Os três minutos que podem salvar seu coração – e sua vida
O impacto de uma ‘voadora’ sobre o órgão, ou mesmo de uma bolinha arremessada com força e à toda velocidade, pode ser fatal. Daí a importância da conscientização sobre uso de desfibriladores
Por Denise Mirás
Cesar Fine Torresi, 77 anos, morreu em conseqüência de uma “voadora” que recebeu no peito, quando chegava com um neto de 11 anos a um shopping da cidade de Santos. Depois de cair e bater a nuca, o avô foi levado a uma UPA, onde teve três paradas cardíacas. Autor do golpe desferido naquele sábado, 8 de junho, Tiago Gomes de Souza, 39 anos e que já tinha passagens pela polícia, foi denunciado por homicídio qualificado. A tragédia trouxe questionamentos sobre a pancada no coração, uma condição que pode ser fatal e é conhecida como Commotio Cordis, segundo o cardiologista Sergio Timerman, do Instituto do Coração (Incor) de São Paulo. As chances de sobrevivência são maiores se houver um desfibrilador ao alcance de alguém que saiba como socorrer a vítima, no máximo nos três minutos seguintes.
Se a morte de Cesar Torresi se deveu diretamente à voadora no peito ou ao choque da cabeça no chão, o médico observa que “uma coisa chama a outra” e explica: “A pancada direta na região anterior do tórax causa uma arritmia, uma fibrilação e pode até levar à morte súbita. No caso dele, uma perda de consciência com a parada cardiorrespiratória pode ter provocado a queda. Só poderíamos especular, porque quem vai dizer é o legista. Mas, mesmo que não tivesse a intenção de matar com a voadora, queria derrubar — o que foi mortal”.
De toda forma, não são tão incomuns as mortes por pancadas na região do coração. “É a terceira causa mais comum de morte cardíaca súbita em jovens atletas, com mais de 75% dos casos acontecendo durante eventos esportivos organizados ou recreativos”, diz o médico, dando como exemplo, no caso dos americanos, das bolinhas de beisebol arremessadas em velocidade tão alta que provocam um impacto muito forte se atingirem o peito — de jogadores ou mesmo de alguém do público. Discos do hóquei sobre o gelo e ainda socos e cotoveladas em artes marciais também podem causar a Commotio Cordis.
Especialistas observam que uma “parede torácica” mais fina de crianças, em comparação a adultos, leva a riscos ainda maiores.
Mas seja um acidente no esporte ou em outro local, como no trabalho e mesmo no trânsito, o baque no peito com um objeto de ação contundente — e não penetrante — faz com que o ritmo cardíaco se torne irregular. “Basta que o impacto transforme o problema mecânico em elétrico, com algo tão rápido como a voadora ou o choque do volante de um carro no peito”, assinala o médico. “Com uma pancada, o coração corre o risco de entrar em um caos elétrico e parar de se contrair e bombear sangue para o corpo, o que pode ser fatal. A taxa de sobrevivência cai 10% a cada minuto.”
No pós-impacto, é preciso o uso imediato de um desfibrilador, que dá ordem ao caos elétrico instalado no coração. “Com as compressões feitas dentro dos três minutos, a possibilidade de ser reverter a parada cardíaca é alta”, diz Timerman.
“Com a pancada, o coração corre risco de entrar em um caos elétrico, que pode ser fatal.”
Sergio Timerman, cardiologista do Incor de São Paulo
Jogador salvo
Nos EUA, ficou bem conhecido o caso do jogador Damar Hamlin, da NFL (liga de futebol americano), que caiu depois de um choque no jogo entre seu time, o Buffalo Bills, e o Cincinnati Bengals, em janeiro de 2023. O adversário Tee Higgins, wide receiver (jogador chave de ataque) mergulhou em cheio com seu capacete no peito do safety (jogador de defesa) Hamlin, que se levantou mas caiu fulminado. Socorrido de pronto, a equipe médica conseguiu reverter a parada cardíaca do jogador, que foi levado de ambulância do gramado do Paycor Stadium para a UTI de um hospital. Sua vida foi salva e mais que isso: Hamlin reestreou em casa pelos Bills, em outubro passado, contra o Miami Dolphins.
Daí a importância de se aumentar a conscientização sobre a Commotio Cordis, como diz Sergio Timerman, em meio a treinadores, atletas, pessoal médico de emergência e também a população em geral, além de distribuição mais ampla de desfibriladores —hoje a um custo entre R$ 6 e 8 mil —, principalmente em locais de prática de esporte, mas também em condomínios, por exemplo — ou mesmo em casa, se o morador tiver alguma doença cardiovascular. “Mas, mesmo com a fibrilação ventricular revertida, o doente precisará de tratamento e monitoramento para prevenir um novo evento cardíaco.”