial e produtivo precisam se adaptar. O BC leva em conta a dificuldade das pessoas para fazer financiamento? Há plano de meta de crescimento?”, questiona em entrevista ao UOL. “Não venham com chorumela. Fui presidente por oito anos. O (Henrique, ex-presidente do BC) Meirelles teve autonomia total. Respeito a função do BC. A pergunta é: precisa manter taxa a 10,5% com inflação de 4%?”.

Na avaliação de especialistas ouvidos por ISTOÉ, a estratégia de empurrar o BC contra a parede é, no mínimo, perigosa.

“Quanto mais se pressiona, mais difícil fica controlar a inflação. A incerteza quanto ao comprometimento com a meta só atrapalha”, condena Armínio Fraga, ex-presidente do banco.

“Queda abrupta não cabe nem deve ocorrer. A reação seria negativa e dramática”, aponta Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Nos juros longos, o mercado exigirá taxas altas. Haveria efeito negativo no crescimento e disparada na inflação, furando o teto”.

O retorno do equilíbrio fiscal é outro ponto destacado. Em 2002, as contas do setor público fecharam com superávit de 4% do PIB. No ano passado, o primeiro de Lula 3, contabilizaram déficit de 2,29%, ou R$ 249,12 bilhões.

“Não indico presidente do BC para mercado, e sim para o País. Setor financeiro e empresários devem se adaptar.”
Lula, presidente da República

(Evaristo Sa)

“Tiro no pé”

“Lula dá um tiro no pé com essa briga”, afirma o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria.

“Provavelmente terá que recuar. Se conseguisse o que deseja, geraria crise de confiança no governo. O BC faz favor a ele, que possui uma qualidade não cultivada por Dilma: recuar quando percebe movimento negativo do mercado”, compara .

Juliana Inhasz, coordenadora da graduação em Economia do Insper, é outra a condenar a redução rápida e drástica da Selic. “Teríamos redução de investimentos, fuga de capital, aumento da taxa de câmbio, inflação e o País com imagem de arriscado”.

Henrique Meirelles acha o índice de 10,50%”negativo e causador de preocupação”. Mas vê na votação unânime do Copom, reforçada pelos quatro diretores nomeados por Lula, “um sinal de que critérios técnicos foram seguidos e as coisas caminham na direção correta, para além do político e do pessoal”, atesta o ex-presidente do BC.

”Diretores do BC e integrantes do Copom têm nome a zelar. Não irão fazer maluquices”, aposta William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAES. “Um ajuste aqui, outro acolá, são possíveis, mas nada de baixar a Selic drasticamente. Na hipótese remota disso ocorrer, haveria aumento grande da inflação. Para que aplicar dinheiro que não vai render nada? Melhor torrar no consumo. Geraria pressão de demanda e alta inflacionária. Ninguém quer isso”, resume.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC e ex-economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, teme o risco de interferência política no Copom a partir de janeiro de 2025. “A possibilidade de adoção de postura similar à assumida pelo BC sob a gestão de Alexandre Tombini, submissa no governo Dilma aos interesses do Executivo, preocupa”, alerta. “Temo uma política monetária com intenção de acomodar a inflação no topo da meta, o que geraria risco constante de estouro do teto”.

(Fotos: Pedro França/Agência Senado; Paulo Pinto/Agência Brasil; dado galdieri/bloomberg;Ettore Chiereguini/AGIF/AFP; Marco Ankosqui; Jefferson Rudy/Agência Senado; Sidinei Lopes)

Lula tem batido forte em Campos Neto pelos juros altos e o que chama de submissão ao mercado, sem preocupação social. O PT segue na mesma toada.

“A gestão é péssima. O BC precisa cuidar da inflação, mas também do custo de vida e do emprego”, cutuca o deputado Zeca Dirceu (PT-PR). A reincidência nos ataques do presidente fez o dólar fechar em R$ 5,51 na quarta-feira (26), maior valor desde novembro de 2022, e abrir em alta no pregão seguinte.

Há ainda o componente político.

Nome vinculado a Bolsonaro e símbolo do liberalismo herdado do avô Roberto Campos, ministro do Planejamento na ditadura e um dos criadores do BC, Campos Neto tem se aproximado de adversários do PT, como o governador paulista Tarcísio de Freitas, cotado para ser adversário de Lula na eleição de 2026.

O presidente sempre combateu juros altos, mas quem se encarregava de executar as críticas públicas nos governos anteriores era o então vice José Alencar, fundador da Coteminas, gigante do setor têxtil.

No Lula 3, diante do perfil mais brando do vice Geraldo Alckmin, Lula sentiu necessidade de assumir a missão.

Além de pretender ajustar a meta inflacionária ao crescimento econômico, Lula enxerga em Campos Neto um potencial adversário na formulação de projetos econômicos a serem colocados em conflito nas próximas eleições presidenciais.

A esses fatores se somam as dificuldades em mexer na equipe do BC autônomo, garantida por quatro anos de mandato. O presidente não esconde o desejo de ver o BC regular o mercado por juros próximos aos cobrados pelos bancos estatais, só que esses possuem o papel de fomentar economias, e não de desmontar cenários desfavoráveis à inflação, tarefa da instituição central.

Equilíbrio

Parlamentar próximo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o senador Humberto Costa (PT-PE), considera que, para evitar instabilidade e uma oposição com ainda mais sangue nos olhos, o governo não deveria forçar o encurtamento do mandato de Campos Neto. “É importante controlar a inflação e ter equilíbrio fiscal, mas é fundamental garantir também crescimento, emprego e distribuição de renda. O escolhido precisará equilibrar essas coisas”.

Galípolo participou da equipe de campanha de Lula e da transição de governo. Era próximo da cúpula do PT, ao menos até a última reunião do Copom. Seu voto favorável à manutenção dos 10,50%, alinhado a Campos Neto, na última reunião do Copom, oficialmente na contramão do que esperava o governo, pode ter arranhado a relação.

Há teses contraditórias para justificar a atitude.

Uma delas, passada a ISTOÉ por uma fonte petista, é a de que Galípolo quis dar dupla sinalização caso seja confirmado: atuará com firmeza técnica e imune a pressões do mercado e da política.

Outra dá conta de que o economista, diante da certeza do governo — e de todo mundo — de que a manutenção ou até mesmo o aumento da taxa venceria, teria dito sim com o aval de Lula, para sinalizar ao mercado que é independente e não está a serviço da redução dos juros, a qualquer preço, ainda antes da posse.

Seja qual for o indicado para o BC, o governo terá sete indicados entre os nove integrantes do Copom. Além de Campos Neto, deixarão o banco os diretores Otavio Damaso, de Regulação, e Carolina Barros, de Cidadania, Supervisão e Conduta, a única mulher do clube.

(Ettore Chiereguini)

“Voto unânime no Copom é sinal de que foram seguidos critérios técnicos e as coisas caminham na direção correta.”
Henrique Merelles, ex-presidente do Banco Central

O presidente procura alguém “maduro” e “calejado”, que não se submeta apenas às pressões do mercado, muito bem atendidas, segundo ele, por Campos Neto.

Por essa razão, também são ventilados nomes de peso como Paulo Picchetti, André Lara Resende e Marcelo Kayath.

“Se o indicado for um político, o Senado recusará. O cargo é técnico e ele passará por sabatina”, afirma o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Ele faz campanha intensa pela aprovação da PEC 65, que prevê independência também financeira do BC, com desvinculação de custos do orçamento da União e liberação de contingenciamentos. Para Lula, seria o pior dos mundos.