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Liberação de cassino e bingo está praticamente a uma canetada de Lula; entenda

Comissão do Senado aprova a liberação de jogos de azar, mas por uma votação apertada. O debate divide os parlamentares em relação a argumentos econômicos, de um lado, e questões morais, éticas e de segurança pública do outro

Crédito: Edilson Rodrigues

Irajá e Jaques Wagner defendem a liberação e seus benefícios econômicos; a bancada evangélica (abaixo) teme a explosão do vício no jogo, “uma tragédia social” (Crédito: Edilson Rodrigues)

Por Marcelo Moreira

Em um dos debates mais controversos e difíceis realizados recentemente no Congresso Nacional, os parlamentares fazem as suas apostas. Mas estão longe de qualquer consenso em um tema que evolve dilemas morais, éticos, econômicos e até de saúde pública. Ainda assim, a liberação de todos os jogos de azar, mesmo com dificuldades, está caminhando. Com placar apertado (14×12), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou o PL 2234/22, que legaliza todas as modalidades de jogos de azar no Brasil, como cassinos, jogo do bicho, bingos e apostas em cavalos. O texto, já aprovado pela Câmara dos Deputados, irá ao plenário do Senado e seguirá à sanção presidencial caso não sejam feitas modificações. O projeto teve como relator o senador Irajá (PSD-TO), filho da ex-senadora Kátia Abreu, e permite a instalação de cassinos em polos turísticos ou em complexos integrados de lazer, como hotéis de alto padrão com pelo menos 100 quartos, restaurantes, bares e locais para reuniões e eventos culturais.

Apesar do tema polêmico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já se antecipou e disse em entrevistas que sancionará o projeto em caso de aprovação. “Se o Congresso aprovar, não tem por que não sancionar. Não acho que é isso que vai resolver o problema do Brasil.” Entretanto, em um misto de descrença e indiferença, o presidente não deu tanta importância ao tema. “Essa promessa fácil de que vai gerar 2 milhões de empregos, que vai desenvolver, não é verdade também. Acredito que haverá geração de empregos, sim, e para os mais pobres e para aqueles que têm menos oportunidades, além do óbvio aumento da arrecadação de impostos. Mas não será um lazer para as pessoas pobres.”

Confrontado com as eventuais contraindicações que a medida pode causar, Lula manifestou certa preocupação. “Hoje temos uma proliferação de casas de apostas esportivas online, o que na prática já mostra que já há jogo ocorrendo normalmente.” Ele demonstrou preocupação com impacto entre os mais jovens, que podem ser mais suscetíveis ao vício.

As falas do presidente evidenciam o embate entre os argumentos de cunho econômico, como a geração de empregos e aumento na arrecadação de impostos, e as questões morais e de saúde, quando não de segurança pública. Por enquanto, predominam os cifrões que o surgimento de cassinos promete gerar. Nos bastidores do Congresso, há quem acredite que a liberação dos jogos de azar trará no seu bojo aumento de empregos, de arrecadação de impostos e alguns caminhões de votos, principalmente em áreas com alto potencial turístico.

O projeto ganhou o apoio do PT, ainda que o governo, oficialmente, não tenha tomado posição — por mais que Lula tenha endossado a aprovação.

Jaques Wagner (BA), líder do governo no Senado, votou a favor da aprovação. “Sou a favor porque não acredito em nada proibido como solução. Hoje, com jogos no celular e no computador, o cassino, por assim dizer, está dentro de casa. Prefiro tudo com regras, com fiscalização e com pagamento de tributo.”

Com diversas ressalvas, Rogério de Carvalho (PT-SE) foi praticamente na mesma linha. “Sou a favor de que haja uma regulamentação e que seja feita de forma transparente, para que essa atividade não seja realizada nos subsolos e no submundo das grandes cidades, porque hoje tem cassino em várias cidades brasileiras.”

(Roque de Sá)

Dilemas

A oposição, principalmente a bancada evangélica, promete endurecer o jogo e quer que, antes de ser votado no plenário do Senado, o projeto passe por outras comissões da Casa.

Eduardo Girão (Novo-CE) argumentou que a liberação dos jogos de azar pode influenciar no vício, algo que causa horror entre os parlamentares evangélicos. “Quando os bingos eram liberados no Brasil, você via os aposentados torrando até o último centavo. Era tanto caso de corrupção e lavagem de dinheiro por causa do bingo que aí o [então] presidente Lula fez um decreto proibindo o bingo no Brasil. Uma tragédia social que não dá emprego”.

O cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Fesp-SP, é um crítico contundente da atuação das casas de jogos e cassinos, alertando que os males que causam não compensam eventuais ganhos financeiros para governos ou criação de empregos. Em declarações recentes, comentou: “A liberação dos jogos é a porta aberta do inferno, exatamente para que mafiosos se transformem em empresários e, de empresários, passem a influenciar ainda mais a vida política. Isso é um problema grave que a gente tem aqui e que também pode trazer questões de segurança pública”, ponderou, aludindo a riscos de crescimento de casos de lavagem de dinheiro. “Não adianta liberar por liberar. Se não houver um respaldo em termos de projetos sociais para redução da desigualdade e foco na saúde física e mental esse projeto só vai atender a uma elite.”

Longo caminho

Os cassinos fizeram parte da vida nacional na primeira metade do século XX, sendo considerados parte importante da vida cultural, exibindo shows musicais e peças de teatro.
Em 1946, o presidente Eurico Dutra proibiu o cassino e os jogos de azar sob a justificativa de combater o crime e a corrupção.

O presidente Itamar Franco, em 1993, tomou medidas para permitir o funcionamento de bingos, que duraram até 2000, quando Fernando Henrique Cardoso revogou a medida alegando irregularidades.

•  Em 2004, em seu primeiro mandato, Lula editou Medida Provisória (MP) que proibiu todo o tipo de jogo de azar no País.